Karl Marx sobre a religião

Yemelyan Yaroslavsky

1941


Título original: Карл Маркс о Религии

Fonte: Yemelyan Yaroslavsky: Sobre a Religião (1933-1941), páginas 228-253 — Dados de Política Governamental, Moscou, 1958.

Tradução e Adaptação: Thales Caramante.

HTML: Fernando Araújo.


O ateísmo é inseparável do comunismo

O criador da teoria mais revolucionária de todos os tempos, Karl Marx, em suas obras imortais, submeteu todos os fundamentos da sociedade burguesa a uma crítica profunda e destrutiva. Nessa árdua e heroica empreitada, ele não poderia ignorar um fenômeno tão influente quanto a religião. O marxismo, ao libertar o proletariado e romper as correntes do passado que restringiam o desenvolvimento da humanidade, precisou, desde seus primeiros momentos, desferir golpes contundentes contra a ideologia mais reacionária: a religiosa.

Marx, assim como Engels, passou por um rigoroso processo de autocrítica e rapidamente se libertou dos resquícios da visão de mundo idealista e religiosa que marcaram sua juventude. O materialismo, para ser consistente, exigia uma crítica sistemática à religião, uma luta persistente contra os preconceitos religiosos e o desenvolvimento de uma concepção de mundo rigorosamente materialista.

Em seu renomado artigo As Três Fontes e os Três Componentes do Marxismo, Lênin enfatizou que o materialismo, inevitavelmente, entraria em confronto com a ideologia religiosa, uma vez que os defensores do idealismo filosófico sempre recorreram à religião para sustentar suas concepções. Lênin escreveu:

“A filosofia do marxismo é o materialismo. Ao longo de toda a história moderna da Europa, e especialmente em fins do século 18, em França, onde se travou a batalha decisiva contra todas as velharias medievais, contra o feudalismo nas instituições e nas ideias, o materialismo mostrou ser a única filosofia consequente, fiel a todos os ensinamentos das ciências naturais, hostil à superstição, à beatice etc. Por isso, os inimigos da democracia tentavam com todas as suas forças ‘refutar’, desacreditar e caluniar o materialismo e defendiam as diversas formas do idealismo filosófico, que se reduz sempre, de um modo ou de outro, à defesa ou ao apoio da religião.”

Desde uma de suas primeiras obras, sua dissertação de doutorado, intitulada A Diferença entre a Filosofia Natural de Demócrito e a Filosofia Natural de Epicuro, Marx já não escondia sua posição ateísta. Ele escreveu:

“A filosofia, enquanto ainda houver uma gota de sangue pulsando em seu coração conquistador do mundo e absolutamente livre, sempre declarará — junto com Epicuro — aos seus opositores: ‘Não é aquele que rejeita os deuses da multidão que é ímpio, mas aquele que se submete à opinião da multidão sobre os deuses’.”

A filosofia não se esquivava dessa verdade. A confissão de Prometeu ilustra essa postura:

“Na verdade, odeio todos os deuses,
pois eles não reconhecem a autoconsciência humana como a divindade mais elevada.
Não deve haver nenhuma outra divindade além dela.”

E, em resposta aos que, como almas de lebres, celebravam o aparente declínio da posição da filosofia na sociedade, ela reafirmava as palavras de Prometeu ao servo dos deuses, Hermes:

“Saiba bem que eu não trocaria
minhas tristezas por um serviço servil:
seria melhor para mim estar acorrentado a uma rocha
do que ser um servo fiel de Zeus.”

Na mesma obra, Marx critica a visão de mundo religiosa e explica por que considera Epicuro o maior educador grego. Epicuro foi o primeiro a se opor à cosmovisão religiosa:

“Nem os rumores dos deuses, nem os relâmpagos, nem o rugido ameaçador
do céu puderam assustá-lo...
Assim, por sua vez, hoje nossa religião é pisoteada sob nossos
calcanhares, mas a vitória nos eleva ao céu.”

A visão de mundo comunista de Marx e Engels desenvolveu-se simultaneamente com suas críticas à religião. Marx enfatizou repetidamente que “a crítica da religião é o pré-requisito para todas as outras críticas”.

Dessa forma, Marx não apenas não separou o comunismo do ateísmo, como, em certos momentos, os tratou quase como sinônimos. Ele escreveu, nas obras preparatórias para A Sagrada Família:

“Mas o ateísmo, o comunismo, não representa, de forma alguma, uma fuga, uma abstração ou uma perda do mundo objetivo criado pelo homem, tampouco significa um retorno a uma simplicidade de miséria não natural e subdesenvolvida. Pelo contrário, representa o desenvolvimento real, a concretização da essência humana, sua realização como algo objetivo e tangível.”

Ao longo da história, a luta pelo comunismo demonstrou que ele não pode ser dissociado da luta contra a religião. Por essa razão, o lema dos ateus militantes de nossa época — “a luta contra a religião é a luta pelo socialismo” — é uma continuação direta do pensamento marxista sobre o ateísmo.

Marx reconhecia que as forças reacionárias que combatiam o comunismo frequentemente incluíam instituições religiosas. Em O Manifesto do Partido Comunista, ele proclamou:

“Um espectro assombra a Europa — o espectro do comunismo. Todas as forças da velha Europa uniram-se para a perseguição sagrada desse fantasma: o Papa e o Czar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e a polícia alemã.”

Marx fazia referência a um evento concreto: em 1846, o Papa emitiu uma encíclica especial contra o comunismo. Desde então, o chefe da Igreja Católica repetidamente conclamou seus fiéis à luta contra o comunismo. Noventa anos depois, em 1937, o Vaticano publicou uma nova encíclica anticomunista, intitulada diretamente “Contra o Comunismo Ateu”.

No entanto, desde que as inflamadas palavras do Manifesto do Partido Comunista foram lançadas às massas, o comunismo deixou de ser um mero espectro. Ele ganhou corpo, tornou-se parte da vida cotidiana e está sendo construído vitoriosamente em um sexto do globo, derrotando as forças do velho mundo em uma batalha feroz.

