Notas preliminares sobre a Questão Negra

CLR James

Junho de 1939


Primeira Edição: Socialist Workers Party’s(1) Internal Bulletin, No. 9, Junho 1939, pp. 1–9. Republicado em Scott McLeme (ed), CLR James on the “Negro Question”, Jackson (Miss.), 1996, pp. 3-14

Tradução: Jorge Fonseca de Almeida da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/james-clr/works/1939/06/preliminary.html

HTML: Fernando Araújo.

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I

Os 14 ou 15 milhões de Negros dos EUA representam potencialmente a camada mais militante da população. A exploração econômica e as formas mais cruéis de discriminação racial tornam essa radicalização inevitável. Disso existem também provas históricas, primeiro no papel desempenhado pelos Negros na Guerra Civil e depois na adesão ao movimento de Marcus Garvey. Superficialmente, o Negro aceita, mas essa aceitação não vai muito fundo. É essencialmente dissimulação e um sentimento de impotência, a velha armadura protetora do escravo. Diz-se que o PC na campanha de recrutamento de Negros no Sul obteve uma adesão tão forte que teve de suspender a campanha. A razão invocada foi que, devido ao grande número de Negros que aderiram e à escassez de brancos, o resultado seria em breve uma batalha racial interna entre os operários do Sul e os trabalhadores rurais.

II

O Negro reage não só às questões nacionais, mas também às questões internacionais. Durante a crise etíope, milhares de Negros estavam prontos a partir para a Etiópia como combatentes e enfermeiros. Depois dos problemas nas Índias Ocidentais, os jamaicanos de Nova Iorque formaram a Associação Progressista da Jamaica. Redigiram um memorando exigindo uma constituição democrática para as Índias Ocidentais, enviaram um delegado para reunir com a Comissão Real, para visitar o Panamá e Colón(2) e para organizar a adesão à associação.

III

Por último sei que um novo espírito está a crescer entre o povo Negro, no Harlem, e por todo o lado. Quem conheceu o Harlem há 15 anos atrás e o visita hoje percebe que a mudança é incrível. A imprensa Negra, pobre como é, está num estádio tremendamente mais avançado do que há cinco anos. O The Pittsburgh Courier,(3) que tem uma tiragem semanal de 100.000 exemplares, apesar de ser um jornal burguês, ataca ferozmente a Administração Roosevelt por não ser capaz de resolver a Questão dos Negros. Especialmente a geração mais nova luta pela igualdade e por não ser discriminada só por ser Negra. Em resumo:

  1. Os Negros representam a camada potencialmente mais revolucionária da população;
  2. Estão prontos a seguir uma liderança militante;
  3. Reagem a causas internacionais que lhe digam respeito;
  4. Estão hoje mais ativos e militantes do que nunca.

IV

O movimento da Quarta Internacional tem ignorado o Questão dos Negros quase por completo. Ainda que os membros do Partido se recusassem a fazer trabalho político entre as massas Negras, a Questão dos Negros como parte essencial da revolução americana não poderia ser ignorada. Os Negros ajudaram materialmente a vencer a Guerra Civil e podem fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso em qualquer situação revolucionária. Um departamento dos assuntos Negros deve ser constituído (mesmo se tiver de ser constituído inteiramente por brancos) para tratar de uma forma abrangente da Questão dos Negros tal como o Departamento Sindical trata da Questão Sindical. Se o Partido achar que esta questão é suficientemente importante então esse Departamento será constituído. Os membros do Partido e os seus simpatizantes devem ser esclarecidos sobre o significado da Questão dos Negros. Esta não é a questão de não haver Negros no Partido. Não tem nada a ver com isso. Este trabalho pode começar imediatamente. Contudo, a questão principal de organizar, ou ajudar a organizar as massas Negras apresenta enormes dificuldades para um partido como o PSO. As principais razões para essa dificuldade são, é claro, a discriminação de que sofrem os Negros nas indústrias tanto por parte dos capitalistas como por parte dos operários, o chauvinismo dos operários brancos, e o atraso político do movimento americano. Cada uma destas razões principais repousa na estrutura económica e social do país.

