O retorno de Potemkin
Capitalismo de fachada e conflito distributivo na Alemanha

Robert Kurz


2. A Lógica do Impossível
Por que a transformação em economia de mercado não pode dar certo


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Os prognósticos equivocados, as esperanças falsas e as concepções de controle absurdas não se referem apenas à economia da reunificação alemã e nem mesmo apenas ao chamado problema da transformação das ex-sociedades de planejamento econômico. Surgem "muito bem" (no caso, "muito mal") nos debates sobre os problemas da crise de desenvolvimento e de endividamento do Terceiro Mundo, e ultimamente até mesmo nas expectativas e reflexões sobre o futuro do próprio capitalismo ocidental. A tão citada ruptura de uma época é subestimada em seu alcance real. Se tomarmos como referencia somente a ordem bipolar do pós-guerra, então, à primeira vista, os acontecimentos aparecem superficialmente como uma vitória da economia de mercado e da democracia do Ocidente. Entretanto, deveria dar o que pensar o fato de o socialismo estatal ter desmoronado pontualmente no jubileu dos duzentos anos da Revolução Francesa (1789-1989). O alcance da ruptura de épocas talvez seja muito maior do que pareça, afetando globalmente aquela "história da modernização" que inclui o próprio Ocidente.

Ao que tudo indica, o problema está em que tanto a esquerda como a direita, tanto os marxistas como os ideólogos do mercado (e naturalmente, é claro, os keynesianos e monetaristas), pensam num âmbito comum de uma mesmo sistema categorial de referencia, e todas as suas controvérsias representam apenas conflitos internos no sistema produtor de mercadorias da modernidade. "Valor" econômico e mercadoria, dinheiro e mercado, salário, preço e lucro constituem as categorias básicas desse sistema, assim como caracterizam de modo igual economias de planejamento burocrático e economias de mercado capitalistas no Ocidente. Nesse âmbito referencial comum de uma economização e capitalização abstratas do mundo, as diferentes ideologias concorrentes disputem a via correta. Conflito que se torna sem sentido quando o próprio sistema de referencias entra em crise. Até que ponto se torna possível falar disso?

No que se refere à forma social, a modernização significaria simplesmente que o dinheiro retroage, por assim dizer, tautologicamente, consigo mesmo (mais-valia, produção abstrata de lucro) e que todas as ações sócio-econômicas se relacionam direta ou indiretamente com esse dinheiro (= capital) convertido em sistema quase autônomo. Daí resultaria a lógica da economia empresarial, isto é, a utilização abstrata dos homens e da natureza nos termos da imposição da produção do lucro monetário. Pouco importa sob qual invólucro político, sob qual situação de desenvolvimento, com qual revestimento cultural e com quais estruturas ideológicas de legitimação: o mundo inteiro encontra-se atualmente recheado de tais unidades ou elementos de utilização microeconômicas. Mas para que se possa realizar o processo de utilização econômica, seus dois componentes precisam ser relacionados entre si: em primeiro lugar, a força de trabalho humana, e, em segundo, os meios imobilizados (edifícios, máquinas, instrumentos, etc.). Marx denominava a relação entre esses componentes "composição orgânica do capital". Nessa composição, ou em seu desenvolvimento histórico, residem o limite e a crise desse modo de produção moderno — isto é, ele coloca seus próprios limites mediante seu processo imanente de desenvolvimento.

Na primeira metade do século XIX a produção ainda se centrava prioritariamente na "mais-valia absoluta", isto é, a produção abstrata de lucro em termos econômicos baseava-se principalmente em baixos custos da mão-de-obra (salários de fome, no limite ou abaixo do mínimo necessário à sobrevivência) e jornadas de trabalho extremamente longas. A partir de meados do século XIX, entretanto, o processo da concorrência capitalista alterou essas relações. Em primeiro lugar, os representantes de um dos componentes vivos do capital, os assalariados, entraram em competição no mercado de trabalho com os representantes do outro componente, o dos meios, que eram os proprietários ou administradores do capital; daí resultariam aumentos salariais e diminuição do tempo de trabalho. Em segundo lugar, os representantes do capital fixo entraram numa competição entre si que se intensificou justamente com a ampliação do modo de produção econômica. O resultado foi uma "racionalização" do aproveitamento dos meios por via do aumento da mecanização e do desdobramento do processo produtivo.