Muitas das instituições que Marx e Engels denunciaram no Manifesto do Partido Comunista, em 1848, já não existem mais. Elas foram destruídas pela Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 e seguem sendo desmanteladas pelas forças revolucionárias proletárias ao redor do mundo. A monarquia czarista, outrora bastião da reação internacional e cão de guarda do imperialismo europeu, foi aniquilada. Em seu lugar, ergueu-se o primeiro Estado socialista do mundo, que se desenvolve vitoriosamente.

Contudo, a perseguição ao comunismo persiste. Hoje, todas as forças do velho mundo continuam unidas na tentativa de esmagá-lo, e a religião segue desempenhando um papel central nessa ofensiva. O Papa, em aliança com os clérigos do mundo inteiro, com os reis, magnatas da terra e do capital, banqueiros e toda a burguesia imperialista, organiza novas “cruzadas” contra o comunismo. Ele mobiliza seus seguidores, propaga calúnias contra a União Soviética e a Internacional Comunista e conclama todos os inimigos do comunismo a se unirem nessa batalha.

No entanto, o avanço da revolução e o declínio da consciência religiosa demonstram que o mundo mudou profundamente. No Manifesto do Partido Comunista, dirigindo-se aos proletários de todas as nações, Marx escreveu:

“Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários de Todos os Países, Uni-vos!”

Por décadas, o Manifesto do Partido Comunista serviu como base para a organização e o desenvolvimento do movimento operário revolucionário em todo o mundo. Sob sua bandeira, a Primeira Internacional, fundada por Marx e Engels, liderou grandes lutas de classes. A Comuna de Paris, precursora da revolução proletária, representou um primeiro experimento do novo Estado. A fundação do Partido Bolchevique-Leninista, as três revoluções na Rússia e, por fim, a vitória do proletariado em 1917, consolidaram o caminho para a organização da Internacional Comunista.

Esse poderoso movimento histórico, liderado pela classe mais revolucionária — o proletariado —, avança sob a bandeira do comunismo, do socialismo científico de Marx e Engels. Seus ensinamentos foram elevados a um novo patamar por Lênin e Stálin, desenvolvidos de acordo com as novas condições históricas, e transformados na doutrina do comunismo vitorioso e, em parte, já consolidado.

Milhões de trabalhadores, unidos sob a bandeira do comunismo, e dezenas de milhões de camponeses que se juntam ao movimento proletário estão, a cada dia, mais convencidos de que “a religião é o ópio do povo” (Marx). Por essa razão, o movimento comunista contemporâneo é acompanhado por um amplo movimento antirreligioso. Esse movimento não se dirige apenas contra os padres, considerados uma classe parasitária, mas também contra a igreja, vista como uma estrutura de dominação alinhada ao Estado explorador.

É precisamente esse caráter combativo que provoca a fúria dos inimigos de classe e justifica os esforços dos servos da burguesia, os social-democratas, para transformar o movimento ateísta das massas em um livre-pensamento inofensivo, que coexistiria pacificamente com o apoio direto às instituições religiosas. Os próprios social-democratas, sob a falsa alegação de serem marxistas, aprovaram diversas leis durante sua participação em governos burgueses, transferindo grandes somas de dinheiro e concedendo privilégios à igreja. Basta lembrar a concordata firmada pelos social-democratas alemães com o Papa quando estavam no poder, assim como os subsídios milionários concedidos ao clero na Alemanha em meio a um período de desemprego em massa. Esse é o “marxismo” e o “ateísmo” dos social-democratas: generosas doações para a igreja, enquanto reduzem benefícios dos trabalhadores desempregados, pressionam os salários para baixo e protegem os lucros dos capitalistas.

Quando Marx e Engels lançaram as bases do socialismo científico, o movimento ateísta ainda era incipiente, restrito a poucos indivíduos. No entanto, em nossa época, observa-se um afastamento em massa da religião e uma ruptura generalizada com a igreja. Um livro alemão publicado em 1930 pelo clérigo Algermissen apresenta dados surpreendentes sobre esse fenômeno, embora as estatísticas oficiais, naturalmente subestimadas, ofereçam apenas uma visão aproximada da realidade. Entre 1919 e 1927, 303.931 pessoas abandonaram oficialmente a Igreja Católica na Alemanha, enquanto 1.589.083 deixaram a Igreja Evangélica. Na Tchecoslováquia, em 1929, 8% da população havia rompido com a igreja. Em Viena, nos nove anos (1919-1927) em que os chamados “socialistas cristãos” estiveram no poder, 140.043 pessoas se desligaram da igreja. Um dado particularmente relevante é que, antes da guerra, apenas 23% dos que se afastavam da igreja se declaravam ateus, enquanto, após a guerra, esse percentual saltou para 90%.

Atualmente, não há país onde não exista um movimento ateísta de massas, o que representa, entre outros fatores, uma significativa perda de renda para amplos setores que há séculos se especializa em explorar as massas. Movimentos e uniões de ateus tornaram-se um fenômeno social relevante em diversos países durante o período entre a primeira e a segunda guerra imperialistas.

Não por acaso, em maio de 1932, diante da crise econômica mundial, o Papa Pio XI publicou a mensagem “Sobre a oração e o arrependimento diante do Sagrado Coração de Jesus nas provações vividas pela raça humana”, na qual expressou seu desespero com a expansão do ateísmo. O Papa declarou:

“Estamos agora testemunhando algo sem precedentes na história: as bandeiras satânicas de guerra contra Deus e a religião tremulam livremente em todas as nações e em todas as partes do mundo.”

Ele rememorou uma suposta “idade de ouro”, em que apenas indivíduos isolados negavam a existência de Deus e, ainda assim, não ousavam pregar o ateísmo publicamente. “Agora, pelo contrário, o ateísmo já penetrou profundamente nas grandes massas populares”, — escreveu o Papa, destacando que milhões de pessoas, lutando pela sobrevivência, rejeitam Deus e a religião.