Mas esta situação, já de si difícil, tem sido agravada pelo papel funério do Partido Comunista, especialmente nos últimos anos. Foi dito, e existem todas as razões para o acreditar, que as probabilidades de aproximação entre brancos e Negros na base de uma plataforma operária são hoje piores do que eram há dez anos. No último ano, só no Estado de Nova Iorque, o Partido Comunista perdeu 1.579 ou seja 79% dos seus militantes Negros. De então para cá deu-se a cisão da Aliança Operária(4) e, como sempre, o que acontece em Nova Iorque é sintomático do que acontece ao PC a nível nacional. Nem sempre foi assim. Pelo que sei há alguns anos no Harlem, o Negro que estivesse a par da política poderia não militar no PC mas diria que de todos os partidos brancos o PC era o único que lutava pela igualdade dos Negros e que tentava ser fiel aos seus princípios. A principal razão para esta mudança é, claro está, a viragem do PC para a política de Frente Popular. O PC não conseguirá os aliados que pretende se continuar a luta difícil pelos direitos dos Negros. O PC é hoje um partido americano, e os apoiantes pequeno-burgueses que estão a aderir ao partido não têm nada em comum com os Negros que, sentindo não pertencer, simplesmente abandonam o partido. Conheço pessoalmente casos de amargura de ex-membros do PC em relação ao partido, amargura que infelizmente também se estende a todos os partidos brancos.

Note-se, contudo, que o maior agravo é político – a posição do PC relativamente à questão da Etiópia. Em primeiro lugar o facto de a Rússia ter vendido petróleo à Itália causou nos Negros uma impressão desastrosa. Mas apesar disso muitos Negros permaneceram no PC. Mas o que parece ter sido um fator decisivo foi atividade relativa à Espanha e à China e a falta de atividade em relação à Etiópia.

«Todos os dias só Espanha, Espanha, China, Espanha, mas nada pela Etiópia com exceção de duas magras manifestações no Harlem»

Tenho a impressão que o PC poderia ter-se safado da venda soviética de petróleo à Itália se tivesse levado a cabo uma vigorosa campanha, com recolha de fundos, etc., em favor da causa etíope. O contraste com a Espanha tem sido flagrante, e quando o PC negligenciou inteiramente a situação nas Índias Ocidentais, os Negros ganharam finalmente a consciência de que tinham sido mais uma vez os joguetes de “outro partido branco”.

A questão da Etiópia e a questão das Índias Ocidentais são ainda questões em aberto para os Negros politicamente conscientes. Julgarão qualquer partido no campo da política internacional sobre as suas posições nestes temas.(5)

Artigos, folhetos e até pequenas sessões no Harlem não estão, com um pequeno esforço, para lá das forças do Partido neste momento. Um camarada do partido conseguiu familiarizar-se o suficiente com o problema das Índias Ocidentais, para escrever artigos para o NI e para conseguir fazer contactos importantes. O mesmo poderia ser feito aqui mais perto de casa.

Atualmente a França é crucial na situação internacional. Como despertar o interesse dos afro-americanos para a questão francesa, obviamente de tamanha importância para eles? Obviamente através da luta pela independência das colónias francesas e particularmente através das organizações Negras que em África e na Europa lutam por este objetivo. (o Partido francês e também o Partido belga e o Partido Britânico tem responsabilidades nesta área). Em França existem organizações revolucionárias africanas que estão em contacto com organizações similares no Reino Unido. A Quarta Internacional deve de forma determinada apoiar a constituição e o fortalecimento dos seus contactos com esta luta, o Partido Americano tem o seu papel nesta luta educando e organizando o movimento Negro na América.

Mas a questão mais difícil ainda não foi abordada. Quais os objetivos do Partido no seu trabalho junto dos Negros? Há certas coisas que qualquer partido revolucionário fará:

  1. Lutar pelo acesso e pelos direitos dos Negros no movimento sindical;
  2. Tentar recrutar o máximo de Negros;
  3. Levar a cabo uma luta sem quartel contra o chauvinismo Branco.