A dupla competição por parte dos assalariados e das outras unidades econômicas passariam a se estimular reciprocamente, criando como necessidade um contínuo aumento de produtividade. Como os custos da mão-de-obra subiam ao sabor da situação e se havia imposto limites à ampliação do dia de trabalho, a mais-valia absoluta seria substituída pela chamada mais-valia relativa como prioridade na produção abstrata do lucro. Isso significa que no âmbito de um dia limitado de trabalho, doravante era sobretudo a parcela "relativa" do lucro econômico na produção global de "valor" abstrato que precisava aumentar em decorrência do fato de que com uma produtividade maior se produziria uma massa maior de produtos no mesmo lapso de tempo, alcançando-se maior volume de venda, maior parcela de mercado e maior lucro. Mas havia necessariamente um reverso para esse processo: com crescente produtividade e crescente mais-valia relativa, crescia também inexoravelmente a parcela relativa do capital fixo na composição orgânica do capital.

De modo geral não há discordância quanto a essa questão, ao menos quando se considera o processo histórico global. Na ciência econômica fala-se de "intensidade crescente do capital", conceito que não coincide diretamente com a concepção marxista, embora reflita a mesma situação do problema que Marx denominara "crescente composição orgânica do capital", isto é, o aumento da parcela relativa do capital fixo diante da força de trabalho humana. Marx via nesse processo a barreira interna e por muito tempo ainda insuperável do modo de produção moderno da economia de empresa conforme a maximização do lucro. Pois quando o "valor" econômico, que se "apresenta" sob a forma do dinheiro, não é nem um fato natural nem uma mera "coisa", mas uma forma de relacionamento social ("fetichista", na terminologia de Marx), então é unicamente pelo dispêndio de força de trabalho humana que se cria "valor", enquanto o agregado de capital fixo apenas "transfere valor". Em última análise, o capital, por assim dizer, sufoca por si mesmo: de um modo absoluto, sempre mais produtos representam relativamente sempre menos "valor". Ou, por outra via: para alcançar o mesmo lucro é preciso movimentar um agregado de meios cada vez mais volumoso, até que essa relação equivocada se torne grande demais, sufocando com o peso de seu próprio aparato de meios a produção de lucros pela economia, em última análise orientada para si mesma e irracional. O capital altamente produtivo libera desvairadamente uma massa imensa de produtos, eles próprios em grande parte absurdos, com os quais abarrota o planeta, mas no fim das contas essa dança infernal já não basta para produzir uma massa lucrativa ("mais-valia") satisfatória. O modo de produção baseado no "valor", isto é, no dinheiro tornado sistema, "implode" (Marx).

Como se sabe, dificilmente existe assertiva teórica que seja recusada com mais veemência do que essa, e isto vale para conservadores, liberais e esquerdistas. E justamente nisso se revela seu envolvimento comum no sistema de referencia da modernidade, isto é, da economização e capitalização abstratas do mundo. Os marxistas sempre tiveram dificuldades precisamente com relação às proposições centrais de Marx. A teoria marxista do valor não seria apreendida como teoria de uma limitação sistêmica interna do processo econômico empresarial, mas sempre exposta unicamente nos termos de uma "política distributiva", com a eterna e incrível referencia à "mais-valia" que seria "subtraída" aos trabalhadores, embora a questão nem seja essa. Na medida em que se preocupavam sobretudo com os problemas das sociedades retardatárias de uma "modernização a ser recuperada" (União Soviética, Terceiro Mundo), até os marxistas ocidentais permaneceram incapacitados para uma crítica do modo de produção baseado no "valor", cujas categorias "fetichistas" (salário, preço) pretendiam apenas "ampliar" de modo alternativo. Por isso eles estão hoje particularmente perdidos e são levados à equivocada compreensão do verdadeiro limite histórico da produção do lucro econômico justamente como "vitória final provisória do capitalismo" (Georg Fuelberth).

