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Primeira Edição: Editorial sem assinatura atribuído à Gramsci, que apareceu em L’Ordine Nuovo em 10 de julho de 1920.
Fonte: TraduAgindo -
Tradução: Ian Cartaxo - da versão disponível em Viewpoint Magazine - https://viewpointmag.com/2020/05/28/pessimism-of-the-will/
HTML: Fernando Araújo.
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A ação direta das massas só pode ser eminentemente destrutiva. Se as massas assumirem a palavra de ordem que os levem a ter o controle das atividades públicas e privadas da classe capitalista, sua ação pode apenas culminar com a destruição da máquina estatal. O proletariado assumiu a palavra de ordem: foi necessário assumir o controle do tráfego para impedir a chegada de armas e munições direcionadas aos inimigos da Revolução Russa, para impedir a chegada de suprimentos aos magnatas latifundiários da Hungria, para prevenir o movimento de tropas destinadas à reativar a guerra nos Bálcãs e em toda a Europa; era inevitável que isso iria levar aos eventos de Ancona, à insurreição armada.
A ação direta das massas é revolucionária precisamente porque é eminentemente destrutiva. Como a classe trabalhadora não tem poder sob a administração industrial, é apenas natural que vise destruir a disciplina industrial, toda a disciplina industrial, quando revelado seu poder econômico; uma vez que, a classe trabalhadora ocupa no exército a mesma posição que ocupa na fábrica, pois tanto na fábrica quanto no exército a classe trabalhadora deve se submeter a uma disciplina e a uma lei que não vêm contribuindo à sua formação, é apenas natural que vá tender à destruição dessa disciplina militar, e destruí-la completamente; já que todo o aparelho estatal burguês é completamente hostil e estranho às massas proletárias, é apenas natural que toda a ação revolucionária que vise tomar o controle direto das atividades governamentais fosse ao fim levar à completa destruição do aparelho estatal burguês, frente à insurreição armada.
Os comunistas estão bem convencidos de que isso precisa acontecer, que não poderia ocorrer de outra maneira; portanto, os comunistas não têm medo da ação direta das massas e da inevitável destruição que a acompanha. Que se tenha medo do inesperado e do imprevisível, não daquilo que é esperado como uma necessidade e da qual tenta-se construir: da qual nós buscamos construir para poder ter controle da realidade que se espera surgir, para assegurar que a destruição possua conscientemente os elementos e a vontade para a reconstrução, para assegurar que a violência não é estéril e uma ação de fúria cega, mas que é a própria liberação de um poder político e econômico, que venha a estabelecer as condições para o seu próprio desenvolvimento.
A palavra de ordem para o controle da atividade governamental levou à greves ferroviárias, à greves gerais resultadas das greves ferroviárias, que levaram à insurreição de Ancona. Como a Confederação Geral do Trabalho (como exemplo: o secretário atuante) tem uma concepção do controle dos trabalhadores como a de um jardineiro inglês, como a Confederação Geral do Trabalho quer um controle bem comportado, que represente a liberdade, ordem e democracia, a Confederação emitiu imediatamente essa circular: “Pela Hungria e pela Rússia nós podemos apenas fazer o que podemos não o que queremos. Parece-nos que descarrilhar todos os carros, com o acréscimo de serem difíceis de se fazer na prática, trariam consequências (!) e complicações (!?!). Suas ações devem, portanto, ser limitadas ao que é possível, a tudo que é possível enquanto se evite complicações.” A economia precede a política; como os reformistas e oportunistas possuem todo o mecanismo do movimento dos trabalhadores italianos em suas mãos, os reformistas e oportunistas possuem o poder do Partido Socialista em suas mãos, impondo orientações e táticas no Partido: a ação partidária colapsou, o movimento de massas serviu ao grupo parlamentar, para permitir que colhessem vitória atrás de vitória, serviu para consolidar as posições da ala de deputados reformistas e de facilitar – eles estando ainda mais consolidados com os louros – de ascender ao poder governamental. O que ocorre é que devido a incapacidade política dos componentes da liderança, todo dia que passa o Partido Socialista Italiano perde mais de sua força e poder organizacional junto às massas, o que fez com que o Congresso Anarquista de Bolonha tivesse tamanha importância para as massa proletárias, e assim será se os grupos comunistas não reagirem energicamente, acabando o partido por perder o controle sob as massas, fazendo com que elas, não tendo guia, sejam levadas, na conclusão dos acontecimentos, a uma condição pior do que a das massas da Áustria e da Alemanha.
