MIA> Biblioteca> Antonio Gramsci > Novidades
Tradução: Elita de Medeiros - da versão disponível em https://www.marxists.org/archive/gramsci/1926/10/letter-togliatti.htm
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Querido Ercoli:(1)
Recebi sua carta do dia 18. Estou respondendo pessoalmente, embora satisfeito por expressar a opinião de outros camaradas. Sua carta me parece muito abstrata e esquemática em seu raciocínio. O nosso ponto de partida, e que me parece correto, é que em nos nossos países existem não apenas partidos, entendidos como organizações técnicas, também existem as grandes massas trabalhadoras, politicamente estratificadas de forma contraditória, mas, no conjunto, com tendência para a unidade. Entre os elementos mais dinamizadores do processo unitário está a existência da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), combinada com a atividade real da CCPCUS (Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética) e a convicção generalizada de que a URSS está a caminho do socialismo. Na medida em que nossos partidos representam todo o complexo de atividades da URSS, têm uma influência determinante em todas as camadas políticas, representando a tendência unitária que progride em um terreno histórico fundamentalmente favorável, apesar das superestruturas contrárias.
Mas não há necessidade de acreditar que este elemento, que faz do CCPCUS o mais potente organizador de massas que já apareceu na história, já adquiriu uma forma estável e decisiva: pelo contrário - ainda está instável. Não devemos esquecer que a Revolução Russa já existe há nove anos, e que sua atividade atual é um amálgama de atos políticos e governamentais parciais, que somente uma consciência teórica e política altamente desenvolvida pode compreender como um todo e em seu movimento conjunto em direção ao socialismo. Não apenas para as grandes massas trabalhadoras, mas para uma parte notável dos membros dos partidos ocidentais, que se diferenciam das massas apenas pelo passo inicial radical em direção a uma consciência política desenvolvida, que é a entrada no Partido - o movimento geral da Revolução Russa é concretamente representado pelo fato de que o partido russo avança de forma unitária; que os homens representativos, que as massas conhecem e habituaram a conhecer, trabalhem e avancem juntos. A questão da unidade, não só do Partido Russo, mas do núcleo leninista é, portanto, uma questão da maior importância em nível internacional. Do ponto de vista das massas, esta também é a questão mais importante neste período histórico, de um processo intensificado e inconsistente em direção à unidade.
É possível e provável que a unidade não possa ser preservada, pelo menos não na forma como era no passado. Também é verdade que, no entanto, o mundo não entrará em colapso, e que é necessário preparar os camaradas e as massas para a nova situação. Isso não tira o que é nossa obrigação absoluta, que é energicamente chamar a atenção da consciência política dos camaradas russos para os perigos e fraquezas que suas atitudes estão prestes a causar. Seríamos revolucionários pobres e irresponsáveis se permitíssemos passivamente o cumprimento de um fato consumado, justificando sua necessidade a priori. Que o cumprimento de tal obrigação da nossa parte fosse útil também à Oposição, de forma subordinada, só nos preocuparia até certo ponto. De fato, é nosso objetivo contribuir para a construção e manutenção de um plano unitário, no qual as diversas tendências e personalidades também possam se reunir e se fundir ideologicamente. Mas não acho que em nossa carta - que obviamente deve ser lida na íntegra e não em pedaços - haja o menor perigo de enfraquecimento da posição da maioria do CC. Em qualquer caso, tendo em conta a possibilidade de tal comparecimento, em carta anexa autorizo-o a modificar o formulário. Você pode muito bem separar as duas partes e colocar nossa afirmação da “responsabilidade” da Oposição no início de nossa afirmação. Este seu modo de raciocínio causou-me uma impressão muito angustiante.
Eu ainda gostaria de dizer a você que não há em nós a menor sombra de alarmismo, mas apenas uma reflexão bem pensada e fria. Temos certeza de que, de forma alguma, o mundo entrará em colapso, mas me parece que seria tolice avançar apenas se o mundo estivesse para entrar em colapso. No entanto, nenhuma frase pronunciada pode nos desviar da ideia de que estamos seguindo a linha correta, a linha leninista, na forma como consideramos a questão russa. A linha leninista consiste em lutar pela unidade do Partido, não apenas pela unidade externa, mas por uma unidade um pouco mais íntima, que consiste em não haver duas linhas políticas completamente divergentes, no Partido, em todas as questões. Quando se trata de assuntos relacionados com a direção ideológica e política da Internacional, com o que diz respeito à hegemonia do proletariado, esse é o conteúdo social do Estado, não só em nossos países, mas também na Rússia, a unidade do Partido é a condição existencial.
