Nossas relações com o PCCh e a República Popular da China até 1956. Convites da China, Coreia e Mongólia. Um evento surpreendente na Coreia: dois membros do Birô Político fugiram para a China! Ponomaryov defende os fugitivos. Mikoyan e Peng Dehuai “afinam” Kim Il-Sung. A reunião com Mao Zedong: “Nem os iugoslavos e nem vocês estavam errados”, “Stálin cometeu erros”, “É necessário cometer erros”. Li Lisan no 8º Congresso do PCCh: “Peço a vocês que me ajudem, pois posso cometer erros novamente”. Desapontamento e preocupação com o 8º Congresso do PCCh. Reuniões em Pequim com Dej, Yugov, Zhou Enlai e outros. Bodnaras como intermediário para nos reconciliar com Tito.
No que diz respeito às relações entre nosso partido e o Partido Comunista da China (PCCh), de 1949 a 1956 e, de fato, por vários anos depois, o termo “normal”, mais ou menos no sentido em que é usado na linguagem diplomática, seria bastante apropriado. De nossa parte, no entanto, desde os anos da Guerra de Libertação Nacional, e especialmente após a libertação de nossa pátria, acompanhamos com simpatia a justa guerra do fraterno povo chinês contra os fascistas e agressores japoneses, a reação de Chiang Kai-Shek e a interferência americana, apoiamos e nos solidarizamos à essa luta com todas as nossas forças. Além disso, nos alegramos com o fato de que, à frente dessa luta, havia um partido comunista reconhecido pela Comintern, que contava com o apoio do Partido Comunista da União Soviética, com Stálin à frente.
Sabíamos também que o dirigente do PCCh era Mao Zedong, sobre quem, pessoalmente, bem como sobre o partido que ele dirigia, não tínhamos nenhuma informação além do que ouvíamos dos camaradas soviéticos. Durante esse período e depois de 1949, não tivemos a oportunidade de ler nenhuma das obras ou escritos de Mao Zedong, que se dizia ser um filósofo e ter escrito uma série de obras. Recebemos a notícia da vitória de 1º de outubro de 1949 com uma alegria sincera e fomos um dos primeiros países a reconhecer o novo estado chinês e a estabelecer relações fraternas com ele. Embora maiores possibilidades e caminhos tenham sido abertos para contatos e vínculos mais frequentes e mais próximos entre nossos dois países, esses vínculos permaneceram no nível das relações amistosas, culturais e comerciais, do envio de alguma delegação de segundo escalão, do apoio mútuo, de acordo com a ocasião, por meio de discursos e declarações públicas, da troca de telegramas por ocasião de comemorações e aniversários, e quase nada mais.
Continuamos a apoiar com todas as nossas forças os esforços do povo chinês e da direção chinesa para a construção socialista do país, mas não sabíamos nada de concreto sobre como e em que medida esse grande processo estava sendo realizado na China. Dizia-se que Mao estava seguindo uma linha “interessante” para a construção do socialismo na China, conciliando com a burguesia nacional e com outros partidos, que eles descreviam como “democráticos”, “dos industriais”, etc., que empresas conjuntas privadas-estatais eram permitidas e estimuladas pelo partido comunista de lá, que elementos das classes ricas eram encorajados e indenizados, e até mesmo colocados na direção de empresas e províncias, etc., etc. Todas essas coisas eram bastante incompreensíveis para nós e, por mais que você se esforçasse, não conseguia encontrar nenhum argumento para descrevê-las como estando em conformidade com o marxismo-leninismo. No entanto, pensávamos que a China era um país muito grande, com uma população de centenas de milhões de habitantes, que havia acabado de sair de um passado sombrio, feudal e burguês, que tinha muitos problemas e dificuldades e que, com o tempo, corrigiria as coisas que não estavam em ordem, no caminho certo do marxismo-leninismo.
Isso é mais ou menos o que sabíamos sobre o Partido Comunista da China e o estado chinês até 1956, quando o Comitê Central do nosso partido recebeu o convite de Mao Zedong para enviar uma delegação do partido para participar dos procedimentos do 8º Congresso do PCCh. Recebemos o convite com prazer e satisfação, pois teríamos a oportunidade de adquirir experiência em primeira mão e conhecer diretamente esse partido irmão e país socialista fraterno. Naquele período, também recebemos convites da República Popular da Mongólia e da República Democrática Popular da Coreia para enviar delegações de especializada do governo e do partido a esses países para visitas amistosas.
