Resumo de: Uma nova antiga entrevista

Ernesto Che Guevara

18 de abril de 1959


Primeira Edição: Editora: Shih-chieh Chih-shih (Conhecimento Mundial), 5 de junho de 1959

Tradução: Talita Guglak da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/guevara/1959/04/18-abs.htm

HTML: Fernando Araújo.

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Dois jornalistas chineses, K'ung Mai e Ping An, entrevistaram Che Guevara em sua casa em 18 de abril de 1959, ou, segundo eles, na "108ª noite após a vitória da revolução". A Peking Radio e a New China News Agency em Londres forneceram resumos e algumas citações diretas dele, apesar de que a entrevista não foi publicada em nenhum dos três principais jornais de Pequim. A Reforma Agrária, da qual Guevara fala no futuro, tornou-se lei em 17 de maio de 1959, ou seja, no intervalo entre a concessão da entrevista e sua publicação na China.

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Repórter: Você poderia nos contar como Cuba alcançou sua vitória revolucionária?

Guevara: Claro. Comecemos no momento em que me juntei ao Movimento 26 de Julho no México. Antes da perigosa travessia no Granma, as opiniões sobre a sociedade dos membros dessa organização eram bastante diferentes. Lembro que, em uma discussão franca dentro de nossa família no México, sugeri que devíamos propor um programa revolucionário ao povo cubano. Jamais me esqueci como um dos participantes do ataque ao acampamento do exército de Moncada respondeu naquela época. Ele me disse: “Nossa ação é muito simples. O que queremos fazer é iniciar um golpe de estado. Batista deu um golpe e em apenas uma manhã assumiu o governo. Devemos dar outro golpe e expulsá-lo do poder... Batista fez cem concessões aos americanos, e faremos cento e uma”. Naquela época, argumentei com ele, dizendo que devíamos fazer um golpe baseado em princípios e, ao mesmo tempo, entender claramente o que faríamos após assumir o governo. Era esse o pensamento de um dos membros da primeira etapa do Movimento 26 de Julho. Aqueles que tinham a mesma visão e não a mudaram, mais tarde deixaram nosso movimento revolucionário e adotaram outro caminho.

A partir daí, a pequena organização que mais tarde fez a travessia no Granma encontrou dificuldades parecidas. Além da interminável repressão das autoridades mexicanas, havia também uma série de problemas internos, como aquelas pessoas que foram aventureiras no início, mas depois usaram um pretexto e outro para romper com a expedição militar. Ao fim, no momento da travessia do Granma restaram apenas oitenta e duas pessoas na organização. O pensamento aventureiro daquela época foi a primeira e única catástrofe encontrada dentro da organização durante o processo de início do levante. Sofremos com o golpe. Mas nos reunimos novamente na Sierra Maestra. Durante muitos meses, o modo de nossas vidas nas montanhas era muito irregular. Subimos de um pico da montanha a outro, em meio à seca, sem uma gota d'água. Sobreviver era muito difícil, simplesmente.

Os camponeses que tiveram de suportar a perseguição das unidades militares de Batista começaram, gradualmente, a mudar sua atitude em relação a nós. Eles fugiram para nós em busca de refúgio para participar de nossas unidades de guerrilha. Desta forma, nossa base passou de pessoas da cidade para camponeses. Ao mesmo tempo, à medida que os camponeses começavam a participar na luta armada pela liberdade de direitos e justiça social, apresentamos o lema certo - reforma agrária. Esse lema mobilizou as massas cubanas oprimidas a se apresentarem e a lutarem para tomar a terra. A partir dessa época, o primeiro grande plano social foi determinado e mais tarde tornou-se a bandeira e a ponta de lança principal do nosso movimento.

Foi exatamente nessa época que aconteceu uma tragédia em Santiago de Cuba; nosso camarada Frank País foi assassinado. Isso resultou em um ponto de inflexão em nosso movimento revolucionário. O povo enraivecido de Santiago saiu sozinho pelas ruas e convocou a primeira greve geral de inclinação política. Ainda que a greve não tenha tido um líder, ela paralisou toda a Província de Oriente. O governo ditatorial reprimiu o incidente. Esse movimento, no entanto, nos fez entender que a participação da classe trabalhadora na luta para alcançar a liberdade era absolutamente essencial! Começamos então a realizar um trabalho secreto entre os trabalhadores, preparar outra greve geral, ajudar o Exército Rebelde a tomar o governo.

As atividades secretas e vitoriosas do Exército Rebelde abalaram todo o país, todas as pessoas agitaram-se, levando à greve geral de 9 de abril do ano passado. No entanto, a greve falhou devido à falta de contato entre os líderes e as massas trabalhadoras. A experiência ensinou aos líderes do Movimento 26 de Julho uma verdade valiosa: a revolução não deve pertencer a esta ou àquela panelinha específica, ela deve ser a realização de todo o povo cubano. Essa conclusão inspirou os membros do movimento a trabalharem ainda mais, tanto nas planícies quanto nas montanhas. Nessa época, começamos a educar nossas forças na teoria e na doutrina revolucionária. Tudo isso mostrou que o movimento rebelde já havia crescido e já estava até começando a alcançar maturidade política.

Cada pessoa no Exército Rebelde lembrou seus deveres básicos na Sierra Maestra e outras áreas: melhorar a condição dos camponeses, participar na luta para tomar terras e construir escolas. A Lei Agrária foi experimentada pela primeira vez, usando métodos revolucionários confiscamos as vastas posses dos oficiais do governo ditatorial e distribuímos aos camponeses todas as terras controladas pelo Estado na área. Nessa época, despertou-se um movimento camponês, intimamente ligado à terra, com a reforma agrária como sua bandeira...