Você confunde os aspectos internacionais da Questão Russa, que são um reflexo do fato histórico dos laços das massas trabalhadoras com o primeiro Estado socialista, com e os problemas de organização internacional na área sindical e política. As duas ordens, de fato, são estritamente coordenadas, mas são, no entanto, distintas. As dificuldades encontradas, e que se constituíram no nível organizacional mais restrito, dependem das oscilações que ocorrem na planície maior da ideia difundida entre as massas de redução do prestígio do Partido Russo em algumas áreas populares. Como método, procuramos apenas falar dos aspectos mais gerais. Queríamos evitar cair na escolástica, que muitas vezes surge em alguns documentos de outros partidos, e que tira toda a seriedade de suas intervenções. Portanto não é verdade, como você diz, que somos muito otimistas sobre a real bolchevização do proletariado ocidental. O processo de bolchevização é tão lento e difícil que todo obstáculo, por menor que seja, o impede ou retarda. A discussão russa e a ideologia das Oposições desempenham papel maior nesse abrandamento e detenção, na medida em que as Oposições representam, na Rússia, todos os velhos preconceitos do corporativismo de classe e sindicalismo que pesam sobre as tradições do proletariado ocidental, e abrandam seu desenvolvimento ideológico e político. Nossas observações foram totalmente contra as oposições. É verdade que as crises do proletariado, também do Partido Russo estão ligadas à situação objetiva, mas o que isso significa? Talvez devêssemos, assim, encerrar a luta e parar nossos esforços para modificar favoravelmente os elementos subjetivos. Mas o bolchevismo também consiste precisamente em manter a cabeça no lugar, e ser ideológica e politicamente firme, também em situações difíceis. A sua observação é, portanto, inútil e sem qualquer valor, como a contida no ponto 5, visto que falamos das grandes massas e obviamente não da vanguarda proletária. Portanto, de forma subordinada, também existe a dificuldade para isso, que não é uma questão ociosa, mas está ligada às massas; e existe tanto mais na medida em que o reformismo está mais arraigado no Ocidente do que na Rússia, com sua tendência ao corporativismo de classe, que é a falta de compreensão do papel dirigente da vanguarda, papel que devemos preservar, mesmo ao preço de sacrifícios. Você esqueceu das condições técnicas em que o trabalho de muitos partidos se desenvolveu, e que não permitem a difusão das mais elevadas questões teóricas senão em pequenos círculos de trabalhadores. Todo o seu raciocínio está corrompido pelo “burocratismo”: hoje, nove anos depois de outubro de 1917, não é mais o fato da tomada do poder pelos bolcheviques que pode revolucionar as massas ocidentais, porque isso já foi levado em conta e produziu seus efeitos; hoje, ideológica e politicamente, está ativa a convicção (se é que existe) de que, uma vez que o poder seja conquistado, o proletariado pode construir o socialismo. A autoridade do Partido está ligada a esta convicção, que não pode ser inculcada nas grandes massas com métodos pedagógicos escolásticos, mas apenas através da pedagogia revolucionária; isto é, pelo fato político de que o Partido Russo e sua totalidade está persuadida e luta unitariamente. Lamento sinceramente que nossa carta não tenha sido entendida por você em primeiro lugar, e que você, no esboço de minha carta pessoal, não procurou entender melhor. Nossa carta era, em sua totalidade, uma requisição contra as oposições; algo não feito em termos demagógicos, e justamente por isso mais eficaz e sério. Peço-lhe que inclua no processo, além do texto italiano da carta e da minha carta pessoal, este também.
Cordiais saudações,
Antonio
Nota da tradução:
(1) No vocativo da carta, Gramsci o chama de Ercoli, que corresponde a Hércules em italiano, e era um dos pseudônimos com os quais Togliatti assinava suas publicações, conforme a Enciclopédia Treccani de cultura italiana (ver <https://www.treccani.it/enciclopedia/palmiro-togliatti>). (retornar ao texto)