Só Há Uma Solução Para o Povo

Maurício Grabois

09 de fevereiro de 1952


Fonte: Jornal Voz Operária (RJ), 09 de fevereiro de 1952.

Transcrição: Leonardo Faria Lima

HTML: Fernando Araújo.


Faz um ano que o velho opressor e explorador do povo brasileiro, o latifundiário Vargas, tomou posse como chefe do governo.

Há doze meses, o empedernido tirano empolgava o poder através de interna e cínica demagogia, fazendo sem o menor escrúpulo toda espécie de promessas, explorando com a mais deslavada má-fé os profundos sentimentos anti-imperialistas de nosso povo e as aspirações das grandes massas a uma vida melhor. O politiqueiro da República Velha, o ditador sem entranhas do Estado Novo, às vésperas das eleições de outubro de 1950, afivelava à face nova máscara e apresentava-se sem qualquer cerimônia aos trabalhadores como defensor dos interesses nacionais e das reivindicações populares. “Trago-vos a bandeira das reinvindicações sociais e do nacionalismo econômico” afirmava com descaramento o candidato Vargas aos eleitores que ansiavam por um novo regime social e desejavam a emancipação do país do jugo imperialista. Vargas proclamava-se solenemente “candidato do povo” e declarava não ser candidato “nem dos milionários, nem dos interesses privados de grupo”.

Passado um ano do dia em que se empossava como o presidente da República, Vargas revela-se de corpo inteiro o que verdadeiramente sempre foi: um impiedoso inimigo do povo, um declarado agente dos plutocratas e militaristas ianques, um servidor incondicional dos latifundiários e grandes capitalistas. Esse período de governo de Vargas foi um período de terríveis provações para o nosso povo. Foram doze meses de fome, miséria e terror para as massas trabalhadoras. Foi, igualmente, o mesmo número de meses de fabulosos lucros para as empresas imperialistas, para os magnatas e tubarões.

Basta esse ano de atividade do atual governo para confirmar, em toda a plenitude, a justeza das palavras de Prestes e de seu Partido, antes das últimas eleições presidenciais, de que Vargas continuaria a política de Dutra, política de traição nacional, de guerra e de entrega do país aos monopolistas norte-americanos, de esfomeamento e perseguições contra o povo.

Os atos do atual governo desmentem todas as afirmações demagógicas de Getúlio e negam todas as suas promessas de candidato. Na verdade, o governo de Vargas evidenciou ser um governo dos ricos contra os pobres. Desde o seu primeiro dia de governo, Vargas fazia justamente o contrário ao que prometera realizar. Ele que afirmara não ser candidato dos milionários, cercou-se de grandes burgueses e grandes fazendeiros, bilionários que vivem da exploração dos trabalhadores das cidades e do campo, os Lafer, os Jafet, os Cleofas(1) e outros sanguessugas da mesma laia.

Nunca, em período tão curto como o do atual governo, o custo de vida subiu em tal proporção. Getúlio, que se declarava candidato do povo e prometera categoricamente baratear as mercadorias de primeira necessidade, patrocinou durante todo o ano o aumento sucessivo, em ritmo indescritível, dos preços dos gêneros alimentícios indispensáveis à vida da população, levando a fome, a dor e o luto aos lares dos trabalhadores. Segundo estimativas dos próprios órgãos das classes dominantes, o custo de vida aumentou de cerca de 50 por cento em 1951.

A miséria nesse ano cresceu aceleradamente em uma parte da população, na parte que constitui esmagadora maioria – os trabalhadores. Só no Distrito Federal, segundo o Correio da Manhã, existem 500.000 desempregados. Ao mesmo tempo, na outra parte da população, que é uma ínfima minoria – os banqueiros, os grandes industriais, os grandes fazendeiros – acumularam-se, em escala jamais registrada no país, grandes lucros e imensas riquezas. Existem empresas que nesse ano de governo Vargas obtiveram 2 mil e 3 mil por cento de lucros sobre o capital. Enquanto isso, Getúlio procura atirar areia nos olhos das massas populares, tentando mais uma vez ludibriar o povo. Mas a sua demagogia não ilude mais, cai aos pedaços diante da ofensiva de fome que se verifica em todo o país.