Independentemente da força atual das organizações religiosas e dos esforços do velho mundo para conter o avanço do proletariado rumo ao socialismo e à concretização do programa do Manifesto do Partido Comunista, essas forças são confrontadas pelo gigantesco movimento da revolução proletária. A crise geral do imperialismo acelerou o colapso inevitável da sociedade capitalista, e a Grande Revolução Socialista na URSS impulsionou ainda mais a revolução proletária mundial. Nesse contexto, as ideias ateístas e antirreligiosas de Marx e Engels desempenham um papel crucial na preparação das forças revolucionárias globais.

Marx sobre a essência da religião

Marx e Engels, os grandes mestres da humanidade trabalhadora, ofereceram uma explicação estritamente materialista sobre a origem e a essência da religião. Eles desmistificaram a religião, retirando seus véus misteriosos e místicos, assim como revelaram a verdadeira natureza das relações de produção, que haviam sido obscurecidas pela ciência burguesa.

Mas como Marx explica a origem e a essência da religião?

Em sua obra inicial Uma Contribuição para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843), Marx define o surgimento da religião da seguinte forma:

“O homem cria a religião, mas a religião não cria o homem. Ou seja, a religião é a autoconsciência e a autopercepção de um indivíduo que ainda não encontrou a si mesmo ou que se perdeu novamente. No entanto, o homem não é um ser abstrato isolado do mundo. Ele está inserido em um contexto social, em um Estado, em uma sociedade. Essa estrutura social gera a religião, que nada mais é do que uma visão de mundo distorcida, pois ela própria reflete um mundo distorcido. A religião é a teoria geral desse mundo, sua enciclopédia popular, sua point d’honneur espiritualista acessível, seu entusiasmo, sua sanção moral, sua conclusão solene, sua justificativa moral, sua base universal de consolo e legitimação. Ela transforma a essência humana em uma realidade fantasiosa porque essa essência, no contexto social existente, não possui uma realidade verdadeira. Assim, a luta contra a religião é, indiretamente, uma luta contra o mundo que encontra nela seu deleite espiritual.”

A miséria religiosa é, ao mesmo tempo, uma manifestação da miséria real e uma forma de protesto contra ela. A religião representa o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem compaixão e o espírito de uma ordem sem alma. Por isso, Marx conclui: “A religião é o ópio do povo.”

A abolição da religião, que fornece ao povo uma felicidade ilusória, é uma condição para alcançar sua verdadeira felicidade. Exigir que as pessoas abandonem suas ilusões sobre sua posição na sociedade significa, na verdade, exigir que abandonem uma condição social que necessita dessas ilusões para se sustentar. Dessa forma, a crítica à religião é, em essência, o primeiro passo para a crítica desse vale de lágrimas no qual a religião funciona como um halo sagrado.

Assim, a religião é um reflexo idealizado da ordem social na consciência do homem, estabelecendo, portanto, uma conexão intrínseca entre a estrutura social e as crenças religiosas. Em 1842, Marx contestou uma afirmação publicada na Gazeta de Colônia (edição nº 179), que atribuía a queda dos antigos Estados ao declínio das religiões antigas. Em resposta, Marx argumentou:

“Não foi a morte das religiões antigas que levou à ruína dos Estados antigos, mas, ao contrário, foi a decadência dos Estados antigos que levou ao colapso das religiões antigas.”

Em A Sagrada Família, Marx submeteu Bruno Bauer a uma crítica devastadora por suas concepções idealistas sobre a religião, que sustentavam que, caso uma organização religiosa fosse privada de seus privilégios, ela deixaria de existir. Como contraponto, Marx citou o exemplo dos Estados Unidos, onde não há religião oficial privilegiada, mas onde, ainda assim, “a religião se desenvolve em toda a sua universalidade prática”.

Além disso, Marx sempre se opôs à visão simplista de que a religião seria apenas um produto da manipulação sacerdotal. Embora tenha surgido nos estágios iniciais da sociedade humana, a religião, dentro de uma sociedade de classes, torna-se um instrumento de luta de classes. Marx, Engels e Lênin enfatizaram repetidamente que, na sociedade capitalista moderna, as raízes da religião estão profundamente enraizadas nas relações de classe vigentes. Nas mãos da classe dominante, a religião se transforma em uma ferramenta de dominação, utilizada para subjugar as massas, iludi-las e mantê-las sob controle.

Explicar a origem da religião como resultado exclusivo das atividades dos sacerdotes é tão equivocado quanto interpretar a origem de um determinado sistema social como consequência da incompreensão e da irracionalidade das pessoas.

No prefácio de sua obra Uma Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx ridiculariza esse tipo de explicação simplista sobre a origem da religião. Ao analisar as diferentes formas de consciência social, ele enfatiza a necessidade de “distinguir a revolução material nas condições econômicas de produção, que pode ser verificada com precisão científica, das formas legais, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas — em suma, das formas ideológicas por meio das quais as pessoas tomam consciência desse conflito e travam sua luta até a sua conclusão. Assim como não se pode julgar um indivíduo com base apenas no que ele pensa de si mesmo, também não se pode julgar uma era revolucionária a partir de sua própria consciência”.

Essa observação é de extrema importância para qualquer historiador dos movimentos sociais e, especialmente, para o historiador da religião, considerando que as formas ideológicas tendem a ser extremamente persistentes, muitas vezes sobrevivendo às relações de produção que as originaram.

