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Fonte: http://resistir.info
HTML: Fernando Araújo.
Octavio Ianni, juntamente com Florestan Fernandes de que foi discípulo, está entre os principais sociólogos da América Latina. Tem uma vasta obra sobre a discriminação racial e social que impera nas relações sociais na obra Raças e Classes Sociais no Brasil , explorou a influência das grandes potências mundiais sobre a América Latina em Imperialismo e América Latina , discutiu o papel da cultura na formação de identidade brasileira em Revolução e Cultura - A Sociedade Global e analisou o processo de globalização em Teorias da Globalização.
Aos 77 anos, continua a ser um intelectual produtivo pois vai lançar mais uma obra dentro em breve: Capitalismo, Violência e Terrorismo . Ianni defende ali a tese de que a violência é fabricada no seio da sociedade e de que os Estados Unidos estão industrializando o terrorismo para sustentar seu predomínio no cenário político mundial. A obra relembra as diversas ocasiões em que os EUA adotaram essa tática a fim de minar alternativas sociais em outros países, como nos golpes militares na América Latina nas décadas de 60 e 70.
Nesta entrevista a Rogério Borges, do jornal "Popular", Ianni afirma que o Brasil já não é mais soberano e que o País não tem um projeto nacional consistente. O sociólogo considera o governo Lula uma nave de enlouquecidos.
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Como o senhor avalia o atual momento brasileiro?
Para entender o Brasil atual é fundamental reconhecer que o Brasil já não é uma nação soberana. Os dirigentes do Brasil não são dirigentes, mas funcionários que atendem às injunções de interesses transnacionais. O Brasil não tem projeto nacional. O Brasil teve um projeto nacional poderoso dos anos 30 a 1964. Ele teve altos e baixos, como sabemos, mas foi um projeto inegavelmente forte e que estava orientado no sentido de organizar a economia e a sociedade, inclusive propiciando a cultura. A ditadura militar se encarregou de degolar todas as organizações e lideranças políticas comprometidas com o projeto nacional. A ditadura militar começou a desmontar esse projeto a pretexto da lucrativa indústria do anticomunismo. Os governos que vieram em seguida se dedicaram a desmontar as bases econômicas. Desmontaram em tal escala que o governo não tem capacidade de definir objetivos porque perdeu as bases de poder indispensáveis para definir o que poderia ser um outro projeto nacional.
Não tem capacidade para montar um outro projeto nacional por falta de instrumentos ou por incompetência?
Por falta de análise. E porque é muito conveniente aos governantes se ajustar às pressões do FMI e do Banco Mundial, o que a Índia e a China não fizeram. Temos dirigentes medíocres, sem uma análise consistente do que está acontecendo no mundo e no Brasil, que passam a dirigir o país sem ter consciência das reais forças que estão atuando. O Estado significa a instituição fundamental que articula, expressa e representa a sociedade civil. A ditadura militar começou a romper isso de uma maneira brutal e os governos civis aceleraram o processo de transformação do Estado em um simples aparelho administrativo dos interesses prevalecentes no âmbito da globalização. Por que o Lula sai pelo mundo, enlouquecido, fazendo discursos inócuos? Não tem nenhum sentido. É um teatro do absurdo.
Dentro desse teatro, as divergências políticas entre o atual governo e o governo passado são jogo de cena?
Essas diferenças são totalmente falsas. A diferença entre o Fernando Collor, o Fernando Henrique e o Lula não existe. Os três se dedicaram ao teatro da política. Alguns com mais malícia, com mais habilidade, outros com menos. Mas, na verdade, os três entraram no palco mundial de acordo com as diretrizes do Consenso de Washington, ou seja, o neoliberalismo. Os governantes, tanto os anteriores quanto esse, não têm um discernimento sobre o que realmente está acontecendo no mundo. Estão fazendo de conta que estão enfrentando os problemas, mas não têm mais condições para isso. Eles não são dirigentes. Eles são funcionários, burocratas.
O Lula tinha um discurso de ruptura com esse modelo em suas primeiras campanhas presidenciais. Na sua opinião, por quê essa orientação do atual presidente mudou?
Ele falava em ruptura, mas não tinha análise. Todos pensavam que ele tivesse análise, que a equipe do PT tivesse uma análise do que estava acontecendo. Não tinham. Era pura retórica de oposição. Uma retórica vazia. Eles passaram anos tendo tempo e oportunidade para estudar o que realmente estava acontecendo no mundo e não fizeram isso. Ficaram na periferia, na epiderme dos conhecimentos. Assumiram o governo e não sabem para que lado vai o barco. Estão atônitos. Eles não se debruçam sobre os problemas nacionais. São personagens de uma nave de enlouquecidos. Fazem discursos que a opinião pública sabe que são inócuos.
A opinião pública realmente sabe que esses discursos são inócuos?
Alguns setores pensam que são para valer. Outros setores sabem que é uma retórica vazia, inócua. A realidade desmente cotidianamente o discurso do poder. A sociedade brasileira está muito mal porque foi frustrada. O povo foi traído em 1945, com o golpe, em 1964, com outro golpe, em 1985, quando houve a passagem para o governo civil, e está sendo traído outra vez pela gestão do PT. É uma sucessão de frustrações. Já as elites militares, intelectuais, políticas e empresariais estão muito contentes.
Que efeito prático advém do fato de nossos governantes não terem independência para tomar decisões?
O Brasil é uma província do globalismo. O Brasil renunciou a todos os centros decisórios fundamentais. Quem decidiu sobre a reforma do sistema de ensino no Brasil foi o Banco Mundial. Algo semelhante ocorreu com a saúde, com a política econômica, financeira e tecnológica.