Debatemos os convites de nossos camaradas no Birô Político e decidimos que, aproveitando a ocasião da viagem à China para o 8º Congresso do PCCh, no caminho para lá, nossa delegação especializada também deveria ir à Mongólia e à Coreia.
O Birô Político nomeou a mim, aos camaradas Mehmet Shehu e Ramiz Alia, e ao nosso então Ministro das Relações Exteriores, Behar Shtylla, como a delegação. O camarada Mehmet iria dirigir a delegação na Mongólia e na Coreia, já que seria uma delegação do governo, enquanto eu iria dirigir a delegação do partido na China.
Fizemos os preparativos necessários e partimos no final de agosto de 1956.
Era a época em que o revisionismo moderno, promovido pelo 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, não só havia se espalhado pela União Soviética e pelos outros países de democracia popular, como também estava trazendo à tona toda a sua sujeira inerente, as divisões, as brigas, as conspirações e a contrarrevolução. Na Polônia, o caldeirão, que vinha fervendo há muito tempo, estava trazendo à tona o notório Gomulka como produto final; na Hungria, a reação havia eclodido como nunca antes e estava preparando febrilmente a contrarrevolução. Durante esses dias, Tito havia sido convidado para ir à Crimeia “de férias” e, junto com Khrushchev, Ranković e outros, estava colocando os pregos no caixão de Gerö. Parecia que os revisionistas de vários países estavam envolvidos em uma competição vil para ver quem conseguia superar o outro na aplicação prática do khrushchevismo. Na Europa, o terremoto revisionista estava abalando os alicerces de tudo, com exceção do nosso partido e do nosso país.
Esses três ou quatro dias de nossa visita à Mongólia passaram quase despercebidos. Viajamos por horas a fio para chegar a algum centro habitado e, em todos os lugares, a paisagem era a mesma: vasta, nua, monótona, cansativa. Yumjaagiin Tsedenbal, que se movimentava ao nosso redor tão móvel quanto uma bola de borracha, falava sobre o único tema: a criação de gado. Tantos milhões de ovelhas, tantas éguas, tantos cavalos, tantos camelos, essa era a única riqueza, o único ramo do qual esse país socialista se sustentava. Bebemos leite de égua, desejamos sucesso uns aos outros e nos despedimos.
Em 7 de setembro, chegamos a Pyongyang. Eles fizeram uma recepção esplêndida, com pessoas, gongos, flores e retratos de Kim Il-Sung por toda parte. Era preciso procurar muito para encontrar algum retrato de Lênin, escondido em algum canto obscuro.
Visitamos Pyongyang e uma série de cidades e vilarejos da Coreia, onde tanto o povo quanto os dirigentes do partido e do estado nos receberam calorosamente. Durante os dias em que ficamos lá, Kim Il-Sung foi gentil e íntimo conosco. O povo coreano tinha acabado de sair da sangrenta guerra contra os agressores americanos e agora se lançava na ofensiva para a reconstrução e o desenvolvimento do país. Era um povo trabalhador, limpo e talentoso, ansioso por mais desenvolvimento e progresso, e nós desejamos de todo o coração que eles continuassem tendo sucesso no caminho para o socialismo.
No entanto, a vespa revisionista também começou a implantar seu ferrão venenoso ali.
Nas conversas conjuntas que tivemos, Kim Il-Sung nos contou sobre um evento que havia ocorrido na Plenária do Comitê Central do partido realizado após o 20º Congresso.
— Depois do informe que apresentei, — Kim nos contou, — dois membros do Birô Político e vários outros membros do Comitê Central levantaram a questão de que as lições do 20º Congresso e a questão do culto à personalidade não haviam sido devidamente apreciadas entre nós, aqui na Coreia, que uma luta consistente contra o culto à personalidade não havia sido travada, e assim por diante. Eles disseram ao plenário: “Não estamos obtendo resultados econômicos e políticos de acordo com o programa do 20º Congresso, e pessoas incompetentes ficaram reunidas em torno do Comitê Central”.