Com diversos exemplos, Marx demonstra como diferentes formas de consciência religiosa correspondem a distintos sistemas sociais. É com essa abordagem que ele explica o surgimento do cristianismo. No prefácio da primeira edição do primeiro volume de O Capital, ele escreveu:

“Para uma sociedade de produtores de mercadorias, cuja relação social de produção característica consiste no fato de que os produtos do trabalho assumem a forma de mercadorias, ou seja, de valores, e de que as atividades privadas individuais se relacionam entre si nessa forma material como trabalho humano abstrato — para tal sociedade, a religião mais adequada é o cristianismo, com seu culto ao homem abstrato, especialmente em suas variantes burguesas, como o protestantismo e o deísmo.”

Marx previu as objeções dos historiadores, que alegavam ser extremamente difícil deduzir formas religiosas diretamente a partir das relações de produção. No entanto, ele argumentou que qualquer outra tentativa de construir uma história científica da religião inevitavelmente levaria a conclusões anticientíficas. Para Marx, “a tecnologia revela a relação ativa do homem com a natureza, o processo direto da produção de sua vida e, ao mesmo tempo, as suas condições sociais e as ideias espirituais que delas emergem”. Assim, qualquer história da religião que ignore essa base material é acrítica. Ele enfatiza que, embora seja mais simples identificar a origem material de ideias religiosas vagas por meio da análise, o método verdadeiramente científico e materialista consiste em deduzir as formas religiosas a partir das relações concretas da vida social.

Apesar da importância desse método, até hoje não existe uma história da religião inteiramente desenvolvida nos moldes propostos por Marx, embora algumas tentativas tenham sido feitas por comunistas. As obras de Ivan Skvortsov-Stepanov, por exemplo, representam um esforço inconsistente. Na literatura da Europa Ocidental, autores pseudomarxistas, como Kautsky e Kunow, dominaram a abordagem sobre a história da religião, mas suas interpretações distorceram o marxismo e, em alguns casos, até embelezaram a religião. Kautsky, em particular, criou a imagem fictícia de um “Jesus Cristo comunista” — tais tentativas nada mais são do que uma idealização hostil ao marxismo e de forma alguma compatível com ele.

O partido leninista sempre se opôs firmemente a essa idealização da religião, combatendo as tentativas dos chamados “buscadores de Deus” e “construtores de Deus” na Rússia pós-revolução. Da mesma forma, rejeitou as concepções idealistas sobre a religião presentes nos escritos de Anatoly Lunacharsky, entre as duas revoluções. A luta contra o idealismo menchevique, que tentou monopolizar a interpretação dos ensinamentos filosóficos de Marx, e contra os mecanicistas, foi uma continuação da batalha travada por Marx e Engels contra todas as teorias idealistas da religião, que inevitavelmente levavam ao clericalismo em suas diversas formas.

Se a religião surge como um reflexo distorcido da realidade na consciência das pessoas, e se, como disse Marx, “a religião é apenas um sol ilusório que gira em torno do homem até que ele comece a girar ao redor de si mesmo”, então a crítica à religião se torna fundamental para desmontar o mundo que sustenta essa ilusão: “A crítica do céu transforma-se assim na crítica da terra, a crítica da religião na crítica do direito, a crítica da teologia na crítica da política.”

Portanto, a crítica à religião e a luta contra os preconceitos religiosos são elementos essenciais da luta pelo socialismo. Dessa necessidade decorre a importância de uma propaganda antirreligiosa sistemática. A propaganda antirreligiosa e a luta bolchevique contra os dogmas religiosos visam acelerar a superação definitiva da religião e a derrota do clericalismo reacionário.

Como Marx estabeleceu o desaparecimento da religião

A religião surge como resultado das relações sociais entre os indivíduos, das relações de produção e das divisões de classe. A maneira como o ser humano se relaciona com a natureza e as ideias ideológicas que emergem desse contato, incluindo as crenças religiosas, são necessariamente filtradas pelo prisma dessas relações sociais. Dessa forma, para que a religião seja superada entre as massas, torna-se indispensável uma revolução social. Em O Capital, Marx explica:

“O reflexo religioso do mundo real só desaparecerá completamente quando as relações da vida prática cotidiana forem expressas de maneira clara e racional, tanto entre os indivíduos quanto em relação à natureza. A estrutura do processo da vida social, ou seja, o processo material de produção da existência, só se libertará de seu véu místico e nebuloso quando se tornar o produto de uma união social livre entre os indivíduos e estiver sob seu controle consciente e planejado.”

Essa formulação expressa claramente a visão de Marx sobre a superação da religião e o desaparecimento dos preconceitos religiosos. Com a construção de uma sociedade socialista, as bases sociais da religião, que decorrem da opressão de determinadas classes sobre outras e da sensação de impotência gerada por essa desigualdade, deixam de existir. O solo que alimentava os sentimentos religiosos se dissolve à medida que fatores como fome “espontânea” e desemprego “espontâneo” são eliminados.

Além disso, com a extinção das classes sociais e a formação de uma sociedade igualitária, os seres humanos ampliam significativamente suas capacidades e seu domínio sobre as forças da natureza. Dessa maneira, com o desaparecimento das condições que deram origem à religião, ela própria tende a desaparecer. No entanto, isso não significa que a religião se extinguirá de forma automática, sem a necessidade de uma propaganda antirreligiosa marxista-leninista e sem uma luta ativa contra seus defensores, propagandistas profissionais e organizadores de cultos religiosos.

O comunismo é hostil à religião

Marx e Engels ofereceram uma das críticas mais profundas e destrutivas à religião. Eles foram especialmente rigorosos ao rechaçar qualquer tentativa de aproximar o comunismo da religião. O Manifesto contra Kriege, de Marx e Engels, exemplifica essa postura, ao expor a teoria sacerdotal disfarçada sob a bandeira do comunismo. Eles demonstraram como “Kriege, está pregando aqui, em nome do comunismo, a velha fantasia da religião e da filosofia alemã, que é a antítese direta do comunismo”.

Marx e Engels se posicionaram fortemente contra o uso indevido dessa terminologia, que buscava associar o conceito de comunismo ao de religião. Da mesma forma, Vladimir Lênin manifestou-se contra essa tentativa, ao denunciar a teoria idealista da busca por Deus, defendida por Anatoly Lunacharsky.