Nós, do L’Ordine Nuovo e os socialistas de Turim em geral, fomos apresentados ao proletariado italiano, depois dos movimentos de abril, como um grupelho fanático, agitador e indisciplinado. Como os líderes das direções centrais não se preocupam com o que acontece junto aos industriais e com o que ocorre com os trabalhadores, já que eles vêm a história como um desenrolar das operações ideológicas abstratas (classes em geral, o partido em geral, humanidade em geral) e não a partir da ação real de homens reais chamados Pedro, Paulo e João e que são o que eles realmente são, e não a partir da ação de determinadas comunidades rurais e urbanas no espaço-tempo, que mudam (e mudam rapidamente nos tempos atuais) com a mudança nos lugares, no passar dos meses e até semanas. Esses líderes não preveem nada disso, acabam somente vendo o rabo do diabo em todos os eventos, acabam por depositar a sua responsabilidade histórica nos ombros de múltiplos grupos “anarquoides” indisciplinados. Enquanto isso, a seção socialista de Turim teve o mérito de formular uma ação para tomar o controle sindical dos reformistas, prevendo (uma fácil previsão) de que no momento final os chefes sindicais sabotariam a vontade do partido e das massas; essa ação não teve os resultados que deveriam ter tido justamente por causa da intervenção da liderança partidária. A seção de Turim, acusada de indisciplina depois do movimento de abril, já tinha preparado antes do movimento um informe para a Coordenação Nacional na qual condenava duramente a liderança por não ter dedicado qualquer preocupação à organização revolucionária e à construção de uma disciplina responsável e fortemente centralizada. Infelizmente, esse informe da seção de Turim é ainda relevante; os últimos acontecimentos representam as agravadas repetições dos eventos de abril em Turim, tornando-as ainda mais relevantes do que poderíamos imaginar, incluindo esse parágrafo: “O partido político da classe trabalhadora apenas justifica sua existência se através da fortemente centralizada e coordenada ação proletária, possa contrapor uma potência revolucionária de facto ao poder legal do Estado burguês, que limita sua liberdade de iniciativa e manobra. Se o Partido falhar nos esforços em unificar e coordenar, se revelando como uma simples instituição burocrática, sem alma ou vontade, a classe trabalhadora vai instintivamente se movimentar para construir outro partido e mudar suas alianças para junto das tendências anarquistas, as mesmas que incessantemente e amargamente criticam a centralização e a burocracia dos partidos políticos.”
O Partido carece de organização e de propaganda para uma organização revolucionária, que corresponda à configuração das massa proletárias nas fábricas, nos quartéis, nos escritórios, que seja, portanto, capaz de treinar as massas visando a ruptura revolucionária. O Partido, até agora, como não busca se fundir com as massa proletárias de forma vital, continua a conservar em suas assembleias – que só se reúnem ocasionalmente e que não podem possivelmente controlar as ações dos chefes sindicais – as figuras de um grupo meramente parlamentar do Partido, que está com medo de ações diretas por estarem cheias de eventos imprevisíveis, o que os força a tomar passos atrás todos os dias permitindo o renascimento do mais pomposo e frágil reformismo, assim como da propaganda colaboracionista mais imbecil.
Um esforço enorme deve ser feito pelos grupos comunistas no Partido Socialista, que é o que é, em uma análise final, porque a Itália é um país economicamente atrasado como um todo. A palavra de ordem: “pessimismo do intelecto, otimismo da vontade” deve se tornar a palavra de ordem de todo comunista consciente dos esforços e sacrifícios demandados daqueles que voluntariamente assumem postos de militantes nas fileiras da classe trabalhadora.