— Em outras palavras, eles atacaram a linha e a unidade da direção, — continuou Kim Il-Sung. — Todo o Comitê Central se levantou contra eles, — concluiu.
— E que atitude foi tomada em relação a eles? — perguntei.
— O plenário os criticou e isso foi tudo, — respondeu Kim Il-Sung, acrescentando: — Imediatamente depois disso, os dois fugiram para a China.
— Para a China?! O que eles foram fazer lá?
— Nosso Comitê Central os descreveu como elementos anti-partidários e escrevemos à direção chinesa para que os enviasse de volta para nós sem falta. Além de outros erros, eles também cometeram o grave ato de fugir. Os camaradas chineses não os mandaram de volta. Eles os mantêm lá até hoje.
Dissemos abertamente a Kim Il-Sung: — Embora não tenhamos conhecimento detalhado das questões levantadas por esses dois membros do Birô Político e não caiba a nós julgar suas decisões, já que você nos contou sobre esse problema, achamos que se trata de um evento sério.
— Em nosso país também, — dissemos a ele, — após o 20º Congresso do PCUS, houve uma tentativa de elementos anti-partidários de organizar um complô contra nosso partido e nosso Comitê Central. A conspiração foi uma ação organizada pelos revisionistas de Belgrado e, assim que tomamos conhecimento dela, nós a esmagamos imediatamente.
Em seguida, falamos sobre a Conferência do Partido em Tirana, em abril de 1956, sobre a pressão que foi exercida sobre nós e sobre a posição inabalável e resoluta de nosso partido em relação aos inimigos externos e internos.
— Vocês estão certos, vocês estão certos! — confirmou Kim Il-Sung, enquanto eu falava.
Pelo modo como ele falava e reagia, senti uma certa hesitação e incerteza que o dominavam.
Eu não estava enganado em minhas dúvidas. Poucos dias depois, na China, durante uma reunião que tive com Ponomaryov, membro da delegação soviética no 8º Congresso do Partido Comunista da China, falei sobre o problema dos fugitivos coreanos.
— Sabemos disso, — respondeu ele, — e demos nosso conselho a Kim Il-Sung.
— Você o aconselhou? Por quê? — perguntei.
— Camarada Enver, — tergiversou, — as coisas não estão indo bem com os coreanos. Eles se tornaram muito arrogantes e precisam ser rebaixados um ou dois pinos.
— Não estou falando sobre seus assuntos em geral, porque não sei nada sobre eles, — retruquei a Ponomaryov, — mas sobre um problema concreto. Dois membros do Birô Político se levantam contra o Comitê Central de seu próprio partido e depois fogem para outro país socialista. Onde está a culpa de Kim Il-Sung nisso?
— Os camaradas coreanos cometeram erros, — insistiu Ponomaryov. — Eles não tomaram medidas de acordo com as decisões do 20º Congresso, e é por isso que dois membros do Birô Político se opuseram a isso. Os camaradas chineses também ficaram revoltados com essa situação e disseram a Kim Il-Sung que, se não forem tomadas medidas, eles não entregarão os dois camaradas que estão se refugiando na China.”
— Surpreendente! — exclamei.
— Vocês não têm motivo para ficarem surpresos, —afagou ele. — O próprio Kim Il-Sung está recuando. Uma Plenária do Comitê Central do partido coreano foi realizada nestes dias e os coreanos concordaram em corrigir os erros.
E isso acabou se tornando verdade. Os dois fugitivos voltaram para a Coreia e para os cargos que ocupavam no Birô Político. Sob pressão, Kim Il-Sung recuou e cedeu. Esse foi um ato conjunto dos soviéticos e dos chineses, no qual um “mérito” especial coube a Mikoyan. Ele havia sido enviado à China como chefe da delegação soviética para o 8º Congresso do PCCh e, sem esperar que o congresso chinês terminasse, o traficante khrushchevista, juntamente com Peng Dehuai, que Mao Zedong lhe deu como representante da China, correu para a Coreia para “afinar” Kim Il-Sung, que se deixou dobrar, e colocá-lo em harmonia com os khrushchevistas. Mais tarde, outras viagens de “ajustes de contas” seriam feitas à Coreia pelos soviéticos, chineses e outros, mas veríamos isso no futuro. Voltemos a setembro de 1956.