Quando Kriege tentou definir o objetivo da luta comunista como a transformação da “religião do amor” em verdade e a concretização da tão esperada “comunidade celestial abençoada”; ou quando escreveu: “Em nome desta religião do amor, exigimos que os famintos sejam alimentados, os sedentos recebam bebida, os nus sejam vestidos”; ou ainda, ao afirmar que “o evangelho da salvação eterna do mundo já é reverentemente passado de boca em boca” e até mesmo “de mão em mão”, ele, na realidade, fortalecia o clero sob o pretexto de combater a religião.

Marx e Engels expuseram esse tipo peculiar de “socialismo” sacerdotal. No Manifesto do Partido Comunista, eles abordaram a relação entre esse “socialismo” sacerdotal e o feudalismo:

“Nada é mais fácil do que dar ao ascetismo cristão uma roupagem socialista. O cristianismo não se opôs à propriedade privada, ao casamento e ao Estado? Não pregou, em seu lugar, a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da carne, a vida monástica e a igreja? O socialismo cristão nada mais é do que a água benta com a qual o padre asperge a amargura do aristocrata.”

Essa observação de Marx é de extrema relevância, pois representa uma crítica direta a Kautsky, que retratava o cristianismo primitivo como “comunista”. Esse argumento também refuta diversas tentativas sectárias de apresentar os ensinamentos cristãos como “socialistas”.

Diferentemente dos cientistas burgueses que tentavam conciliar ciência e religião, Marx, por meio de sua atividade científica e luta revolucionária, demonstrou a incompatibilidade entre essas duas esferas. Já em sua tese de doutorado sobre Demócrito e Epicuro, Marx escreveu:

“O que qualquer país em particular representa para os deuses estrangeiros, o país da razão representa para Deus em geral — a região onde sua existência cessa.”

Além disso, em uma carta a Ruge, datada de 30 de novembro de 1842, Marx expressou sua visão sobre as teorias religiosas:

“A religião, em si mesma, é desprovida de conteúdo; suas origens não estão no céu, mas na terra. Com a destruição da realidade distorcida da qual ela é reflexo, a religião desaparece por si só.”

Marx sobre o papel de classe da religião

Até recentemente, antes da Segunda Guerra Imperialista, vários partidos social-democratas europeus possuíam grupos especiais de fiéis, conhecidos como “socialistas religiosos”. Essa prática representava uma completa contradição ao próprio conceito de partido socialista. Ao longo das décadas de existência do movimento operário, diversas tentativas foram feitas para não apenas reconciliar a religião com esse movimento, mas também para apresentar o cristianismo como um ensinamento compatível com a luta revolucionária. As obras de Karl Kautsky sobre a história da religião exemplificam essa tendência apologética. No entanto, Engels, em sua renomada obra As Guerras Camponesas na Alemanha, demonstrou que o cristianismo, enquanto ideologia capaz de expressar, ainda que parcialmente, o movimento revolucionário das massas camponesas — como ocorreu nas guerras camponesas na Alemanha — já havia se esgotado e há muito se tornara um símbolo da contrarrevolução.

No artigo Comunismo dos Rheinischer Beobachter, Marx faz uma crítica contundente aos princípios sociais do cristianismo:

“Os princípios sociais do cristianismo tiveram 1.800 anos para se desenvolver e não exigiram nenhum aperfeiçoamento adicional por parte dos conselheiros consistoriais prussianos; os princípios sociais do cristianismo justificaram a escravidão na Antiguidade, exaltaram a servidão medieval e são igualmente capazes, se necessário, de defender, ainda que com expressões hipócritas de lamento, a opressão do proletariado; os princípios sociais do cristianismo pregam a necessidade da existência de classes — os dominantes e os oprimidos — e, para estes últimos, oferecem apenas um desejo piedoso de que os primeiros ajam com benevolência; os princípios sociais do cristianismo transferem para o céu a promessa de compensação por todas as injustiças sofridas, legitimando, assim, a perpetuação dessas mesmas injustiças na Terra; os princípios sociais do cristianismo afirmam que todas as atrocidades cometidas pelos opressores contra os oprimidos são uma punição justa pelos pecados originais e outros, ou um teste divino enviado para a expiação desses pecados; os princípios sociais do cristianismo exaltam a submissão, o menosprezo de si mesmo, a autodepreciação, a humildade — em resumo, todas as características da servidão. No entanto, para o proletariado, que se recusa a ser tratado como ralé, valores como coragem, autoestima, orgulho e independência são mais importantes que o próprio sustento; os princípios sociais do cristianismo carregam a marca da hipocrisia e da astúcia, enquanto o proletariado é revolucionário. É assim que se apresentam os princípios sociais do cristianismo.”

A religião é uma ferramenta da luta de classes entre exploradores e explorados, um instrumento de escravidão. A burguesia, que, na época de sua luta contra os senhores feudais, não hesitou em flertar com o ateísmo e apoiar o movimento anticlerical — como ocorreu na França —, agora, temendo a revolução proletária, estabeleceu alianças com a igreja e passou a promover a religião como um meio de combater os movimentos revolucionários.

Não há atrocidade que a religião não tenha justificado: guerras, pilhagens imperialistas, prostituição, exploração extrema das massas e assassinatos em massa de trabalhadores — tudo foi santificado em nome da igreja e da religião, como se fossem ordens divinas.

Quando conveniente, a burguesia defende a liberdade de consciência. No entanto, para ela, essa liberdade não passa de uma condição para garantir negócios lucrativos. Como diz o burguês:

“Os pobres serão diligentes e considerarão o trabalho e a dedicação como um dever diante de Deus, desde que lhes seja permitido acreditar que, apesar de terem menos riqueza, possuem maior entendimento sobre os desígnios divinos — uma característica que se atribui especialmente aos pobres”.

