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Primeira Edição: POLITISCHE ÖKONOMIE DER MENSCHENRECHTE em www.exit-online.org. Publicado em Neues Deutschland, 10.2002.
Tradução: José Paulo Vaz
Fonte: http://obeco-online.org/robertkurz.htm
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Haverá ainda alguém que queira criticar os direitos humanos? Estar contra os direitos humanos seria como as crianças estarem contra os bombons. E, por isso, toda a gente está naturalmente a favor dos direitos humanos: George Bush e Saddam Hussein, Yasser Arafat e Ariel Sharon, Rudolf Scharping e a Amnistia Internacional. Em nome dos direitos humanos bombardeia-se por todo o mundo e ocasionalmente tortura-se um pouco; em nome dos direitos humanos, as vítimas são tratadas e consoladas. Tanto os porta-vozes como os opositores da guerra capitalista pela ordem mundial invocam os direitos humanos; no caso dos Verdes atestam-se reciprocamente integridade moral em nome da razão de partido e, por isso, do ponto de vista de qualquer moral, estão de ambos os lados.
Alguma coisa pode não estar bem com os direitos humanos. A esta conclusão chegou, há mais de 150 anos, um homem chamado Karl Marx. Ele constatou o que tem um lugar central nas declarações de direitos humanos: liberdade dos sujeitos do mercado, garantia da propriedade privada, segurança policial das transacções. Por outras palavras: "ser humano", neste sentido, não é mais do que o ser produtor de mercadorias e ganhador de dinheiro, e os "direitos" elementares da sua existência, até a "integridade da sua vida e do seu corpo", só podem ser possuídos na medida em que ele tenha alguma coisa, ou, no mínimo, ele próprio (e no caso mais extremo os seus órgãos corporais) para vender, ou seja, tenha, por seu lado, capacidade de pagamento.
Um ser humano só é titular de direitos, ou seja, titular de direitos humanos, se puder funcionar na legalidade capitalista, que foi declarada como lei natural da sociedade. O chamado Iluminismo burguês apenas entendeu como "existência humana" a existência dos sujeitos do "trabalho" abstracto nos espaços funcionais da economia empresarial e do comércio de mercadorias nos mercados (em suma: a esfera de realização da valorização do capital). É subentendido, que o "ser humano" já surge nesta forma social à saída do útero materno, porque só se pode conceber, quer física quer espiritualmente, sob a forma de um tal ser "económico".
Não está previsto o caso de o Homem como ser humano poder sair destas condições supostamente "naturais". Contudo, foi precisamente esse o caso periodicamente criado pelo capitalismo. No decurso da terceira revolução industrial isso tornou-se mesmo, irreversivelmente, um estado existencial duradouro para a maioria global. Só que esse estado não coincide com a definição iluminista de Homem. Os "supérfluos" do capitalismo, segundo essa definição, não são seres humanos, mas apenas objectos naturais, como um seixo, uma barata ou um escaravelho da batata (o marquês de Sade já tinha chegado a esta conclusão, com apurado cinismo, no século XVIII).
Daqui decorre que os modernos direitos humanos não são uma promessa, mas uma ameaça: se uma pessoa já não é economicamente utilizável e funcional também já não é, em princípio, sujeito de direito, e, se já não é sujeito de direito, não é já um ser humano. A potencial desumanização dos "supérfluos" está contida na concepção burguesa do Iluminismo, na medida em que o ser humano capitalistamente coisificado, na forma "anti-natural" de excluído, ainda é menos que uma coisa. Esta última consequência é o princípio secreto de toda a economia política e, com ela, da moderna política democrática em geral. Ele é a essência daquele "realismo" impertinente que há muito inquinou a própria esquerda política. Toda a "Realpolitik" [política do realismo] traz consigo a "marca de Caim" desta lógica implacável.
As organizações civis dos direitos humanos, como a Amnistia Internacional e outras, não são instituições de "Realpolitik", pelo contrário, são muitas vezes um espinho cravado nesse tipo de política. Com a sua defesa directa das vítimas da guerra e da perseguição, com a sua firmeza (ao contrário dos políticos tradicionais) e a sua muitas vezes demonstrada coragem contra os poderes dominantes, constituem uma importante instância de ajuda prática e, não em menor medida, de crítica e de denúncia. Mas precisamente por isso estão limitadas. Elas defendem as vítimas exclusivamente em nome do princípio que as tornou vítimas. Por isso não podem prosseguir a necessária crítica da sociedade; a sua actividade pode atacar tanto as causas sociais da violência e da perseguição como a Cruz Vermelha pôde evitar a Primeira Guerra Mundial. O título ideológico da sua ainda burguesa auto-compreensão torna extraordinariamente ambígua, não a sua actividade empírica em si mesma, mas a sua legitimação. E por isso mesmo correm o risco de até a sua existência e os seus efeitos virem a ser instrumentalizados para a justificação do terror económico global.
O reconhecimento evidente do Homem, ou seja, de todos os seres humanos, na sua existência corporal, espiritual e social, só pode ocorrer para além da definição capitalista-iluminista de ser humano. Nesta medida, a crítica emancipatória dos direitos humanos é a condição de toda a crítica no século XXI, tal como a crítica da religião foi a condição de toda a crítica no século XIX. É a crítica radical do "princípio de realidade" do capitalismo e da sua redução economicista do ser humano, e também, a partir daí, a crítica radical de toda a "Realpolitik". Nas condições da crise mundial do capitalismo, trata-se, não de uma ideia estranha ao mundo, mas, pelo contrário, de um "contra-realismo" da legítima defesa social, que a experiência prática da avassaladora repressão exercida pelo princípio autotélico económico irracional da "valorização do valor" não consegue manifestar. Tenhamos isto em conta: nem os mais belos princípios fundamentais da realidade dominante são os nossos princípios; nós temos é de nos ver livres desta realidade em lugar de nos tornarmos "realistas" do ponto de vista dos direitos humanos.