Em Pequim, onde chegamos em 13 de setembro, fomos recebidos por uma multidão de pessoas, música e flores, sem esquecer a horda de retratos de Mao Zedong, Liu Shaoqi, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e outros, cujos nomes não me recordo, que haviam chegado ao aeroporto.
Trocamos saudações com eles, desejamos sucesso no congresso, que começaria dois dias depois, e mal podíamos lidar com suas expressões estereotipadas: “grande honra”, “grande ajuda”, “irmãos da distante frente da Europa”, “por favor, ofereça-nos suas críticas”, etc., etc., expressões com as quais, em poucos anos, estaríamos cheios até o pescoço. (Entretanto, naquela época, essas expressões, que eram servidas prontas em todos os lugares, não nos causavam nenhuma má impressão — nós as considerávamos expressões da simplicidade e da modéstia chinesas).
Mao Zedong nos recebeu durante um intervalo entre as sessões do congresso em uma das salas adjacentes. Essa foi a primeira vez que o encontramos. Quando entramos na sala de recepção, ele se levantou, fez uma pequena reverência, estendeu a mão e, assim, sem se mover do lugar, esperou para dar a mão e um sorriso a cada um de nós. Nós nos sentamos.
Mao começou a falar. Depois de dizer que estavam muito felizes por terem amigos da distante Albânia, ele disse algumas palavras sobre nosso povo, descrevendo-o como um povo valente e heroico.
— Temos grande admiração pelo seu povo, — disse ele, entre outras coisas, — porque vocês foram libertados há muito mais tempo do que nós.
Imediatamente após isso, ele me perguntou:
— Como estão as coisas entre vocês e a Iugoslávia?
— Frias, — respondi, e imediatamente percebi que ele expressou surpresa. “Aparentemente, ele não está bem familiarizado com nossa situação com os iugoslavos”, pensei, e decidi explicar algo da longa história das relações de nosso partido e país com o partido e o estado iugoslavo. Apresentei-lhe um breve resumo, enfocando alguns dos principais momentos da atividade antimarxista e antialbanesa da direção iugoslava, esperando alguma reação da parte dele. Mas percebi que Mao apenas expressou surpresa e, de vez em quando, olhava para os outros camaradas chineses.
— Nessa questão, — começou Mao, — vocês, albaneses, não cometeram erros em relação aos iugoslavos, e nem os camaradas iugoslavos cometeram erros em relação a vocês. A Cominform cometeu grandes erros.
— Embora não tenhamos participado da Cominform, — respondi, — apoiamos suas análises e posições bem conhecidas em relação à atividade da direção iugoslava e sempre as consideramos corretas. Nossas relações de longa data com a direção iugoslava nos convenceram de que a linha e as posições dos iugoslavos não foram e não são marxista-leninistas. Tito é um renegado incorrigível.
Sem esperar para ouvir o final da tradução do que eu disse, Mao me perguntou:
— Qual é a sua opinião sobre Stálin?
Eu disse que nosso partido sempre considerou Stálin um dirigente de grandes méritos, um discípulo leal de Lênin e continuador de seu trabalho, um...
Ele me interrompeu: — Vocês publicaram o informe que o camarada Khrushchev apresentou no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética?
— Não, — afirmei. — Nós não fizemos e nunca faremos tal coisa.
— Vocês, camaradas albaneses, agiram de forma muito correta e a linha do seu partido está certa, — disse ele. — Nós também agimos como vocês agiram. Enquanto a direção soviética não publicar esse informe oficialmente, não há motivo para agirmos como alguns fizeram.
Depois de uma pausa, ele continuou:
— Stálin cometeu erros. Ele cometeu erros conosco, por exemplo, em 1927. Ele também cometeu erros em relação aos camaradas iugoslavos.
Em seguida, ele continuou calmamente em voz baixa:
— Não se pode avançar sem erros. — E ele me perguntou: — Seu partido cometeu erros?
— Não podemos dizer que não houve erros, — eu afirmei a ele, — mas o principal é que lutamos para cometer o mínimo de erros possível ou nenhum, e, quando os erros são descobertos, lutamos para eliminá-los imediatamente.
