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Primeira Edição: Neues Deutschland, 7 de Fevereiro de 2003
Tradução: Nikola Grabski
Fonte: http://obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Todos têm vindo a descobrir o seu carinho para com os países pobres e muito pobres: o Forum Económico Mundial tal como o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio (OMC) e em geral os peritos de economia de todos os países. Os Estados ricos, dizem, deveriam renunciar à sua hipocrisia, e abrir finalmente os seus mercados, principalmente para os produtos agrícolas do Terceiro Mundo. Não se deveria poder falar continuamente de liberdade de comércio e privar dela precisamente os mais pobres dos pobres. Por isso os direitos aduaneiros e as subvenções agrícolas nos EUA e sobretudo na União Europeia deveriam cair. E neste sentido até os críticos da globalização teriam também alguma razão.
Eis o bode neo-liberal a falar como jardineiro. Esta argumentação corrente é em si própria apenas hipocrisia, porque esconde os verdadeiros pressupostos do negócio agrícola global. Pois em regra não é aos produtos dos pequenos agricultores pobres que se fecham as portas dos blocos de comércio ocidentais. Quem do Terceiro Mundo entra no mercado agrícola mundial ? São na sua maioria os senhores duma economia de plantações, como foi assumida do colonialismo e desenvolvida pelos regimes desenvolvimentistas. Não se tratava nem se trata aqui do abastecimento das pessoas, mas da impiedosa geração de divisas para consumo militar e projectos piramidais das potências. Repetidamente se esquece que são justamente as regiões de fome e miséria que colocam no mercado mundial produtos agrícolas concorrenciais. Já no passado foram na realidade muitas vezes companhias agrícolas e alimentares como Nestlé, Unilever ou a famigerada United Fruit Company, que, através da exportação de capitais, agarraram capacidades de produção agrícolas do Terceiro Mundo, para servir a partir de lá os mercados ocidentais. Depois de o paradigma de desenvolvimento "nacional" independente quebrar, sob a pressão da terceira revolução industrial (que também atinge o sector agrícola) e da globalização, será mais do que nunca o capital agrícola ocidental, que se esconde atrás do pretenso lobby para o Terceiro Mundo, assistido por monstros estatais sem perspectiva, dos países cujos representantes aprenderam, nos foros internacionais, justamente em nome de abertura neo-liberal de mercado para o negócio agrícola, a evocar sob lágrimas a miséria daquelas multidões de pobres, dos quais na realidade são exploradores auxiliares e abatedores.
O que aparece tão inocentemente como "agricultura do Terceiro Mundo", baseia-se de facto num processo progressivo de expropriação de populações inteiras, cuja lógica já Marx descreveu no seu famoso capítulo sobre a "acumulação primitiva". Recursos naturais de todos os tipos anteriormente livremente acessíveis são obstruídos, vedados e declarados "propriedade privada". E num processo progressivo a favor do negócio agrícola, são expulsas da sua terra as pessoas, cujo estatuto legal está pouco claro ou é ignorado. Apenas a uma pequena parte delas é "permitida" então a trabalhar, em condições desumanas e sob uma chuva de pesticidas, por salários miseráveis nas fábricas do mercado mundial (da produção de cacau à de flores cortadas). E quanto menos importância o factor trabalho tiver nesta racionalização em grande escala, por causa de capital mecânico e electrónico, tanto mais pessoas serão cuspidas para fora até da miséria desta situação de exploração. Não esquecer: O negócio agrícola global está combinado com uma igualmente brutal desnaturação dos alimentos, que são preparados, até ao consumo final, desenvolvendo meros aspectos aproveitáveis para uma "comida design".
A prática ocidental de isolamento e subvenção não é nada melhor, mas apenas a outra face da mesma moeda. Também ela não favorece os verdadeiros produtores, mas unicamente as fábricas agrícolas que produzem para o mercado mundial e os seus "investidores". Atrás dos muros alfandegários e subvencionais da União Europeia desenrola-se a tragédia furtiva de um desastre camponês. Em breve sentirão isso igualmente os produtores agrícolas dos países da Europa do centro e do leste após a sua adesão à União Europeia. A União Europeia quer p. ex. também na Polónia pagar subvenções somente às fábricas agrícolas que respeitam as normas económicas industriais do mercado mundial. Ou seja: uma grande parte da população camponesa da Polónia deve, em termos sociais, esticar o pernil, tal como anteriormente o fez uma grande parte dos produtores industriais. É absolutamente óbvio: O debate oficial sobre o fecho ou a abertura dos mercados agrícolas, resume-se a uma concorrência de lobbys entre os "global players" da indústria agrícola capitalista, na qual os produtores agrícolas devem acabar uns com os outros. Como em todos os outros âmbitos também aqui a alternativa não podem ser Regulamentos "melhorados" das instituições capitalistas (UE, OMC, Banco Mundial, etc.). Pois os bodes da lógica da valorização não são reeducáveis como jardineiros do valor de uso, muito menos no sector agrícola e alimentar.
Precisamente aqui necessita-se de um movimento social transnacional contra o agrobusiness. Isto significaria, em primeiro lugar, fazer do próprio abastecimento da população respectiva o critério decisivo, em segundo lugar, reorganizar as restantes relações transcontinentais no sector agrícola através de formas cooperativas e, em terceiro lugar, travar a desnaturação nociva em termos de saúde. Os produtores agrícolas deveriam comunicar directamente entre si, deveriam passar por baixo das instituições oficiais e tentar criar novas relações com os consumidores urbanos para lá da lógica do capital. Primeiro alvo de um tal movimento poderia ser atacar a imobilização dos recursos naturais pelo Capital Agrícola e quebrar as restrições e controles jurídico-estatais a ela relativas. Isto significaria levar a sério num sentido muito elementar o lema: "O mundo não é uma mercadoria!"