Sobre a alínea c) devemos dizer algumas palavras. O PC foi acusado de incentivar o chauvinismo Negro. Houve exageros e absurdos e até crimes contra o socialismo, como o de usar mulheres brancas para recrutar Negros, mas a atitude do PC de se empenhar fortemente para que os Negros sentissem que o PC os considerava como homens e iguais não deve ser desprezada. O objetivo principal estava correto. O Negro educado na América ou em África é extremamente sensível a todos os tipos de chauvinismo. Lenine sabia disso e na sua tese apresentada ao Segundo Congresso sobre A Questão Colonial, alertou para a necessidade de fazer concessões para ultrapassar estas suspeitas justificadas da parte dos trabalhadores coloniais. Nunca se pode fazer qualquer concessão de princípios. Mas sensibilidades contra o “chauvinismo Negro” não nos levam a lado nenhum e fazem-nos bastante mal. Deve notar-se que esta atitude de suspeição não é só contra os brancos. Os africanos, e até certo ponto os Negros americanos, são muitas vezes hostis em relação aos Negros caribenhos educados que, devido à sua educação britânica e à relativa ausência de uma discriminação racial radical nas Índias Ocidentais, são acusados, justificadamente, de ter uma atitude “superior” e “branca”. As organizações em que predominam os caribenhos têm, em Londres, dificuldade em recrutar membros africanos, e na América em recrutar membros afro-americanos.

O Partido deve basear-se nas necessidades quotidianas dos Negros. Deve procurar ser uma organização de massas ou será inútil e pernicioso. Os perigos de uma tal organização são óbvios. Mas o reconhecimento desses perigos não resolve duas questões:

  1. As grandes massas dos Negros não estão organizadas e nenhum partido branco as vai organizar. Elas não vão aderir à Quarta Internacional. Valerá então a pena apoiar a formação de uma organização que junte os Negros, e, que embora reformista na essência, acabara, pela própria natureza dos seus membros, por se tornar uma organização militante? Os Negros colocaram o seu dinheiro no cofre de Garvey, e atualmente no do Father Divine,(6) trabalharam arduamente mas foram roubados Haverá uma saída para os Negros se organizarem para a luta para além de aderirem à Quarta Internacional?
  2. Embora eu possa estar enganado, penso que tal organização será formada façamos nós o que fizermos.

A questão da organização dos Negros merece uma atenção especial. Tanto quanto posso perceber nenhum líder branco, nem nenhuma organização branca vai construir uma organização entre os Negros quer em África quer na América. Recentemente, em 1935, os Negros mostraram a sua capacidade para a luta política de massas sob a direção de um dos seus líderes. Sufi,(7) um Negro do Sul, disfarçado de oriental, organizou um partido, fez piquetes em frentes das lojas, e ajudou a obrigar os patrões a alocar um terço dos empregos a Negros. Ele foi um líder nos levantamentos do Harlem que conseguiram obter escolas, mais professores de cor, mais parques recreativos, etc.. Sufi era um extorsionista demagogo e envolveu-se no antissemitismo que, segundo me informei, não faz parte da sua religião. Mas ele estava pronto a lutar por coisas que os Negros precisavam e obteve uma grande adesão. Contudo à questão pertinente a fazer: Porque é que os Negros inteligentes com consciência politica nunca tentaram dirigir os Negros e deixaram sempre esse papel para homens como Garvey e Sufi?

Este, é para mim, um dos temas mais importante em que o Partido tem de tomar uma decisão. Está intimamente ligada à questão da autodeterminação dos Negros Americanos. A autodeterminação dos Negros Americanos é: 1) economicamente reacionária; 2) politicamente falsa, porque nenhum Negro (exceto os fanáticos do PC) a quer. Para os Negros ela é simplesmente uma segregação invertida. Contudo, não deve ser afastada de ânimo leve sem ter uma alternativa para aquilo que serve: a criação de confiança entre os Negros americanos de que o socialismo revolucionário está a altura de manter e cumprir as suas promessas. Como muitas vezes acontece com os Marxistas, os fatores psicológicos subsidiários são muitas vezes pouco tidos em conta no planeamento de campanhas politicas.

Os Negros devem ser ganhos para o socialismo. Não tem outra alternativa na América nem em lado nenhum. Mas devem ser convencidos com base na sua própria experiência e por sua iniciativa. Não tem outra forma de aprender, e isto é também verdade para qualquer outro grupo de trabalhadores. Se querem a autodeterminação, então por mais reacionária que seja esta reivindicação de outros pontos de vista, então é a obrigação do partido revolucionário adotar esse slogan. Se depois da revolução, insistirem em levar à prática esse slogan e formar o seu próprio Estado Negro, o partido revolucionário deve manter as sua promessas e (tal como foi o tratamento dado aos camponeses) esperar que pacientemente que o desenvolvimento económico e a educação levem à integração. Mas os Negros, felizmente para o Socialismo, não querem a autodeterminação.