Esse ano de governo demonstra, por sua vez, toda a submissão de Vargas ao imperialismo norte-americano. Getúlio, que tanto proclamou em palavras a luta anti-imperialista, o seu “nacionalismo econômico”, que a 7 de setembro chegou a afirmar a necessidade de realizar a independência econômica do Brasil, se denuncia, pelos atos, o mais servil lacaio dos senhores do capital monopolista ianque. É devido à política do governo, de capitulação aos seus amos do dólar, que está instalada na Capital da República a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos que controla, ditatorialmente, toda a economia do país, transformando-a num mero apêndice da economia de guerra norte-americana.

Getúlio, que durante a sua campanha eleitoral declarava enfaticamente ser partidário do monopólio estatal na exploração do petróleo brasileiro, é quem envia ao Congresso um projeto de lei que, na prática, entrega o nosso petróleo à Standard Oil. Apesar de seu “nacionalismo”, Vargas conclui acordos para entregar os minérios atômicos do Brasil aos Estados Unidos. O atual governo perdeu todo resquício de patriotismo e vende o país, em grosso e a retalho, aos imperialistas norte-americanos.

Esse ano de governo de Getúlio pôs a nu o seu caráter anti-operário. Dizendo-se amigo dos trabalhadores, dirigindo-se constantemente ao proletariado com apelos patéticos, na prática, Vargas e seu governo fazem a política dos patrões contra os operários. Enquanto em palavras pede aos trabalhadores que ingressem nos sindicatos e o ajudem a combater os tubarões, na realidade persegue atrozmente a classe operária, intervêm violentamente nos sindicatos, fecha sindicatos e associações profissionais, lança a polícia e tropas do exército contra grevistas que lutam por um pouco mais de pão, por suas legítimas reinvindicações.

No que se refere às massas camponesas, a quem Vargas fez tantas promessas, o governo limitou-se a criar uma pomposa Comissão Nacional de Política Agrária, que nenhum benefício traz aos trabalhadores do campo e, quando estes se levantam em defesa de suas reivindicações, o governo de Vargas lança contra eles o mais negro terror, como aconteceu com os camponeses de Porecatú(2). Nisto consiste a tão falada política agrária de Vargas. No campo administrativo, o governo Vargas caracterizou-se nesse ano pela corrupção, pelo mais completo descalabro, pelas negociatas e desfalques, como a do Fundo Sindical.

No terreno econômico e financeiro, continua o atual governo com a política de inflação, de concessões criminosas às empresas imperialistas e aos capitalistas norte-americanos, atravessando o país, do ponto de vista econômico, uma das situações mais graves de sua história.

Mas, onde a atividade do governo de Vargas se mostra mais impatriótica é no que se refere à sua política externa. Nesse terreno, Vargas não passa de um mero títere manejado pelos imperialistas norte-americanos. Sua política, da mais completa subserviência aos incendiários de guerra norte-americanos, faz com que a delegação brasileira na ONU não seja mais que um eco dos diplomatas atômicos dos Estados Unidos.

Essa política determina que o governo de Vargas se comprometa cada vez mais com os imperialistas a participar de suas aventuras guerreiras. Por isso, o governo de Vargas intensifica a preparação do país para a guerra, estando hoje, praticamente, as forças armadas brasileiras sob o controle de três oficiais-generais norte-americanos, o general Mullins Jr., o general Webster e o almirante Heinburg.

Grandes verbas são destinadas à compra de armamentos, de tanques, aviões e navios de guerra, em detrimento das realizações que podem beneficiar o povo, como escolas e hospitais, e de empreendimentos que favoreçam a indústria civil e o progresso do país.

Devido à política de traição nacional do governo de Vargas, hoje nada resta de nossa independência e soberania. Getúlio cumpre fielmente as ordens que recebeu do governo de Truman para impedir a realização no país da Conferência Continental pela Paz, enquanto negocia, à revelia do povo, um pacto militar com os Estados Unidos, comprometendo-se a entregar bases aéreas e navais brasileiras às forças armadas norte-americanas.

Na realização de sua política de guerra, o governo de Vargas não vacila em cometer os piores crimes contra o povo, em derramar o generoso sangue dos patriotas que lutam pela paz e a independência nacional, assassinando friamente partidários da paz.