A religião afirma seu domínio por meio da violência. Basta recordar as guerras religiosas, o obscurantismo da Inquisição medieval e os incontáveis mártires da ciência queimados nas fogueiras ou decapitados em nome da glória de Deus. Marx fornece inúmeros exemplos da imposição violenta e sangrenta da religião.

“Sabe-se que Friedrich Wilhelm III transformou a religião em um ramo da disciplina militar e ameaçava os dissidentes com um cassetete policial [...] sabe-se também que, mesmo sob o ministério de Camphausen, os poloneses foram saqueados, suas casas incendiadas e espancados com coronhadas, tanto por serem poloneses quanto por serem católicos.”

Em 1812, na Espanha, o clero conseguiu inserir na Constituição a seguinte cláusula: “A religião do povo espanhol é e sempre será Católica, Apostólica e Romana, a única verdadeira. A nação a protegerá com leis sábias e justas e proibirá a prática de qualquer outra religião”; o artigo 173 da Constituição Espanhola de 1812 exigia que o rei, ao ascender ao trono, jurasse: “Nós, pela graça de Deus e em virtude da Constituição da monarquia espanhola, Rei da Espanha, juramos pelo Todo-Poderoso e pelo Santo Evangelho que defenderemos e protegeremos a religião Católica, Apostólica e Romana e não toleraremos nenhuma outra em nosso reino”.

Ainda assim, esses obscurantistas — padres e cardeais católicos, que exigem que nenhuma religião além do catolicismo seja tolerada — têm a audácia de acusar a URSS de “violação da liberdade religiosa”, enquanto a Constituição soviética reconhece, na prática e não apenas em palavras, a liberdade de consciência para todos os cidadãos, garantindo tanto o livre exercício dos cultos religiosos quanto a liberdade de propaganda antirreligiosa. Como opositores intransigentes de qualquer forma de religião, apenas os comunistas defendem, de maneira genuína, a liberdade de consciência e, portanto, a liberdade de religião, incluindo o direito ao culto religioso.

Marx sobre a luta contra a religião

Marx e Engels foram revolucionários coerentes em sua atuação. Seu pensamento não se configura como um dogma, mas sim como uma ferramenta de ação, um meio para transformar o mundo. Em uma de suas cartas, datada de 25 de setembro de 1869, Marx escreveu a Engels:

“Durante minha viagem pela Bélgica, minha estadia em Aachen e minha passagem pelo Reno, convenci-me de que era essencial combater com vigor a influência dos padres, especialmente nas regiões católicas. Com esse propósito, agirei por meio da Internacional. Esses clérigos (como o Bispo Ketteler em Mainz e os padres do Congresso de Düsseldorf, entre outros) exploram a questão operária sempre que lhes convém.”

De fato, Marx nunca perdeu uma oportunidade de criticar a religião. Quase todas as suas obras carregam um forte espírito de ateísmo militante. Ele não deixava passar despercebida nenhuma obra que promovesse doutrinas religiosas sem apresentar um contraponto crítico. Em 31 de maio de 1873, escreveu a Engels:

“Vi em sua posse [de Dronke] um livro de Strauss, que lhe foi emprestado acidentalmente por um filisteu alemão: ‘Der neue und der alt Glaube’ (‘A Nova e a Velha Fé’). Folheei-o e constatei que o fato de ninguém ter refutado esse padre reacionário e admirador de Bismarck (que se pronuncia sobre o socialismo com falsa autoridade) demonstra a fraqueza do jornal Volksstaat.”

Ao comentar o lançamento do livro Sobre os Mistérios do Cristianismo Antigo, de Daumer, Marx considerou fundamental a conclusão do autor de que, no passado, os cristãos esfaqueavam pessoas e que, em seus rituais sagrados, consumiam carne e sangue humanos.

A luta entre diferentes classes muitas vezes se manifesta por meio de disputas entre grupos religiosos. É essencial distinguir o conflito entre essas correntes religiosas da luta entre interesses de classe. Em O Capital, Marx apresenta um retrato impressionante de um quacre hipócrita que se recusa até mesmo a prestar juramento em tribunal ao ser julgado por explorar crianças em jornadas exaustivas de mais de vinte horas. Eis sua descrição:

“Uma raposa, repleta de falsa santidade, que teme jurar, mas mente como o diabo. Olha piedosamente ao redor com um semblante contrito e não comete um pecado até terminar suas preces!”

Quando os liberais belgas declararam guerra ao catolicismo, Marx questionou, em um discurso sobre a questão polonesa:

“E aqui, na própria Bélgica, a disputa entre liberalismo e catolicismo não representa, na realidade, um embate entre o capital industrial e os grandes proprietários de terras?”

Na publicação International Reviews, Marx e Engels observaram:

“O catolicismo na Inglaterra sobrevive apenas graças a dois grupos extremos da sociedade: a aristocracia e o lumpemproletariado.”

A estrutura religiosa também é frequentemente utilizada na luta entre facções políticas burguesas que representam os interesses das classes dominantes. Como exemplo, Marx cita a atuação dos padres na década de 1850, quando se tornaram defensores da introdução da jornada de trabalho de dez horas, fazendo discursos inflamados em sua defesa. Um desses clérigos declarou:

“No meu distrito, tornou-se um hábito entre os trabalhadores das fábricas, especialmente as mulheres, permanecerem na cama aos domingos até às 9, 10 ou 11 horas, pois estão completamente exaustos da semana de trabalho. O domingo é o único dia em que seus corpos cansados podem descansar [...] há uma regra que diz que, quanto maior a jornada de trabalho, mais baixos são os salários [...] eu preferiria ser um escravo na Carolina do Sul do que um operário de fábrica na Inglaterra.”