Contudo os Negros, individualmente e em massa, manter-se-ão profundamente desconfiados dos brancos. Em privado e em público perguntam: “Como saberemos se depois da revolução não seremos tratados da mesma maneira?” Muitos que não o verbalizam pensam-no. Os negros do PC são vistos como angariadores de convertidos exatamente da mesma forma que o Partido Democrático e o Partido Republicano têm angariadores de votos Negros.

Qual é a solução? Eu proponho que existe uma solução óbvia – a organização de um Movimento Negro. Que as massas Negras certamente querem – a que responderão positivamente e a que têm direito. Seguirão tal Movimento se dirigido hábil e honestamente. Seguiram movimentos similares no passado e procuram atualmente um tal movimento.

O grande argumento em favor de um tal movimento é que será capaz de pôr as massas Negras em movimento, a única forma pela qual aprenderão as verdade da atividade politica e a compreensão da necessidade de luta mortal contra o capitalismo. Os que se opõem a este procedimento devem apresentar sugestões concretas para atingir este importante objetivo: trazer as massas Negras para a luta.

Que objetivos concretos deve ter tal organização? O que não deve é procurar duplicar as organizações brancas para que não resulte em sindicalismo dual, etc.. Uma das suas principais tarefas deverá ser a de reivindicar e lutar pelo direito dos Negros a uma participação plena em todas as indústrias e em todos os sindicatos. Qualquer organização Negra que lute militantemente por estes objetivos já justificaria a sua existência.

Há muitos temas importantes: a luta pelo direito de voto dos Negros, contra a discriminação social e legal, contra a discriminação no ensino (e nas universidades), contra as rendas opressivas. A luta contra estas coisas e a tarefa de levar os operários brancos a assumir a realização concreta das suas responsabilidades nestas questões pode ser conseguida combinando um punhado de brancos esclarecidos e um poderoso movimento Negro. Esperar que os brancos levem a cabo uma luta continua sobre estas questões dos Negros é uma expectativa absurda. Porque no fundo essa posição significa que o Negros não poderiam lutar contra estas coisas a não ser que formassem organizações predominantemente brancas – o que é estupido e absurdo.

Os próprios Negros teriam a satisfação de suportar o seu próprio movimento. A dominação constante dos brancos, quer nos movimentos burgueses quer no movimento operário, irrita cada vez mais os Negros. É por isso que centenas de milhar seguiram Garvey e também por isso que não aderem ao PC. A atitude do Partido para com um tal movimento deverá ser de apoio franco, sincero e firme. O proletariado branco terá de demonstrar concretamente a sua valia aos Negros não apenas uma vez, mas repetidamente, antes de ganhar a sua confiança.

O apoio do Partido a um tal movimento deve ser franco, sincero e firme. Mas isso não é tão fácil como parece. O que o Partido deve evitar a todo o custo é transformar tal movimento em campo de recrutamento de novos membros, em algo “capturado” para os fins do Partido, ou algo que apoia esporadicamente quando precisa de algo em troca. O partido deve franca e abertamente endossar um tal movimento, apelar aos Negros para que a ele adiram, apoiar de todas as formas o movimento, ao mesmo tempo chamando a atenção para as diferenças políticas e mostrando que a revolução socialista é o caminho, trabalhando lado a lado para influenciar este movimento pela combinação da critica e do trabalho. É desta forma, na base de uma luta comum, com o partido a ajudar e nunca a tentar manipular o movimento, que se ganha a confiança do Movimento Negro no socialismo revolucionário sem necessidade do slogan impraticável da autodeterminação.

Quais são os perigos de um tal movimento? Os principais são: a) o perigo de que possa ser manipulado por elementos reacionários ligados, por exemplo, ao Partido Democrático ou ao Partido Comunista, b) o perigo de incentivar o chauvinismo racial. Uma feliz combinação de circunstância reduziu estes perigos a proporções geríveis.

Existe atualmente um número suficientemente grande de Negros capazes e com vontade de dirigir um tal movimento que, ao mesmo tempo que estão abertos a cooperar com partidos brancos não têm nenhum chauvinismo racial.

E se todos os Negros deverão ser admitido e combatida a discriminação contra qualquer Negro como Negro, todos os com quem discuti esta questão foram unanimes que tal movimento deve ser um movimento de massas assente nas reivindicações dos operários e dos camponeses Negros. Muito dependerá da liderança. Contudo não vejo razões para dúvidas nesta matéria. Essa liderança existe e precisa apenas de ser mobilizada. O direito dos Negros a trabalhar na indústria e a aderir aos sindicatos deve ser um dos pontos da plataforma e um dos campos mais importantes de atividade. A liderança nesta área, tal como a vejo, será militantemente oposta à linha politica do PC e da sua prática organizativa.