Eu fui muito “apressado”. O grande filósofo estava querendo dizer outra coisa:
— É necessário cometer erros, — filosofou. — O partido não pode se educar sem aprender com os erros. Isso tem grande importância.
Encontramos esse método de “educação” de Mao Zedong materializado em toda parte. Durante os dias em que estávamos no congresso, um camarada chinês nos disse:
— Havia um medo terrível entre nós. As pessoas tentavam evitar cometer erros, pois tinham medo de serem expulsas do partido. Entretanto, com a justa política do Presidente Mao, esse medo desapareceu, e a iniciativa e o ímpeto no trabalho criativo aumentaram entre o pessoal do partido.
— Está vendo aquele camarada que está falando? — perguntou, — Ele é Li Lisan, um dos fundadores do nosso Partido Comunista. Durante sua vida, ele cometeu erros graves, não apenas uma, mas três vezes seguidas. Havia camaradas que queriam expulsar esse velho do partido, mas, por insistência do presidente Mao, ele continua sendo membro do Comitê Central do partido e agora trabalha no aparelho do Comitê Central.
Enquanto isso, Li Lisan estava fazendo uma nova “autocrítica” antes do 8º Congresso.
— Eu cometi erros, — admitiu ele, — mas o partido me ajudou. Camaradas, — continuou — peço que me ajudem ainda, pois posso cometer erros novamente...
Mas voltemos à reunião com Mao Zedong. Depois que ele filosofou sobre a “grande importância de cometer erros”, aproveitei a oportunidade para acrescentar algo ao que havia dito anteriormente sobre os iugoslavos e falei sobre o trabalho dos revisionistas de Belgrado, por meio de seus agentes, para organizar uma conspiração na Conferência do Partido em Tirana, em abril de 1956.
— Em nossa opinião, — disse, — eles são incorrigíveis.
A resposta de Mao, no estilo chinês, foi uma frase fora de contexto:
— Vocês têm uma justa linha marxista-leninista.
Havia chegado a hora de partirmos. Agradecemos a ele pelo convite, por nos receber e pela ajuda que nos foi dada pela República Popular da China.
— Não há necessidade de nos agradecer, — interrompeu Mao, — primeiro, porque a ajuda que lhes demos é muito pequena, — fechou um dedo. — Em segundo lugar, — continuou ele, fechando o outro dedo, — somos membros da grande família do campo socialista, que tem a União Soviética à frente, e é o mesmo que passar algo de uma mão para a outra, partes do mesmo corpo.
Agradecemos a ele mais uma vez e nos levantamos. Tiramos várias fotos juntos, apertamos as mãos novamente e partimos.
Para dizer a verdade, nossas impressões dessa reunião não foram as que esperávamos e, quando saímos, conversei com Mehmet e Ramiz sobre o que havíamos ouvido. Na conversa com Mao, não aprendemos nada de construtivo que pudesse ser valioso para nós, e a reunião nos pareceu principalmente um gesto de cortesia. Ficamos especialmente desapontados com as coisas que ouvimos da boca de Mao sobre a Cominform, Stálin e a questão da Iugoslávia.
No entanto, ficamos ainda mais surpresos e preocupados com os procedimentos do 8º Congresso. Toda a plataforma desse Congresso foi baseada nas teses do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética; de fato, em certas direções, as teses de Khrushchev foram levadas adiante por Mao Zedong, Liu Shaoqi e outros importantes dirigentes chineses.
Sentimos que a epidemia do revisionismo moderno também havia infectado a China. Não podíamos avaliar até que ponto a doença havia se espalhado naquela época, mas as coisas que ocorreram e estavam ocorrendo na China mostravam que, naquele momento, os dirigentes chineses estavam se apressando para não ficar para trás e, na verdade, para agarrar com as próprias mãos a bandeira heterogênea dos khrushchevistas.