Cumprir inteiramente a lei que prevê a abolição do sistema latifundiário será responsabilidade das próprias massas camponesas. A atual Constituição Estadual prevê compensação monetária obrigatória sempre que as terras são retiradas, e a reforma agrária sob esta será lenta e difícil. Agora, após a vitória da revolução, os camponeses que alcançarem sua liberdade devem erguer-se em ação coletiva e exigir democraticamente a abolição do sistema latifundiário e a realização de uma reforma agrária verdadeira e vasta.

Repórter: Quais são os problemas que a Revolução Cubana enfrenta agora, e quais são suas responsabilidades atuais?

Guevara: A primeira dificuldade é que nossas novas ações devem estar engajadas nas antigas bases. O regime anti-povo de Cuba e o exército já foram destruídos, mas o sistema social ditatorial e as bases econômicas ainda não foram abolidos. Alguns idosos ainda trabalham dentro da estrutura nacional. A fim de proteger os frutos da vitória revolucionária e permitir o desenvolvimento interminável da revolução, precisamos dar mais um passo em nosso trabalho para retificar e fortalecer o governo. Segundo, o que o novo governo assumiu foi uma completa bagunça. Quando Batista fugiu, ele surrupiou o tesouro nacional, deixando sérias dificuldades nas finanças nacionais. Terceiro, o sistema terrestre de Cuba é aquele em que os latifundiários detêm grandes quantidades de terra, ao passo que muitas pessoas estão desempregadas. Quarto há ainda discriminação racial em nossa sociedade que não é benéfica aos esforços de alcançar a unificação interna do povo. Quinto, nossos aluguéis de casas são os mais altos do mundo, uma família tem, com frequência, que deixar mais de um terço de sua renda para o aluguel. Em suma, a reforma das bases da economia da sociedade cubana é muito difícil e levará muito tempo.

Ao estabelecer a ordem da sociedade e democratizar a vida nacional, o novo governo adotou muitas medidas positivas. Temos nos esforçado muito para restaurar a economia social. Por exemplo, o governo aprovou uma lei que reduz o aluguel em 50%. Ontem foi aprovada uma lei que regulamenta as praias para cessar os privilégios de um pequeno número de pessoas que ocupam as terras e os litorais.

O mais importante é a Lei da Reforma Agrária, que em breve será promulgada. Além disso, encontraremos o Instituto Nacional da Reforma Agrária. Nossa reforma agrária aqui ainda não é tão incisiva, não é tão minuciosa quanto à da China. Ainda sim, deve ser considerada a mais progressista na América Latina.

Repórter: Como Cuba lutará contra inimigos reacionários nacionais e estrangeiros? Quais são as perspectivas da revolução?

Guevara: A Revolução Cubana não é uma revolução de classes, mas um movimento de libertação que derrubou um governo ditatorial e tirânico. O povo detestava o governo ditatorial de Batista, apoiado pelos americanos, do fundo de seus corações e assim levantou-se e o derrubou. O governo revolucionário recebeu imenso apoio de todos os estratos de pessoas porque suas medidas econômicas abarcaram as exigências de todos e melhoraram gradualmente a subsistência do povo. Os únicos inimigos restantes no país são os latifundiários e a burguesia reacionária. Eles se opõem à reforma agrária que vai contra seus próprios interesses. Essas forças reacionárias internas podem unir-se às provocações em desenvolvimento das forças reacionárias estrangeiras e atacar o governo revolucionário.

Os únicos inimigos estrangeiros que se opõem à Revolução Cubana são as pessoas que monopolizam o capital e que têm representantes no Departamento de Estado dos Estados Unidos. A vitória e o contínuo desenvolvimento da Revolução Cubana fizeram com que essas pessoas entrassem em pânico. Eles não aceitam voluntariamente a derrota e estão fazendo tudo que é possível para manter seu controle sob o governo e sob a economia cubana e bloquear a grande influência da Revolução Cubana nas lutas do povo em outros países latino-americanos...

Nossa revolução deu exemplo a todos os outros países da América Latina. A experiência e as lições de nossa revolução fizeram com que uma mera conversa das cafeterias fosse dispersas como fumaça. Provamos que uma revolta pode começar mesmo quando há um pequeno grupo de pessoas destemidas com uma vontade perseverante; que é apenas necessário ganhar o apoio das pessoas que podem então competir com, e no final derrotar o disciplinado exército regular do governo. Também é necessário realizar uma reforma agrária. Essa é outra experiência que nossos irmãos latino-americanos devem absorver. Na frente econômica e na estrutura agrícola eles estão na mesma etapa que nós.

As atuais indicações são bastante claras de que agora estão se preparando para intervir em Cuba e destruir a Revolução Cubana. Os nefastos inimigos estrangeiros têm um método antigo. Primeiro eles começam com uma política ofensiva, propagando-a amplamente e dizendo que o povo cubano se opõe ao comunismo. Esses falsos líderes democratas dizem que os Estados Unidos não podem permitir um país comunista em seu litoral. Ao mesmo tempo, intensificam seu ataque econômico e fazem Cuba entre em dificuldades financeiras. Em seguida, eles procurarão um pretexto para criar algum tipo de disputa e, então, utilizar certas organizações internacionais, que eles controlam, para realizar uma intervenção contra o povo cubano. Não temos que temer um ataque de um pequeno país vizinho ditatorial, mas de certo país grande, usando certas organizações internacionais e certo tipo de pretexto a fim de intervir e minar a Revolução Cubana...

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Inclusão: 22/10/2020