Mas esta posição é insuficiente como base política. Mais cedo ou mais tarde a organização terá de decidir a sua posição face ao capitalismo. Será uma organização reformista ou revolucionária? Não começará por ser uma organização revolucionária acabada. Lenine disse, logo a seguir à guerra, aos pioneiros do comunismo na Grã-Bretanha que seria um erro desfraldar a bandeira vermelha logo no início. As bases da organização devem ser forjadas na luta quotidiana dos Negros. Mas a economia americana já está colocar às organizações a questão, que cada vez será mais premente, da escolha entre o fascismo e comunismo. Também aqui a liderança inicial terá um papel decisivo. E esta será uma questão que será em última análise decidida pela luta no interior da organização.

Muitos fatores, contudo, são favoráveis a que a vitória tenda para os que defendem o socialismo revolucionário, quando as massas Negras estiverem prontas. Em primeiro lugar a questão das lutas revolucionárias de libertação em África contra o imperialismo. A maioria dos Negros politicamente conscientes concorda com elas. Em segundo lugar o Comité Africano Internacional,(8) uma organização britânica, emitiu um Manifesto durante a crise de Munique(9) que apelava a uma ação conjunta dos trabalhadores britânicos no Reino Unido e dos trabalhadores das colonias do Império para derrubar o Imperialismo. O Manifesto foi muito bem acolhido pelos Negros americanos politicamente mais avançados na América e o Comité e o seu jornal, o Opinião Africana Internacional(10), têm já uma poderosa influência, não só por causa da sua política mas também porque é dirigido por Negros.

A base da atividade regular do movimento deve ser a luta militante pelas reivindicações quotidianas; mas atualmente, qualquer ação nesta base empurrará o movimento contra o Estado capitalista e contra os bandos fascistas e neofascistas. Logo que esta organização tenha uma base firme, será provavelmente convocada uma conferência internacional por várias organizações militantes Negras e de acordo com a minha experiência pessoal e o meu conhecimento dos seus dirigentes, há probabilidades de que o Socialismo seja adotado. Estas são as possibilidades presentes. E é uma sorte que sejam tão favoráveis. Mas devemos insistir que o apoio a um movimento de Massas dos negros não deve ser condicionado a sua natureza socialista. É o acordar e a entrada na vida política de larga massa de Negros que deve ser a preocupação principal, e para este fim o Partido deve dar o seu apoio, franco, sincero e firme. O resto depende do desenvolvimento da situação internacional, da luta dos partidos revolucionários, i.e. do crescimento do PSO, e das pessoas que constituem a liderança.

Relativamente ao perigo do chauvinismo racial tenho pouco a dizer; ele é para o tipo de movimento proposto uma questão menor. Nenhum movimento que proclame o direito dos Negros de entrar nos sindicatos pode ser profundamente penetrado pelo chauvinismo. Os Negros que se espera liderem este movimento veem o perigo do chauvinismo tão claramente quanto os brancos. Na América, em que os Negros estão em clara minoria, o medo do chauvinismo Negro por parte dos revolucionários brancos parece-me não apenas desnecessário mas perigoso. Em termos concretos, o chauvinismo Negro é uma força progressista, é uma expressão do desejo de igualdade de um povo profundamente humilhado e oprimido. A persistente recusa da “autodeterminação” é a prova dos limites do chauvinismo Negro na América. Uma excessiva sensibilidade ao chauvinismo Negro entre os revolucionários brancos é a forma mais rápida e segura de criar hostilidade e suspeição nos Negros.

Em resumo esta parece-me que devia ser a atitude do partido face a tal organização. Devia apoiar ativamente a formação de tal movimento. Em todo o caso, tenho poucas dúvidas que um tal movimento será formado mais cedo ou mais tarde. Mas o partido também tem as suas responsabilidades face à Questão Negra. Apresento de seguidas algumas observações, baseadas no meu limitado conhecimento da situação americana e nas conversas que tive com Negros Socialistas ou simpatizantes.