Além de outras coisas, nos informes que Liu Shaoqi, Deng Xiaoping e Zhou Enlai apresentaram, um após o outro, no 8º Congresso, eles defenderam e aprofundaram ainda mais a linha permanente do Partido Comunista da China de ampla colaboração com a burguesia e os kulaks, “argumentaram” em apoio às grandes bênçãos que viriam para o “socialismo” ao tratar bem os capitalistas, os comerciantes e os intelectuais burgueses, colocando-os em posições de direção, propagando vigorosamente a necessidade de conciliação entre a classe operária e a burguesia nacional, o partido comunista e os outros partidos nacionalistas democráticos, nas condições do socialismo etc., etc. De fato, as “cem flores” e as “cem escolas” de Mao Zedong, que floresceram e se debateram nas sessões do congresso, floresceram e se debateram em todo o partido e Estado da China. Essa teoria das cem bandeiras de Mao Zedong, amplamente proclamada em maio de 1956 pelo membro suplente do Birô Político do PCCh, Lu Dingyi, constituiu a variante chinesa da teoria e da prática burguesa-revisionista sobre a “livre circulação de ideias e pessoas”, sobre a coexistência de uma miscelânea de ideologias, tendências, escolas e grupos dentro do socialismo(1).
Muitas vezes depois, voltei a esse período da história do Partido Comunista da China, tentando descobrir como e por que a linha profundamente revisionista de 1956 pareceu mudar de direção e, por algum tempo, tornou-se “pura”, “antirrevisionista” e “marxista-leninista”. É um fato, por exemplo, que em 1960 o Partido Comunista da China parecia estar se opondo fortemente às teses revisionistas de Nikita Khrushchev e confirmou que “estava defendendo o marxismo-leninismo” das distorções que estavam cometendo, etc. Foi justamente o fato de a China ter se manifestado contra o revisionismo moderno em 1960 e parecer estar aderindo às posições marxista-leninistas que fez com que nosso partido ficasse lado a lado com ela na luta que havíamos iniciado contra os khrushchevistas.
Entretanto, o tempo confirmou, e isso se reflete amplamente nos documentos de nosso partido, que em nenhum momento, seja em 1956 ou nos anos 1960, o Partido Comunista da China comportou-se ou agiu com base nas posições do marxismo-leninismo.
Em 1956, ela se apressou em assumir a bandeira do revisionismo, a fim de expulsar Khrushchev e conquistar para si o papel de dirigente do movimento comunista e operário internacional. Mas quando Mao Zedong e seus componentes principais perceberam que não sairiam facilmente triunfantes sobre o patriarca do revisionismo moderno, Khrushchev, por meio da disputa revisionista, os fizeram mudar de tática, fingiram rejeitar sua bandeira anterior, apresentaram-se como “marxista-leninistas puros”, esforçando-se, dessa forma, para conquistar as posições que não haviam conseguido conquistar com sua tática anterior. Quando essa segunda tática também não deu certo, eles “descartaram” sua segunda bandeira, supostamente marxista-leninista, e apareceram na arena como sempre foram, oportunistas, leais defensores de uma linha de conciliação e capitulação em relação ao capital e à reação. Veríamos todas essas coisas confirmadas na prática, por meio de uma longa, difícil e gloriosa luta que nosso partido travou em defesa do marxismo-leninismo.
Após o término dos procedimentos do congresso, eles nos levaram para visitar várias cidades e comunidades populares, como Pequim, Xangai, Tientsin, Nanquim, Port-Arthur etc., onde vimos a vida e o trabalho do grande povo chinês em primeira mão. Eram pessoas simples e trabalhadoras, com poucas pretensões, humildes e atenciosas com seus convidados. Pelo que os dirigentes chineses e as pessoas que nos acompanharam nos disseram, e pelo que pudemos ver por nós mesmos, parecia que eles haviam alcançado uma série de mudanças e desenvolvimentos positivos. No entanto, essas mudanças e desenvolvimentos não eram do nível que diziam ser, ainda mais se levarmos em conta o excepcional potencial humano do continente chinês e o desejo e a disposição do povo chinês para trabalhar.