De fato, esse limite absoluto se mostra hoje em dia numa intensidade do capital fixo tão globalmente elevada que a capacidade de reprodução do sistema como um todo começa a se esfacelar. Esse aumento costuma ser expresso como "custo de um posto de trabalho". Numa economia de primeira classe até hoje triunfante no mercado mundial como a da República Federal da Alemanha, um posto de trabalho custa atualmente cerca de 300 mil marcos. Naturalmente a ordem de grandeza varia conforme o setor, mas pode-se admitir esse número como valor de referência. É muitas vezes mais do que o custo de um posto de trabalho há vinte ou trinta anos. E isto significa que um único trabalhador assalariado precisa movimentar meios de produção no "valor" de 300 mil marcos para que sua força de trabalho torne-se economicamente rentável. Ou, dito de outra maneira: essa quantidade massiva de meios, com essa massa morta de "valor", precisa estar presente como pressuposto antes mesmo de se permitir ao trabalhador assalariado que mova um único dedo. Por sua vez, isso significa, para uma unidade de aproveitamento econômico agindo como capital, que diminuiu enormemente a parcela relativa dos custos salariais em relação à parcela dos custos sob a forma de meios. Na indústria siderúrgica da Alemanha Ocidental essa parcela é hoje de apenas 30%, sendo ainda menor em setores mais modernos. Contudo, como, por outro lado, apenas o componente do capital que aparece do lado dos custos como salário produz um "valor" novo (e por conseguinte também o lucro), a relação equivocada entra em sua fase decisiva, tal como previra Marx. Do ponto de vista social, isso significa que a força de trabalho é relativamente desvalorizada e a capacidade de reprodução social do sistema desmorona. Ou, em outras palavras: o crescimento (a acumulação do "valor" econômico abstrato) já não é suficientemente grande para que a maioria dos homens possa almejar rendimentos monetários suficientes para a reprodução de sua vida. Embora todos os meios físicos da produção existam em quantidade mais do que suficiente, os homens devem empobrecer, tornar-se miseráveis e possivelmente morrer de fome, porque não se pode atender suficientemente ao fetichismo do dinheiro.

De fato, é evidente que a teoria do empobrecimento, tão desprezada nas décadas passadas, nunca foi tão atual. Claro está que no presente estágio de desenvolvimento ela deveria ser fundamentada de outro modo, pois o processo de empobrecimento no mundo de hoje não se efetiva mais no trabalho ou pela via do trabalho abstrato do sistema de produção de mercadorias, mas justamente o contrário, pelo fato de que o aproveitamento rentável da força de trabalho humana começa por desaparecer com base na elevada intensidade de capital fixo. Tanto liberais como esquerdistas fecham os olhos para essa relação, atribuindo ao capital uma capacidade de acumulação em si eterna, independente do processo global de empobrecimento (que assim precisa ser explicado por fatores externos). Essa conclusão resulta de um pensamento não-relacional, ou seja, da lamentável ausência justamente do tão falado "pensamento em sistemas complexos" (cibernético) com múltiplos efeitos de retroação etc.

O mais primitivo desses equívocos consiste na boa e velha ilusão iluminista do "livre-arbítrio", segundo a qual a chamada exploração ocorreria em última instancia como dependente de intencionalidade subjetiva (ou então dos meios exteriores de poder ou coerção correspondentes). Por essa via se esquece que o livre-arbítrio de sujeitos-mercadorias não se aplica à própria forma-mercadoria, nem portanto, às suas leis estruturais ou de desenvolvimento. O patronato só pode aproveitar a força de trabalho sob as condições geradas no processo histórico do próprio capital. Igualmente ingênua e popular não só entre autonomistas e velhos radicais é a confusão entre capital individual e capital global, entre reprodução no âmbito microeconômico e no âmbito da sociedade (incluindo o setor estatal), âmbito da economia nacional e no âmbito da economia mundial. Por exemplo, a apresentação de grandes lucros pela Siemens em maio de 1992 não significa que na Alemanha tudo vai bem com o capital. Quando os capitais individuais da Alemanha Ocidental abocanham a nata vendendo suas mercadorias para a Alemanha do leste, graças às gigantescas somas ali transferidas ao consumo pelo Estado alemão, isso não implica a ausência do desfecho negativo para a produção global da economia nacional. E, embora o Japão e a Alemanha ainda apareçam como economias triunfantes no mercado mundial, ainda assim já pode ter começado o fim do modo de produção capitalista.

A percepção disso talvez seja turvada pelo fato de que o processo de implosão por enquanto perpassa o mercado mundial como estrutura do tipo vencedor-perdedor. Mas, como a acumulação do "valor" atinge seus limites absolutos como um todo, ou seja, em âmbito mundial, de modo que a acumulação de capitais individuais já não se baseia na expansão do capital em geral, resultando tão-só do sucesso relativo na disputa de uma massa de valor declinante em nível global, também o aparente sucesso dos vencedores relativos se apóia em pés de barro. Nessas condições, a cada rodada da batalha da concorrência a capacidade de acumulação do capital mundial torna-se mais restrita, a ponto de o próprio capital dos até agora vencedores sufocar por fim, devido ao próprio sucesso. A Alemanha Federal aceleraria esse "progresso em direção ao colapso" justamente por meio da gloriosa reunificação com a economia perdedora da Alemanha Oriental.