  1. Referi atrás que o Partido deveria criar uma secção inteiramente dedicada à Questão dos Negros. Este é um trabalho urgente quer se avance para a organização de um movimento Negro ou não. De momento a nossa grande arma é o Marxismo que nos permite iluminar todos os graves problemas sociais e políticos atuais. A primeira tarefa do Partido é de levar a cabo o que nenhuma outra organização, Negra ou branca, consegue fazer a não ser que se baseie no Marxismo, isto é estudar a Questão dos Negros à luz da situação nacional e internacional.
  2. O Comité Negro deve embarcar num incessante estudo da Questão dos Negros e fazer diligências para que sejam regularmente publicados artigos sobre o tema no Apelo Socialista(11) e no Nova Internacional.(12) O Apelo deveria ter uma coluna semanal dedicada à Questão Negra. Não será difícil obter informação se for mantido um contacto regular com Negros. Não apenas relatos dos linchamentos, da discriminação em indústrias específicas, etc., mas também a apresentação e a análise de várias estatísticas económico-sociais publicadas sobre os Negros, a luta colonial em África, etc.. Este deve agora ser uma parte permanente e proeminente do trabalho do Partido, para os membros do Partido e para os seus contactos.

Particularmente urgente é um artigo, ou série de artigos, na Nova Internacional expondo do interior os métodos do Partido Comunista da Améria com os Negros. A linha política e a atividade de Ford, Richard Moore e Companhia, seriam denunciadas e a sua degenerescência ligada ao declínio do Comintern.(13) Deve-se mostrar aos Negros qual tem sido a política do PC para com os Negros ao longo dos tempos e a razão das mudanças ocorridas. A “promoção” e “despromoção” dos Negros deve ser explicada à luz da degeneração burocrática da Revolução Russa. Um conjunto de artigos e um panfleto relacionando a relação politica e organizativa do PC relativamente aos Negros com os ziguezagues do Comintern teria um valor inestimável. Isto devia ser feito como primeira tarefa.

  1. As numerosas organizações de Negros no Harlem e noutros locais devem ser contactadas. Estes contactos devem ser feito com cuidado, porque a política do PC de “penetração” e de “captura por dentro” e de se preocupar em primeiro lugar em colocar a organização na sua esfera de influência e não com a luta tem tido consequências amargas e a atitude em relação a qualquer branco será muito provavelmente do tipo “O que é que vens aqui buscar?”. Que o partido se encoraje a formação de um movimento de massas Negro não significa de modo nenhum que cesse a atividade de recrutamento entre os Negros. O que deve ser evitado é transmitir a impressão de que só está interessado na atividade dos Negros apenas para ter mais membros ou aumentar a sua influência. Isso seria um grave crime não só contra os Negros como contra o movimento socialismo. Mas apesar disso o Partido deve procurar aberta e francamente recrutar novos membros. Contudo nesse particular alguns riscos devem ser evitados.

O NAACP, a Liga Urbana, e outras organizações Negras, os fóruns semanais, levam a cabo alguma atividade. A simples condenação desta atividade como burguesa é má e inútil. Atualmente, na maioria dos locais, o atrativo do Partido é maior entre os Negros interessados pelo seu melhor entendimento e análise da Questão dos Negros e da situação internacional. Mas estes Negros quando recrutados não devem ser retirados do seu meio e mergulhados na luta contra o estalinismo, etc.. Uma das suas principais tarefas é permanecer entre os Negros nas suas zonas e nas suas organizações levando aí a cabo uma luta pelas ideias do partido de uma forma cuidadosamente adaptada aos pontos de vista da sua audiência. De uma forma geral entre os brancos à uma distinção: os revolucionários gravitam em torno de organizações revolucionárias e os pequenos burgueses democratas pertencem às várias organizações pequeno-burguesas. Entre os Negros, especialmente no campo, isto não é assim. Todos os tipos, revolucionários natos e conservadores, se encontram no fórum local Negro, no YMCA, etc. mesmo que estas reuniões comecem geralmente com uma oração. Há aí um vasto campo de ação para recrutamento de membros para o Partido se a imprensa e a propaganda do Partido lhes der armas que possam usar.