Na China, eles conseguiram eliminar a fome em massa que sempre assolou o país, construíram usinas e fábricas e estavam organizando as comunas populares, mas era óbvio que o padrão de vida ainda era baixo, longe do nível, não apenas dos países socialistas desenvolvidos, mas até mesmo do nosso país. Nas visitas que fizemos por todo esse vasto país, nos contatos que tivemos com as massas, ficamos impressionados com o fato de que o comportamento delas era realmente bom, correto, mas observamos uma certa hesitação, tanto em relação a nós quanto em relação àqueles que nos acompanhavam. Era óbvio, por suas palavras e sua atitude em relação aos quadros, que algo do passado ainda estava presente. Ficou claro que os muitos séculos do passado, o poder absoluto dos imperadores chineses, dos senhores feudais e capitalistas, dos exploradores japoneses, americanos, britânicos e outros estrangeiros, o budismo e todas as outras filosofias reacionárias, das mais antigas às mais “modernas”, não só deixaram esse povo em um terrível atraso econômico, como também cultivaram a mentalidade escravagista de submissão, de crença cega e de obediência inquestionável a autoridades de todos os níveis em sua visão de mundo. É claro que essas coisas não podem ser eliminadas de uma só vez, e nós as consideramos como formas de atavismo, que seriam eliminadas da consciência desse povo, que, com suas qualidades positivas e com uma direção sólida, seria capaz de realizar milagres.
Além das reuniões com Mao Zedong e outros dirigentes chineses, durante os dias de nossa estada na China, também tivemos a oportunidade de nos reunir com várias delegações de partidos comunistas e de trabalhadores que participaram do 8º Congresso do PCCh.
Todos eles saudaram com entusiasmo a “nova linha” do período após o 20º Congresso.
Os búlgaros a chamaram de “linha de abril”, pois haviam organizado uma Plenária de seu Comitê Central naquele mês, no qual deram fim às posições de Blagoyev e Dimitrov e adotaram a linha khrushchevista.
— Reabilitamos Traycho Kostov, porque não conseguimos encontrar nenhuma prova de sua culpa, — exclamou Anton Yugov.
Ele falou como se estivesse um pouco apreensivo. Aparentemente, ele sentiu que, mais cedo ou mais tarde, eles o derrubariam, a fim de aproveitar toda a linha revisionista que havia sido preparada na Bulgária de acordo com as ordens de Khrushchev. Dej, o homem da Cominform, que alguns anos antes havia proferido o informe denunciando a atividade dos revisionistas de Belgrado, agora tinha feito as pazes com Tito em Bucareste e estava se preparando para beijá-lo na Iugoslávia.
— Estou indo para Belgrado para conhecer Tito! — ele nos disse, assim que nos encontramos em Pequim, onde ele também foi convidado para o congresso. — Tito é um bom camarada, não como Kardelj e Popović, — continuou. (Três meses antes, tínhamos ouvido isso em russo, e agora tínhamos que ouvir em romeno também!) — Quando Tito foi para Moscou em junho, — continuou Dej, — nós o convidamos para ficar em Bucareste também e conversar conosco, mas ele não aceitou. Então, o que fizemos? Reunimos toda a direção do partido e do estado e fomos encontrá-lo na estação ferroviária. O que Tito poderia fazer, ele estava encurralado! E nós o obrigamos a ficar não apenas 45 minutos para descansar, como ele havia planejado, mas duas horas inteiras! — “Uma bela ‘obrigação’ que vocês impuseram a Tito”, eu disse a mim mesmo. — Quando o camarada Tito estava prestes a voltar da União Soviética, ele nos informou que queria ficar para conversar em Bucareste. Acolhemos esse pedido, o encontramos e conversamos com ele... — e Dej continuou a nos dar todos os detalhes sobre como as coisas foram resolvidas com Tito.
— Agora que eu mesmo estou indo para Belgrado, gostaria que eu falasse por você? — me perguntou.
— Se quiser falar em nosso nome, — eu disse a Gheorghiu Dej, — diga a ele para desistir de suas atividades conspiratórias e secretas contra a República Popular da Albânia e o Partido do Trabalho da Albânia. Diga-lhe que, antes e depois da Conferência de Tirana, os diplomatas iugoslavos estavam envolvidos em atividades perversas... — e contei-lhe brevemente o que havia ocorrido em nosso país após o 20º Congresso.
— É sério? — eu vi que ele estava chateado. Ele não estava satisfeito com o fato de eu ter denunciado Tito. Dej também demonstrou os mesmos sentimentos mais tarde, quando o encontrei depois que ele fez sua tão desejada visita de reconciliação a Belgrado e se colocou do lado de Tito. Alguns meses depois dessa visita, passei por Bucareste, onde encontrei e conversei com Dej e Bodnaras.