A natureza do processo em curso é malentendida sobretudo porque as economias falidas do Leste não são apreendidas no mesmo âmbito da lógica econômica, mas como sistemas alheios externos, cujo insucesso nada teria a ver com os limites internos do capital. Ao contrário, no verão de 1990 o economista de esquerda Kurt Hübner ainda fantasiava acerca de uma esperada "acumulação primitiva nas condições econômicas dos anos 90" na Alemanha e na Europa do Leste. Segundo a lógica simplória dessa afirmação, ali onde aparentemente o capital até agora não existia, mas doravante "pode" existir, haveria uma nova "acumulação primitiva". Mas, para que os conceitos não percam o seu sentido, a acumulação primitiva deveria denotar a separação dos produtores imediatos dos meios de produção e a transformação das economias agrárias de subsistência em economias abstratas. Processo que j´[a havia ocorrido tanto na RDA como em todos os outros países do Leste. Estes sempre se identificaram com o Ocidente no plano dos princípios da lógica econômica. Identidade agora revelada e demonstrada na prática, na medida em que o problema da crise e da derrocada não se altera um mínimo sequer com o abandono das formas de regulação burocrático-estatais, permanecendo tal e qual. O problema já não reside na questão de como converter camponeses e artesãos tradicionais em assalariados modernos, mas no inverso: no fato de que os trabalhadores assalariados já não podem ser utilizados de modo rentável no potencial produtivo existente.

Retomemos uma vez mais à questão da intensidade do capital fixo e dos "custos" de um posto de trabalho rentável. Vistas de perto, tanto as sociedades de socialismo de Estado do Leste como os países do Terceiro Mundo assemelham-se muito à produção da mais-valia absoluta" da economia inicial do capitalismo. Por toda parte o quadro se assinala por longas jornadas de trabalho e salários baixos contrastando com os do Ocidente. Por outro lado, porém, isso significa ao mesmo tempo que o equipamento com o capital fixo é proporcionalmente bem menor, isto é, que a "composição orgânica do capital" é baixa. Para a maior parte das sociedades do Leste e do Sul, esta é uma constatação imediata.

É bem verdade que para a RDA, o pais mais desenvolvido do antigo bloco oriental, os dados são à primeira vista contraditórios. Claus Noe, do Conselho Estatal de Economia de Hamburgo, fez na primavera de 1991 a seguinte comparação com a Alemanha Ocidental: "O estoque individual de capital dos trabalhadores é estimado na ex-RDA em 150 mil marcos e, na antiga República federal, em 350 mil marcos" (Die Zeit, 19.4.91). A relação corresponde ao que se pode esperar segundo a argumentação desenvolvida até aqui. Um ano antes, a jornalista de economia Marietta Kurm constatara uma relação aparentemente contrária: "Um especialista deveria [...] chegar à conclusão de que os trabalhadores na RDA são muito menos providos de capital, ou seja, máquinas, instrumentos de trabalho, instalações e reservas. O que torna ainda mais espantoso o resultado das estatísticas. O provimento médio de capital por empregado nos empreendimentos produtivos da RDA em 1983 era de 158 mil marcos" (Handelsblatt, suplemento de março de 1990). Mas talvez seja possível decifrar o enigma. Em primeiro lugar, ao contrário de Noe, Kurm não inclui o equipamento em infra-estrutura, chegando assim a números muito pequenos para a República federal. Em segundo lugar, o que é mais importante, Kurm é enganada pelos truques dos balanços do socialismo real. Sabe-se que em todo o bloco oriental as mesmas máquinas abandonadas, antiquadas e inúteis continuavam a ser novamente registradas nos balanços das empresas.