Marx explica os motivos pelos quais os pastores da igreja estatal anglicana se tornaram defensores dos direitos da classe trabalhadora:

“Eles não buscam apenas acumular uma reserva de popularidade para os tempos difíceis que a democracia trará, nem se limitam a perceber que a igreja estatal é, essencialmente, uma instituição aristocrática que sobreviverá ou desaparecerá junto com a oligarquia latifundiária. Há outro fator crucial. Em Manchester, todos os habitantes se opõem à igreja estatal, são dissidentes e, acima de tudo, ressentem-se dos 13 milhões de libras esterlinas que apenas a igreja estatal da Inglaterra e do País de Gales retira de seus bolsos anualmente. Eles decidiram, portanto, separar esse montante do clero, tornando-o mais digno do céu. Assim, os ministros devotos da Igreja lutam pro aris et focis (pela propriedade mais sagrada que possuem).”

Como Marx aconselhava o combate à religião? Na obra Crítica do Programa de Gotha, Marx defendia que o Estado deveria garantir que:

“Todos pudessem satisfazer suas necessidades religiosas, assim como as físicas, sem interferência da polícia.”

Ele também destacava que a chamada liberdade de consciência burguesa se resumia à mera tolerância de todas as formas de consciência religiosa. No entanto:

“O partido dos trabalhadores, por outro lado, busca libertar a consciência da influência intoxicante da religião”.

Marx defendia a organização de uma propaganda antirreligiosa sistemática, que possibilitasse à classe trabalhadora se libertar de toda a influência religiosa. Tanto ele quanto Engels consideravam a propaganda antirreligiosa promovida durante a Grande Revolução Francesa um modelo a ser seguido. Por isso, Marx incentivava a tradução das obras dos materialistas do século 18.

Para ele, era impossível separar a propaganda antirreligiosa da crítica ao sistema social vigente. Ele considerava essencial que essa propaganda fosse subordinada às necessidades da luta de classes, tornando-se parte integrante da política proletária. Assim, a oposição à religião deveria estar alinhada à luta da classe trabalhadora por sua emancipação, pela derrubada do capitalismo e pela construção de uma sociedade socialista.

Em seu artigo Sobre o Significado do Materialismo Militante, Lênin reforçou a necessidade de seguir o conselho de Marx e Engels, utilizando a literatura ateísta antirreligiosa do século 18. Lênin escreveu:

“O jornalismo vibrante, talentoso, espirituoso e combativo dos antigos ateus do século 18 muitas vezes se mostra mil vezes mais eficaz para despertar as pessoas de seu sono religioso do que as reinterpretações enfadonhas e áridas do marxismo, que predominam em nossa literatura e que, sejamos honestos, frequentemente distorcem o marxismo.”

Em sua análise sobre a Comuna de Paris, Marx ressaltou como mérito dessa revolução o fato de que:

“A Comuna imediatamente começou a desmantelar o instrumento de opressão espiritual, o ‘poder dos padres’, separando a Igreja do Estado e expropriando todas as igrejas, uma vez que eram corporações detentoras de propriedades. Os sacerdotes deveriam retornar à vida humilde do povo, vivendo, como seus predecessores, os apóstolos, das esmolas dos fiéis. Todas as instituições educacionais foram tornadas gratuitas e colocadas fora da influência da Igreja e do Estado”.

Sabe-se que Marx justificou plenamente o justiçamento dos Comunardos de Paris contra 64 reféns, entre os quais estava o Arcebispo Darbois. Ele escreveu sobre o evento:

“A Paris dos trabalhadores, com sua Comuna, sempre será lembrada como o glorioso prenúncio de uma nova sociedade. Seus mártires estão para sempre gravados no grande coração do trabalhador. A história já pregou seus algozes naquele pelourinho do qual nenhuma prece dos sacerdotes poderá libertá-los.”

Marx, assim como Engels, dominava com maestria o uso da ironia mordaz e do sarcasmo devastador contra seus adversários. Para ilustrar o poder de sua ironia em relação à religião, basta citar alguns exemplos. Em uma carta a Ruge, datada de 27 de abril de 1842, Marx menciona um certo Hasse, sobre quem escreveu:

“Ele sempre me impressionou não por suas palavras, mas por suas enormes botas, semelhantes às de um padre de aldeia. Ele falava como se fosse uma dessas botas. — Marx prossegue, ironizando — Este Hasse fala da religiosidade como um produto da experiência de vida, provavelmente referindo-se ao sucesso na criação dos filhos e à sua barriga volumosa, pois barrigas gordas realizam todo tipo de experimentos. Como diria Kant: se diminui, torna-se obscenidade; se aumenta, converte-se em inspiração religiosa. Ah, esse piedoso Hasse, com sua constipação religiosa!”.

Ao tratar da irreconciliabilidade entre ciência (filosofia) e religião, Marx questiona:

“Para evitar o conflito com os dogmas religiosos, a filosofia deveria adotar princípios específicos para cada país, seguindo o ditado: ‘Cada cidade tem seu próprio caráter’? Ela deveria acreditar que, em um país, 3 x 1 = 1; em outro, que as mulheres não têm alma; e em um terceiro, que no céu se bebe cerveja?”

Sobre a resposta de Friedrich Wilhelm IV à delegação da milícia civil (18 de outubro de 1848), Marx escreveu:

“Tendo criado o universo e os reis pela graça de Deus, Deus deixou as ocupações menores para as pessoas”. Marx relembrou os “bons tempos da tabela econômica de Davenant”, que classificava a produção inglesa da seguinte forma:

§ 1. Trabalhadores produtivos: reis, oficiais, senhores, clérigos rurais, etc.
§ 2. Trabalhadores improdutivos: marinheiros, camponeses, tecelões, fiandeiros etc.