Mas ao mesmo tempo o Partido deve estar consciente que o trabalho junto dos Negros deve ser feito necessariamente por Negros. A abertura do longo caminho para a igualdade socialista deve começar de imediato. Alguns camaradas brancos podem tornar-se especialistas na Questão dos Negros. O método é fácil de definir e difícil de realizar. Significa uma leitura regular da imprensa Negra, a literatura Negra, presença regular nos encontros dos Negros, etc.. Os argumentos a favor do socialismo devem ser lançados contra os últimos pronunciamentos de Kelly Miller,(14) Mordecai Johnson,(15) George, Schulyer, contra os representantes locais dos Partidos Republicano e Democrata e não contra Estaline, Daladiuer, e Chiang Kai-Sheck. E tentar fazer propaganda entre os Negros noutra base que não seja o ataque, debate ou denuncia relacionados com a imprensa ou os escritores lidos pelos Negros é falar-lhes numa língua desconhecida. Isto é particularmente importante em áreas onde o Partido é pequeno. (De momento excluo organizações de desempregados Negros, etc. que seriam melhor enquadradas pelo Departamento Sindical). Uma atenção especial por parte de um ou dois camaradas brancos à discussão, literatura, etc. dos vários grupos de Negros daria certamente frutos dada a superioridade das ideias que temos. E sendo que o grosso deste trabalho, mesmo nos locais em que o Partido tem camaradas Negros, os camaradas brancos devem fazer o que lhes compete e ganharão um grande prestígio para o Partido ao mostrarem-se conhecedores da vida e do pensamento dos Negros. Devemos trabalhar pacientemente no meio particularmente restrito em que mesmo até os grupos de Negros educados são condenados pela sua posição na sociedade americana.

O Comité deve contactar as secções francesa, belga, britânica e sul-africana para obter informação regular do respectivo trabalho, e uma boa fornada de jornais britânicos e sul-africanos, especialmente os que abordam a questão colonial e divulga-los, traduzindo os franceses, entre as organizações Negras e os grupos e pessoas interessadas. Devem fazer-se todos os esforços para divulgar amplamente a Centelha(16) entre os nossos contactos Negros. O Comité Africano Internacional e o seu órgão o Opinião Africana Internacional devem ser popularizados entre brancos e Negros. Os Negros muito apreciarão e acolherão tal iniciativa. Um dos meios mais importantes de atrair os contactos Negros para o nosso Partido é a forma da IV Internacional organizar o trabalho sobre a questão colonial, apresentando-o de maneira constate e consistentemente aos Negros da América. Significa também, e isto é atualmente imensamente importante, que as organizações Negras em todo o mundo estão inclinadas para o, ou estão em processo de aproximação ao, internacionalismo e acabarão por perceber que hoje a única organização internacional genuína é a IV Internacional.


Notas de rodapé:

(1) Nota do Tradutor para português: Socialist Workers Party (SWP), partido norte-americano de tendência trotskista, fundado em finais de 1937. C.L.R. James pertenceu a este partido. A sua fação, a tendência Johnson-Forrest, Johnson era um pseudónimo de CLR James, saiu do SWP mas regressou em 1947. James permaneceu no SWP até ser expulso dos EUA em 1953. (retornar ao texto)

(2) Nota do tradutor para português - Colón é uma cidade costeira no Panamá, fundada pelos norte-americanos, como terminal ferroviário. Os americanos batizaram-na de Aspinwall enquanto os panamianos a chamaram de Colón em honra a Cristóvão Colombo. (retornar ao texto)

(3) Nota do tradutor para português: Este jornal publicou-se de 1907 até 1966 na cidade de Pittsburgh no Estado da Pensilvânia mas tinha uma ampla difusão geográfica, chegando a 48 Estados. O jornal foi fundado por Edwin Nathaniel Harleston, que publicava o jornal depois de longas horas de trabalho como segurança numa das fábricas da Heinz. Mais tarde sob a liderança de Vann o jornal cresceu. WEB Du Bois foi um colunista regular durante vários anos. (retornar ao texto)

(4) Nota do tradutor para português: A Aliança Operária (Workers Alliance of América, foi uma instituição de solidariedade, inicialmente constituída por membros do Partido Socialista e do Partido Comunista americanos e que gradualmente se integrou no movimento operário dirigido pelo PC. Declinou a partir de 1939 e extinguiu-se em 1941. (retornar ao texto)

(5) A neglicência da IV Internacional (incluindo a secção britânica) em relação à Questão Etíope é um grave erro estratégico. Os etíopes estão no terreno a lutar e continuarão a fazê-los durante anos. Se houver qualquer quebra em Itália durante a guerra, estes combatentes varrerão as forças italianas isoladas para fora do país. A Revolução africana tem hoje um ponto de começo em África. É óbvio o efeito que uma vitória esmagadora do exército etíope terá sobre nas tropas Negras francesas da Europa Ocidental e sobre os Africanos. (retornar ao texto)