No decorrer das conversas, Bodnaras (Emil, o mais velho) começou a me dizer que eles haviam estado com Tito e que, nas conversas com ele, o assunto era a Albânia.
— Tito falou bem e com muita simpatia pelo seu país, de seu povo heroico, — contou Bodnaras, — e expressou seu desejo de manter boas relações com vocês. — Em outras palavras, esse “porta-voz” titoísta estava se tornando um intermediário para a conciliação com Tito, tentando conseguir o que Khrushchev não havia conseguido.
Coloquei Bodnaras em seu lugar, dizendo-lhe que estaríamos lutando até o fim contra Tito e o titoísmo, porque ele era um renegado do marxismo-leninismo.
— De nossa parte, não haverá conciliação com Tito. — disse eu sem rodeios a Bodnaras.
Durante o tempo em que eu estava falando sobre Tito para Bodnaras, observei que Dej estava rabiscando com um lápis em um pedaço de papel branco, sem dúvida por causa da irritação, mas ele não falou nada — minhas palavras tinham um gosto amargo para ele.
Mas voltemos à China, às reuniões que tivemos naqueles dias com outros companheiros dos partidos irmãos.
Foi interessante: todos que conhecemos estavam falando sobre reabilitações e Tito. Até mesmo Zhou Enlai nos disse em uma reunião que tivemos com ele:
— Tito me convidou para visitar a Iugoslávia e eu aceitei o convite. Se você concordar, posso ir à Albânia também, nesta ocasião.
— Concordamos de todo o coração que você deve vir à Albânia, — dissemos a ele e agradecemos pela proposta, embora não nos parecesse nada agradável que o Primeiro-Ministro da China relacionasse sua vinda à Albânia “com a ocasião” de sua visita à Iugoslávia.
No entanto, como escrevi acima, era a época em que a febre do revisionismo havia contagiado a todos, e todos estavam tentando ir a Belgrado o mais rápido possível para receber a bênção e a “experiência” do veterano do revisionismo moderno. Um dia, Scoccimarro veio até mim e reclamou que Togliatti tinha ido para Belgrado, mas não tinha se dado bem com Tito.
— O que você quer dizer com isso? — perguntei, não sem ironia. — Eles brigaram?
— Não, — respondeu, — mas eles não concordaram com tudo. No entanto, de nossa parte, enviaremos uma delegação a Belgrado para adquirir experiência.
— Em que direção? — perguntei.
— Os camaradas iugoslavos combateram a burocracia de forma eficaz e agora não há burocracia na Iugoslávia, — respondeu.
— Como você sabe que não há burocracia lá? — perguntei.
— Porque lá os trabalhadores também obtêm lucros, — foi essa porcaria a sua resposta. Falei a ele sobre a posição do nosso partido em relação a esse problema, mas o italiano só conseguia pensar em Tito. Mehmet interveio e lhe perguntou:
— Por que vocês querem enviar pessoas “para adquirir experiência” apenas na Iugoslávia? Por que não enviaram essas delegações também para os países de democracia popular, como a Albânia, por exemplo?
O camarada italiano ficou confuso por um momento e depois encontrou a solução:
— Nós as enviaremos, — tergiversou, — por exemplo, a experiência da China em relação à conciliação da classe operária com a burguesia nacional e do partido comunista com os outros partidos democráticos é muito valiosa para nós. Nós a estudaremos...
Ele havia acertado em cheio. E, a partir de agora, os revisionistas italianos poderiam ir não apenas à Iugoslávia e à China, mas a todos os lugares, para dar e receber experiência da traição à causa do proletariado, da revolução e do socialismo. Somente em nosso país eles não vieram e não tinham motivo para vir, porque somente o marxismo-leninismo é implementado em nosso país. Mas, evidentemente, essa experiência não é útil para eles.
Em 3 de outubro de 1956, partimos em nossa viagem de volta. Toda essa viagem nos deixou ainda mais convencidos das grandes e perigosas proporções que o revisionismo moderno khrushchevista havia assumido.
Em Budapeste, vimos uma das consequências monstruosas da “nova linha” khrushchevista-titoísta: a contrarrevolução. Ela estava fervendo há muito tempo e agora estava prestes a explodir.