Contra essa política do governo, o povo brasileiro e a classe operária, dirigidos pelo Partido Comunista do Brasil, tem lutado heroica e decididamente. Cresce em todo o país a vontade de paz do nosso povo, vontade que se expressa na ampliação e organização do movimento dos partidários da paz e nos milhões de assinaturas ao pé do Apelo por um Pacto de Paz. A luta das massas contra o envio de tropas brasileiras para a Coréia impediu que até agora Getúlio pudesse cometer esse hediondo crime. Aumenta cada vez mais a resistência do povo brasileiro à dominação imperialista e as massas trabalhadoras lutam corajosamente contra a exploração, a miséria e a carestia da vida. Durante o 1º ano de governo de Vargas, 500 mil trabalhadores lançaram-se em combativas greves por suas reivindicações mais sentidas. As massas populares realizam valentes demonstrações de rua contra a alta desenfreada do custo de vida, enquanto amplos setores da população lutam pelas liberdades democráticas.

Tudo isso evidencia que aumenta o descontentamento das massas contra o governo de Getúlio, contra o atual estado de coisas. Os setores da população que ainda acreditavam no governo de Getúlio perdem as suas últimas ilusões. O nosso povo procura uma saída para essa situação. Cria-se no país grande efervescência entre as massas trabalhadoras e marchamos, sem dúvida, para grandes e decisivas lutas.

Nesse momento, quando o governo de Getúlio, como a força mais representativa dos latifundiários e dos grandes capitalistas e como o mais forte esteio, no país, do imperialismo norte-americano, se desmascara perante o povo, como inimigo da paz, da independência nacional e do bem estar dos trabalhadores, é necessário apresentar com vigor e firmeza ao povo a única solução que existe para os problemas brasileiros, a solução de Prestes no Manifesto de Agosto, a conquista de um governo democrático popular.

É evidente que Vargas e sua camarilha são os principais responsáveis pelo atual estado de coisas no país, pela situação de miséria das massas, de colonização do Brasil e de ameaça de guerra que paira sobre o povo brasileiro. Mas a causa fundamental dessa situação é que o atual governo é um governo de latifundiários e capitalistas, forças interessadas no desencadeamento de uma nova guerra mundial e que se aliaram ao imperialismo norte-americano na exploração e opressão do povo brasileiro.

Na atual conjuntura só um governo democrático popular, um governo do povo – da classe operária, das massas camponesas, da pequena burguesia e de setores da burguesia nacional – é que pode efetivamente realizar uma política de paz, assegurar a independência nacional, impedir a carestia da vida, garantir as liberdades e o bem-estar das massas e encaminhar o país no caminho do progresso.

Por isso, ao mesmo tempo que lutamos com a maior amplitude pelas reivindicações mais sentidas das mais vastas massas, pelo aumento de salário, pela baixa do arrendamento, contra a carestia da vida, pelas liberdades, contra a entrega do petróleo à Standard Oil, contra o envio de tropas à Coréia e por um Pacto de Paz entre as cinco grandes potências, intensificamos a luta pela paz, a libertação nacional e a democracia popular, enfim, pelo programa de Prestes apresentado no Manifesto de Agosto.

Esta é a saída justa que se apresenta para o nosso povo. Contrapor sempre às soluções das classes dominantes a solução que Prestes indica a todo o povo brasileiro, o caminho da luta por um governo democrático popular. Se agirmos de outro modo, as massas serão novamente ludibriadas por qualquer aventureiro que apresente uma plataforma demagógica.

Diante do rápido desmascaramento do demagogo Vargas, os trabalhadores, pela própria experiência, começam a comprovar a justeza da orientação dos comunistas. Devemos nos colocar audaz e corajosamente à frente da classe operária e do povo na luta por suas reivindicações políticas e econômicas imediatas, elevando cada vez mais o nível dessas lutas, aguentando-as sempre, de acordo com o amadurecimento político e o grau de radicalização das massas, no sentido da luta pela paz, contra o imperialismo ianque, por um governo democrático popular.


Notas de rodapé:

(1) Em referência a Horácio Lafer, Ministro da Fazenda de Vargas, Ricardo Jafet, que apoiou financeiramente a candidatura de Vargas e ganhou, em 1951, a presidência do Banco do Brasil e João Cleofas de Oliveira, Ministro da Agricultura de Vargas. (retornar ao texto)

(2) Em referência a Guerra de Porecatu, sufocada em 1951. (retornar ao texto)

Inclusão: 13/10/2020