(6) Nota do tradutor para português: Father Divine (1876-1965) ou Padre Divino, foi um líder religioso, inicialmente os seus fieis eram predominantemente Negros mas a sua organização a International Peace Mission Movement, tornou-se muito abrangente em termos raciais. Reclamava ser Deus. A organização continua ativa embora o seu ponto alto tenha sido nos anos 30 do século XX. (retornar ao texto)

(7) Nota do tradutor para português: Trata-se de Sufi Abdul Hamid (1903-1938), nascido no Sul com o nome de Eugene Brown. Mudou-se para Chicago onde foi budista e depois para Nova Iorque onde se converteu ao islamismo. As suas campanhas de pressão sobre os patões ajudaram a reduzir o desemprego entre a comunidade Negra, mas foram também uma forma de enriquecimento pessoal de Sufi que recebia algum dinheiro por cada emprego que arranjava. O seu antissemitismo valeu-lhe a alcunha de “Hitler Negro”. Morreu num desastre de aviação. (retornar ao texto)

(8) Nota do tradutor para português: o Comité Africano Internacional (International African Service Bureau) foi uma organização pan-africana criada em Londres em 1937 por George Padmore, CLR James e outros. (retornar ao texto)

(9) Nota do Tradutor para português: a Crise de Munique, ou a Traição de Munique são designações do Acordo de Munique, foi um tratado assinado celebrado a 30 de Setembro de 1938 entre a Alemanha nazi e o Reino Unido, a França e a Itália e que permitiu à Alemanha primeiro anexar os sudetas, um território pertencente à Checoslováquia e depois todos os território que hoje constituem a República Checa. O acordo foi assinado em Setembro de 1938. (retornar ao texto)

(10) Nota do tradutor para português: Nome do jornal do Comité Africano Internacional. (retornar ao texto)

(11) Nota do tradutor para português: Apelo Socialista (Socialist Appeal), jornal norte-americano desde sempre ligado a tendências trotskistas primeiro como órgão do Partido Operário (Workers Party) mais tarde como órgão da tendência trotskista no interior do Partido Socialista e finalmente a partir de 1938 integrou-se no Partido Socialista Operário (SWP). Desapareceu em 1941 quando foi rebatizado como The Militant. É na qualidade de órgão central do SWP que James o refere aqui. (retornar ao texto)

(12) Nota do tradutor para português: A Nova Internacional (New International) foi a revista do Partido Socialista Operário (SWP) que se publicou entre 1934 e 1940. (retornar ao texto)

(13) Nota do tradutor para português: Comintern ou Komintern abreviatura de Internacional Comunista ou III Internacional foi fundada após a Revolução de Outubro por Lenine em Março de 1919 e manteve-se ativa até 1943 já em plena II Grande Guerra. O seu primeiro líder foi Gregory Zinoviev um bolchevista. Em seu lugar foi criado o Kominfor ou Informação Comunista ligando alguns Partidos Comunistas. Esta segunda organização foi dissolvida em 1956 na sequência das alterações introduzidas com a morte de Estaline em 1953 e do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética realizado em fevereiro de 1956. (retornar ao texto)

(14) Nota do tradutor para português: Kelly Miller (1863-1939), matemático, sociólogo e colunista Negro norte-americano. Reitor da Universidade de Howard. Um dos fundadores da Academia dos Negros Americanos (American Negro Academy). Era a favor dos mercados livres como forma de emancipação dos Negros, acreditando que nos mercados o que importa são os produtos e não a cor de quem os produz. Muito influente no seu tempo. (retornar ao texto)

(15) Nota do tradutor para português: Mordecai Wyatt Johnson (1891-1976), líder Negro norte-americano. Foi o primeiro Presidente da Universidade de Howard lugar que ocupou de 1926 a 1960. Os seus pais foram pessoas escravizadas libertadas pelo fim da Guerra Civil. (retornar ao texto)

(16) Nota do tradutor para português: The Spark. Um jornal com o mesmo nome, Iskra em russo, foi publicado pelos bolchevistas russos e serviu de base à divulgação de ideias e à organização da classe operária nesse país. (retornar ao texto)

Inclusão: 02/08/2021