Fazendo-se balanços reais e sob a pressão da concorrência aberta, o estoque de capital fictício se vê rapidamente reduzido. E, com uma abertura para o mercado mundial forçada em plena crise, e mais adiante mediante uma comparação direta do estoque de capital por meios de um ato como o da reunificação alemã, o "valor" dessa verdadeira sucata industrial pode despencar repentinamente para zero (ou até tornar-se negativo), ou seja: efetivamente, qualquer intensidade de capital deixaria até de existir. O limite absoluto para o aproveitamento econômico situa-se portanto na forma de custos exorbitantes do capital(eventualmente como ausência de rentabilidade de capital). Para um número cada vez maior de empreendimentos, setores e economias nacionais como um todo, os custos prévios de uma produção rentável já não se poderiam gerar nos termos produtivos existentes. O mesmo valerá também para os custos resultantes sociais ou ecológicos.

Digamos que seja de 300 mil marcos os custos de um posto de trabalho rentável: isto significa que seriam necessários investimentos em capital fixo da ordem de 300 bilhões de marcos para a criação de 1 milhão de empregos. Isto perfaria 3 trilhões de marcos para a RDA, ou 30 trilhões de marcos para os 100 milhões de postos de trabalho da Europa oriental, outros 45 trilhões de marcos para os 150 milhões de postos de trabalho da Comunidade de Estados Independentes (ex-União Soviética) e mais de 150 trilhões de marcos para os 500 milhões de postos de trabalho chineses. Já basta? E isso tudo considerando-se estoques de capital desvalorizados, antiquados, valendo muito menos do que o esperado, como se constatou na Alemanha Oriental. Em novembro de 1991, mesmo os otimistas doentios do Ifo Institut de Munique apareceriam com um estudo em que os custos anuais de investimento para a "reforma do sistema produtivo" na Comunidade de estados Independentes eram orçados em 235 bilhões de dólares e para a Europa oriental em mais de 100 bilhões de dólares. Anuais, é claro.

Depois desse excepcional passeio pela realidade, os cavalheiros retornariam ao barulho: segundo as opiniões do referido instituto, a maior parte dessa soma horrenda deveria ser "financiável internamente" (!) nos próprios países. Infelizmente, isso não seria possível nem mesmo se, nas economias em desagregação, algumas centenas de milhões de pessoas deixassem de comer e beber durante dez anos. E naturalmente seria isso o que iria ocorrer, se as pessoas o permitissem. No fundo, essa também é a lógica do famoso professor de economia Wolfram Engels, que pretende prescrever salários do Leste para preços do Ocidente aos cinco novos Estados alemães. E, mesmo que isso desse certo, que aconteceria? Com sacrifícios bárbaros, em dez ou vinte anos esses países estariam na situação em que a (ex-) Alemanha Ocidental se encontra hoje. E, portanto, seriam futuramente tão pouco aptos à produção rentável e à concorrência como o são hoje, porque nesse ínterim, obviamente, a intensificação do capital teria continuado a sua escalada.

Esse problema fundamental dos custos prévios exorbitantes do capital fixo no plano do desenvolvimento histórico alcançado é fatal para todas as críticas à argumentação precedente, assim como para todas as propostas mais ou menos bem-intencionadas de domar a crise de desagregação em curso no interior do sistema de produção de mercadorias. Assim, pouco adianta afirmar que também nações industriais de segunda ou terceira classe continuam a produzir mercadorias para o mercado mundial e que de maneira nenhuma todas as mercadorias desse mercado mundial deveriam ser produzidas de acordo com a tecnologia de última geração. Evidentemente, no caso da crise de desagregação não se trata de algo que já ocorreu até o último ato, mas de um processo ainda em curso. A argumentação se refere a uma transformação de todo o sistema de referencia, a uma nova qualidade nas tendências fundamentais. Mostrar que em amplos territórios ainda se constatam empiricamente os fenômenos antigos não constitui argumento contrário.

Trata-se, mais uma vez, de uma documentação do pensamento não-relacional, que não se baseia no conjunto dos fenômenos que se contradizem entre si, pesando-se, conforme o seu potencial de desenvolvimento, mas que se mantém conservadoramente preso ao sistema de referencia antigo e já em dissolução, utilizando como contra-argumentos, de modo arbitrário, achados empíricos isolados. Até meados do século XX se poderia, com o mesmo direito, questionar a própria existência do capitalismo, na medida em que mesmo nos países mais desenvolvidos do ocidente ainda havia extensos setores de reprodução campesinos ou artesanais (sobretudo na produção de alimentos) que ainda não tinham sido subjugados pela lógica econômica capitalista.

