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Primeira Edição: Original alemão Unrentable, vereinigt euch! em Neues Deutschland, 02.05.2003. Tradução de Nikola Grabski
Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
O capitalismo não é uma chance, mas é uma ameaça à humanidade. Assim começam a sentir agora até muitos daqueles que ganham bem. A lógica subjacente a este sistema é tão simples como brutal: no fundo, só tem direito à existência quem ou o que é rentável. E não basta o lucro por si só, ele deve situar-se à altura da norma de rentabilidade, que hoje está a ser colocada, em termos capitalistas-financeiros, cada vez mais alto.
Isso significa duas coisas: em primeiro lugar, o capital é insaciavelmente cobiçoso de trabalho humano, que deve transformar-se, em função do fim próprio da valorização irracional, em cada vez mais capital. A partir desse ponto de vista, as pessoas são material, "mão-de-obra", e mais nada. Em segundo lugar, o trabalho só é "válido" no nível da rentabilidade. A ambição capitalista de explorar a força vital humana está obrigada a seguir esta bitola.
Esta brutalidade essencial está de certa maneira à espreita, na inconsciência da ordem do sistema. É tão terrível que ninguém a admite, nenhum gerente, nenhum político, nenhum ideólogo. Mas existe, e diz em última consequência: Todos os que não têm capacidade de trabalhar, são por princípio "vidas sem valor". Seriam isto todas as crianças e adolescentes, que ainda não têm capacidade de trabalhar; a não ser que já servissem como material de trabalho, assim que pudessem andar. Seriam isto todos os enfermos, deficientes, etc. que representam apenas factores de custos. E obviamente todos os idosos, que já não são capazes de trabalhar e para os quais se verifica o mesmo, a não ser que fossem aproveitáveis para alguma coisa mesmo no leito de morte. Por fim seriam isto os desempregados, que portanto se tornam escusados. A lógica capitalista pronuncia esta sentença não só sobre os indivíduos, mas também sobre os respectivos âmbitos e instituições: a formação, a educação, os cuidados, a assistência, os serviços sanitários, a arte e a cultura etc. parecem custos mortos, que deveriam ser eliminados.
Como é óbvio, qualquer sociedade que executasse esta lógica, entraria imediatamente em colapso. Porém trata-se da lógica do capital, tão cega e insensível como um processo físico. Para que o capitalismo deixe a humanidade viver, em função de ser material para as suas próprias exigências insaciáveis, tem de ser de algum modo iludido. Originalmente, a sobrevivência neste contexto, e com isto as "necessidades não rentáveis" eram da competência das mulheres. Mas o processo de valorização não desprezaria de modo algum a carne feminina, ou seja, "o nervo, o músculo, o cérebro" (Marx). As mulheres seriam então oneradas com uma dupla carga. Tanto faz se se trata das sociedades capitalistas de Estado do antigo bloco de leste, dos centros ocidentais ou dos bairros de lata do Terceiro Mundo: após o fim do trabalho diário, o trabalho para elas apenas começou e só começa com o trabalho de reprodução para a parte da vida "indigna de viver" do ponto de vista capitalista.
As mulheres sozinhas teriam sucumbido há muito tempo sob este fardo, ou a sociedade ter-se-ia dissolvido. Por isso o Estado adicionalmente tinha de criar as áreas secundárias, derivadas, da "vida indigna de viver" fora da rentabilidade, através de impostos, contribuições e sistemas de seguro, portanto de certa maneira através do "sangrar" do processo rentável de valorização. Conforme a extensão que teve, isto foi visto como mais ou menos "social". E a crítica histórica do capitalismo limitava-se em grande parte à quantidade desta sangria, enquanto a terrível lógica fundamental permanecia na sombra e intacta. Isto foi possível (com interrupções de crises), enquanto o processo de valorização estava historicamente em progresso e pôde absorver cada vez mais trabalho lucrativo. Porém com a terceira revolução industrial, esta expansão ficou parada. A bitola da rentabilidade está demasiado elevada, cada vez chumbam mais válidos para o trabalho. Como consequência o sangrar da valorização para as áreas secundárias esgota-se.
Torna-se visível a cabeça de medusa da lógica capitalista intrínseca, até agora ocultada. No mundo inteiro, os "não-rentáveis" têm de experimentar a respectiva "desvalorização da vida" absoluta ou relativa. Com uma consequência férrea são atingidos primeiro os desempregados de longa duração, as crianças e adolescentes, os enfermos, os deficientes e os idosos. Conforme o país e a situação no mercado mundial, isto acontece com maior ou menor rapidez, mas caminha-se irresistivelmente nessa direcção. Também na RFA, já apenas relativamente "rica" no sentido capitalista: Os pagamentos de seguros estão a ser diminuídos, os cuidados médicos, a assistência aos enfermos e aos idosos reduzidos, as pensões sociais desviadas, jardins infantis encerrados. Nas escolas, o reboco está a cair das paredes, o material didáctico está a ficar antiquado e a apodrecer. E parece que nunca mais acaba, face a novos e novos projectos de cortes. Silenciosamente, está a colocar-se um traço sobre toda a reprodução social.
A "Agenda 2010" é uma agenda da demência de rentabilidade, que já não reconhece nenhuma barreira social ou moral, por sua margem se ter tornado demasiado estreita. As classes política e económica remetem apenas à silenciosa física social capitalista. E perece a velha e desamparada crítica de capitalismo limitada ao mero sangrar da valorização. Os antigos peritos para o melhoramento social mudaram de profissão para a limitação cosmética de danos nas deteriorações. Os supostos coveiros do capitalismo tornaram-se em ajudantes de coveiro da sociedade humana. Sob as circunstâncias historicamente novas, o antigo papel sindical social-democrata virou, em termos do seu conteúdo social, o contrário.
Chamar o resultado da fraca revolta contra a "Agenda 2010", que era infelizmente de esperar, um compromisso preguiçoso, seria lisonjeiro. Onde a capacidade de governo deveria ser sacrificada em nome da resistência social, a resistência social é, pelo contrário, sacrificada em nome da capacidade de governo. Mas as coisas não vão ficar por esta Agenda. O que é apregoado como sacrifício para a pretensa manutenção substancial das áreas vitais "não lucrativos", é somente uma parte do caminho para o histórico beco sem saída do auto canibalismo capitalista. Este sistema já não se deixa enganar na sua biofobia. É o próprio absurdo princípio de rentabilidade que tem de cair: Não-rentáveis de todos os países, uni-vos!