Essas comparações radicais não apenas despertam um sorriso irônico, mas também um profundo sentimento de revolta na classe trabalhadora. Elas geram um ódio intenso contra esses reis, senhores e clérigos “produtivos”, bem como um desejo fervoroso de destruir todos os deuses cuja autoridade serve para mascarar e santificar a exploração e dominação das massas. Ao citar um episódio ocorrido no Concílio de Constança (1414-1418), onde os guardiões da “pureza” da Igreja se indignavam com a vida dissoluta dos papas e clamavam por uma reforma moral, Marx recorda a resposta do Cardeal Pierre d’Ailly: “Só o diabo ainda pode salvar a Igreja Católica, e vocês exigem anjos!”.

Marx usa esse exemplo para ilustrar sua visão sobre a sociedade burguesa:

“Só o roubo pode salvar a propriedade, o perjúrio a religião, a ilegitimidade a família, a desordem a ordem.”

Nas palavras de Marx, a sátira antirreligiosa se torna uma poderosa arma de luta política. Dominar essa ferramenta é um dever do ateu militante. Os sistemas religiosos apelam à consciência humana como se fossem ideias eternas e inatas à humanidade. No entanto, Marx e Engels demonstraram que essa consciência não é inata, mas sim um reflexo das condições de vida da sociedade. Sobre o julgamento de Gottschalk (22 de dezembro de 1848), Marx escreveu que a posição de classe de Gottschalk e seus companheiros, que se opuseram abertamente à classe privilegiada e ao poder estatal burguês, levou inevitavelmente à sua condenação.

“Mas a consciência do júri”, poderiam argumentar, “não oferece garantia suficiente? Ah, mon Dieu (meu Deus), a consciência depende do conhecimento e das condições de vida de cada indivíduo... O republicano tem uma consciência diferente da do monarquista, o proprietário da do proletário, o pensador da daquele que não reflete. Uma pessoa cuja única qualificação para ser jurado é sua posição social tem, portanto, uma consciência igualmente condicionada. A ‘consciência’ dos privilegiados é, afinal, uma consciência privilegiada”.

A burguesia proclama que sua propriedade, sua família e sua religião são invioláveis. Entretanto, não hesita em violar a propriedade alheia, desprezar famílias que não pertencem à sua classe e impor barreiras à liberdade religiosa quando isso lhe convém. Em um de seus artigos no New York Tribune, intitulado Os futuros resultados do domínio britânico na Índia (22 de julho de 1853), Marx denuncia essa hipocrisia inerente à civilização burguesa:

“A profunda hipocrisia e barbárie da civilização burguesa se revelam claramente quando a observamos não em seu próprio território, onde adota formas respeitáveis, mas nas colônias, onde age sem disfarces. A burguesia se apresenta como defensora da propriedade, mas algum partido revolucionário já promoveu revoluções agrárias comparáveis às realizadas na Índia? Não recorreu a violência cruel para alcançar seus fins predatórios, onde o mero suborno não foi suficiente? Não confiscou dividendos de rajás enquanto na Europa discursava sobre a santidade da dívida nacional? Enquanto combatia a Revolução Francesa em nome da religião, não proibiu a propagação do cristianismo na Índia, e não negociou com assassinatos e prostituição nos templos de Orissa e Bengala?”

Três quartos de século atrás, Marx fez essa brilhante caracterização da burguesia imperialista. Desde então, o capitalismo passou por décadas de domínio e desenvolvimento em seu estágio mais avançado: o imperialismo. Hoje, o sistema imperialista enfrenta uma crise profunda, e as características apontadas por Marx para os imperialistas britânicos podem ser estendidas a toda a burguesia internacional. Enchendo prisões com aqueles que protestam contra a exploração e promovendo campanhas contra a URSS, a burguesia hipocritamente finge defender a religião, enquanto busca perpetuar sua dominação.

A burguesia, que construiu sua riqueza sobre o roubo e a exploração, teme o momento em que, como disse Marx, “chegará a hora da propriedade capitalista, e até os expropriadores serão expropriados”. Por isso, protege com fervor a igreja, que, por sua vez, defende o Estado burguês, pois este é sua fonte de renda.

“A Alta Igreja da Inglaterra preferiria perdoar um ataque a 38 dos 39 artigos de sua doutrina do que aceitar um corte de 1/39 em sua renda. Atualmente, o próprio ateísmo é considerado um pecado menor em comparação com qualquer crítica às relações tradicionais de propriedade.”

Marx, Engels, Lênin e Stálin dedicaram grande atenção ao papel explorador da igreja e da religião. O ateísmo militante dos comunistas é parte inseparável da luta revolucionária para construir uma sociedade sem classes. Essa sociedade está sendo edificada, e nela não haverá espaço para a religião como “ópio do povo”. Contudo, isso não significa que os comunistas pretendam proibir ou abolir a religião, como sugerem os anarquistas. Engels escreveu em Anti-Dühring sobre as condições para o desaparecimento da religião:

“Quando a sociedade assumir o controle dos meios de produção e libertar a si mesma e seus membros da escravidão imposta por eles, então desaparecerá a última força estranha que ainda se reflete na religião, e, consequentemente, desaparecerá a própria religião, pois não restará mais nada para ser refletido.”

Essas condições foram alcançadas por meio de décadas de luta e três revoluções, culminando na vitória do socialismo. O mundo está imerso em revoluções socialistas, anunciadas pelo Manifesto do Partido Comunista em 1848. As primeiras ondas dessa revolução varreram o domínio dos exploradores em um sexto do planeta, criando o primeiro Estado proletário. Hoje, novas ondas emergem do seio das sociedades capitalistas e dos povos oprimidos pelo imperialismo, ameaçando a ordem capitalista global. Nenhuma doutrina religiosa impedirá as massas de se unirem à revolução. As ideias marxista-leninistas conquistaram milhões de corações ao redor do mundo, transformando-se em uma força poderosa. A luta secular continua:

“Mais de uma vez, com mão rebelde,
o povo pagou pela opressão vergonhosa
e destruiu sistema após sistema.
Mas nunca um apelo livre
soou com tanto poder,
nunca soou com tanta ameaça,
como este grito internacional:
‘Trabalhadores do mundo, uni-vos!’”