O mesmo se aplica ao novo e amplo parâmetro do capital mundial. Certamente ainda existem muitos empreendimentos, regiões e países em que predomina até hoje a produção de "mais-valia absoluta", cujas mercadorias, ainda assim, são vendidas no mercado mundial. Em ciclos secundários, até mesmo as economias em liquidação continuam presentes, em escala extremamente reduzida, no mercado mundial. Até o trabalho escravo atua no mercado mundial, e não apenas a África e na América Latina. A Republica Popular da China, por exemplo, além de produzir para o mercado mundial em zonas espaciais de produção, produz também com milhões de escravos do Estado em campos de trabalho que são simultaneamente empreendimentos produtivos fabricando mercadorias baratas para a exportação (brinquedos, por exemplo). Mas isso em nada altera o fato de que, sob as condições da nova revolução tecnológica (microeletrônica, computação, etc) e da conseqüente globalização do processo produtivo (só agora o capital se torna diretamente capital mundial), a produção com base na "mais-valia absoluta" consegue impor-se cada vez menos. Com cada novo ciclo produtivo, empreendimentos, setores, regiões e países inteiros que competem basicamente munidos de mão-de-obra barata e longas jornadas de trabalho sucumbem à pressão da intensidade superior do capital. Assim, os diferentes níveis de produtividade são gradualmente aplainados no mercado mundial e compulsoriamente comparados ao capital mais intensivo, isto é, mais cedo ou mais tarde a maioria dos casos a é interrompida em função de sua rentabilidade deficiente. Esse processo é idêntico ao processo de liquidação. Porém o contra-argumento é totalmente insustentável no caso da Alemanha Oriental. Pois se a igualização compulsória no nível mundial de intensidade do capital se impõe de um modo indireto e atenuado no mercado mundial (por exemplo, por meio de barreiras alfandegárias, estruturas internas específicas, etc), e portanto com certo atraso, na reunificação alemã o estoque de capital da ex-RDA se confrontaria diretamente e sem atenuantes com o nível de produtividade do capital da Alemanha Ocidental, desvalorizando-se abruptamente. A referencia ao chamado "capital cultural" não é melhor. A Alemanha Oriental e o Leste europeu contariam com maiores chances para assumir o capitalismo do que a África ou a América Latina, porque suas populações teriam uma formação nos moldes do capitalismo industrial, e nesses países se teria acumulado o conhecimento cultural e tecnológico do mundo moderno. Apesar de seus cálculos equivocados quanto ao estoque de capital da Alemanha Oriental, a defensora da economia de mercado Marietta Kurm conhece a resposta correta a essa questão: "Embora a produtividade do trabalho dependa também do empenho e da formação das pessoas, o fator essencial é o equipamento capitalista" (Handelsblatt, op. cit.). Com efeito, os conhecimentos incorporados ao "capital humano" só podem ser utilizados para processos economicamente rentáveis quando sua aplicação se acompanha do uso correspondente de meios de produção. Portanto, o problema dos custos prévios de capital para o aparato de meios de produção não é minorado de maneira sensível pelo chamado "capital humano". Se não existe a disponibilidade de meios altamente produtivos, então, do ponto de vista da economia de mercado, tudo se passa como se engenheiros e cientistas fossem todos analfabetos. Nesse caso, a "força de trabalho técnica altamente qualificada" pode dar-se por contente se as irmãs indianas da Ordem de santa Teresa lhes serve uma sopa de caridade. Isso no caso de não se tratar de técnicos em armamento, que podem ser empregados pelo grande promotor de assassinatos Sadam Hussein ou figuras parecidas.

Uma argumentação marcante e igualmente ilusória seria apresentada por Mancur Olson no congresso anual dos economistas dos EUA em 1991: "Olson chegou à conclusão de que nem o equipamento com fatores de produção nem o acesso à tecnologia constituem fatores determinantes. A diferença de bem-estar entre Norte e Sul, Ocidente e Oriente pode ser explicada pela diferente conformação das instituições. Os países afluentes foram bem-sucedidos porque dispunham de outros pressupostos jurídicos ou organizacionais para a formação da sociedade e a transposição da política econômica" (Neue Zürcher Zeitung, 11.1.91). Essa argumentação passa tão ingênua e claramente ao largo do problema da globalização do capital intensivo que lembra de modo suspeito as limitações no que concerne à ordem política dos liberais-da-ordem alemães, cuja teoria, como a de Olson, é hoje ridicularizada de maneira cruel em toda a Europa do Leste.

Nessa diretriz de ilusionismo teórico enquadram-se infelizmente também a maioria das propostas práticas de peritos que procuram se desviar, de modo assustadoramente primitivo, do problema do capital fixo e de seus custos exorbitantes. Assim, por exemplo, o casal de economistas Sinn, de Munique, também é de opinião de que o insucesso econômico atual da reunificação alemã deve ser atribuído unicamente a "erros político-institucionais". Teria sido equivocado, sobretudo, insistir na "devolução objetiva da propriedade (restituição natural) aos antigos proprietários" (Gerlinde e Hans-Werner Sinn, Kaltstart, Tübingen, 1992, p. 17). Em vez disso, sugere-se o que sempre é lembrado pela consciência fetichista da burguesia quando não sabe o que fazer: um novo contrato social — como se desde Rousseau isso não fosse uma construção ideológica, como se contratos de proprietários de mercadorias também pudessem ser válidos para as leis da própria produção de mercadorias.

Quão simples tudo poderia ser! "O cerne do pacto reside no deslocamento do problema da distribuição dos preços dos fatores para os equipamentos iniciais: entre os parceiros é acertado um acordo de contenção de salários, e em compensação os trabalhadores tornam-se co-proprietários da antiga propriedade do povo" (Sinn, op.cit., p. VIII). A proposta genial pretende aquilo que também economistas amadores dos verdes, social-democratas e democratas-cristãos haviam reivindicado sob a forma de um "salário-investimento". Trata-se de uma idéia já amarelecida da doutrina social da Igreja católica, com o bem-intencionado objetivo da "formação da propriedade na mão do trabalhador". Evidentemente, em face da situação do problema real, tal proposta é pura zombaria. Pois obviamente essas migalhas atribuídas aos trabalhadores não poderiam solucionar a questão dos custos do capital. Tal formação ficcional de propriedade seria tão pouco séria como a chamada "privatização por cupons" na Tchecoslováquia e em parte da Polônia e da Rússia, onde títulos baratos de participação na propriedade de empresas não-rentáveis são colocados à disposição da população. Dirigido pelas ingênuas ilusões neoliberais do presidente Havel e do ministro das finanças Klaus, o que o governo da Tchecoslováquia colocou em funcionamento foi sobretudo uma arriscada privatização em massa de empreendimentos estatais não-rentáveis, em que cupons no valor de dois marcos podiam ser adquiridos por qualquer pessoa nos correios (!), que por sua vez davam direito à aquisição de "bônus de valor" para ações ao preço de cerca de um salário semanal. Entrementes, grande parte desses bônus é administrada por fundos duvidosos, que prometem garantias de ganho e quem implodiriam tão logo uma simples parcela dos pequenos investidores reivindique seu dinheiro. Seja como for, "essa brincadeira de capitalismo popular só pode terminar em farsa", como ironizava um banqueiro de investimentos do Ocidente. No fundo, pretende-se que os assalariados se deixem comprimir ao nível do salário de fome exigido pelo professor Wolfram Engels para, em compensação, serem indenizados com a boa consciência de que são co-proprietários de empresas na verdade falidas. A safadeza dessa farsa de propriedade ultrapassa até mesmo a do malogrado socialismo real, em que também todos eram formalmente "proprietários dos meios de produção" por via do Estado.

Pode-se virar e desvirar a coisa do jeito que se quiser: a limitação objetiva da acumulação de capital, que se apresenta no próprio agregado de capital fixo e surge como fator indomável de custos, não pode ser evitada por truque nenhum. É o que deverão sentir também os economistas de esquerda que rezam pela economia de mercado e atualmente preocupados com as "chances de um bem-sucedido processo de transformação" (Memorandum 92, p.13), enquanto são alunos modelo do fetiche da rentabilidade na aparente transição do Leste para o way of life do Ocidente e que, tendo em mente apenas essa referencia acrítica, advogam "uma crítica perspectiva" que conduza a "propostas concretas" (Jan Priewe/Rudolf Hickel, Der Preis der Einheit, Frankfurt, 1991, p. 9). Mas não haverá transformação alguma na economia de mercado. O que se requer é uma transformação do conceito de transformação, isto é, uma crítica que supere a modernidade produtora de mercadorias como um todo. Trata-se, pois, de uma mão ruim no jogo para os peritos da economia nacional.


Inclusão: 30/10/2020