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Primeira Edição: Título original: Anarchy and the sex question. Publicado em 1896. The Alarm, Sunday, September 27, 1896, p. 3. Reprinted from the “New York World.”
Fonte: https://bibliotecaanarquista.org/library/emma-goldman-anarquia-e-a-questao-do-sexo
Tradução: José Paulo M. Souza.
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Os trabalhadores cuja força e os músculos são tão admirados pelos pálidos e débeis rebentos dos ricos, mas cujo trabalho mal lhes garante o bastante para manter longe de sua porta o lobo da fome, casam-se apenas para se apossar de uma esposa e uma dona-de-casa que lhes deverá servir de manhã à noite, que deverá fazer todo o esforço para amenizar as despesas da casa. Os seus nervos, de tão cansados pelo estresse de fazer que o salário de fome do marido sustente a ambos, irritam-se a ponto de não obter mais êxito em conciliar sua vontade de afeto por seu senhor e mestre, que, ai! chega ele próprio a mesma conclusão de que seus planos e esperanças esvaíram-se, e então começam a pensar que na prática o casamento é um fracasso.
Como as despesas ao invés de diminuírem apenas crescem, a esposa que já havia perdido toda a pouca força que tinha ao casar-se, sente-se agora também traída, e a constante aflição e temor da fome consomem sua beleza num curto prazo após o casamento. Ela desanima-se, despreza os deveres familiares e como não existem laços de amor e simpatia entre ela e o marido para lhes dar força de encarar a miséria e a pobreza de suas vidas, ao invés de se apegarem um ao outro, tornam- se cada vez mais e mais estranhados, mais e mais impacientes com as faltas um do outro.
Os homens comuns não podem ir aos clubes como os milionários, mas vão aos bares tentar afogar sua miséria num copo de whisky ou cerveja. Sua infeliz parceira de miséria, que é honesta demais para buscar o esquecimento nos braços de um amante, e pobre demais para se permitir qualquer recreação ou divertimento legítimo, permanece nos arredores da imundície daquilo que chama de lar, lamentando amargamente a loucura que fez dela a esposa de um homem pobre.
E, contudo, não há meios de se livrarem um do outro.
Por mais pungente que seja, entretanto, a corrente posta ao redor de seus pescoços pela lei e pela Igreja, ela não se romperá ao menos que as duas partes decidam permitir que isso seja asseverado.
Caso a lei fosse misericordiosa o bastante para lhes garantir tal liberdade, ainda assim todos os detalhes de suas vidas privadas teriam de ser trazidos à luz. As mulheres que são condenadas pela opinião pública têm sua vida inteira arruinada. O medo dessa desgraça é muitas vezes a causa da derrota ante o peso-pesado da vida conjugal, sem que a mulher ouse sequer um único protesto contra o ultrajante sistema que esmaga a si e a tantas de suas irmãs.
Os ricos o suportam para evitar o escândalo – os pobres por amor às crianças e medo da opinião pública. Suas vidas são uma longa continuidade de hipocrisia e decepção.
À mulher que vende seus favores ainda resta a liberdade de abandonar o homem que os comprou a qualquer hora, “enquanto a esposa respeitável” não pode se livrar da união que a punge.
Todas as uniões não-naturais e não sacramentadas pelo amor são prostituição, quer tenham sido ou não sancionadas pela sociedade ou pela Igreja. Tais uniões só podem exercer uma influência degradante sobre a moral e a saúde da sociedade.
O sistema que força mulheres a venderem sua feminilidade e independência pelo lance mais alto é um ramo do mesmo sistema mal que dá a uma elite o direito de viver sobre das riquezas produzidas por 99% de seus companheiros, que devem labutar de sol a sol para mal conseguirem manter corpo e alma juntos, enquanto os frutos de seu trabalho são sugados por uma porção de vampiros ociosos, rodeados por toda a luxúria que a riqueza pode comprar.
Vejam por um momento os dois quadros deste sistema social do século dezenove. Vejam os lares abastados, aqueles magnificentes palácios cujo custoso suprimento poderia colocar milhares de homens e mulheres necessitados em situação confortável. Vejam os jantares dos filhos e filhas da riqueza, um único prato daqueles poderia alimentar centenas de famintos, para quem um pedaço de pão regado à água é uma luxúria. Vejam os devotos da moda, como gastam seus dias elaborando sempre novos meios de prazeres egoístas – teatros, bailes, concertos, yachting, correr de uma parte à outra do globo na sua louca busca por alegria e prazer. Pare um momento, e então veja aqueles que produzem a riqueza que paga por todos estes excessivos prazeres não-naturais.
Vejam-os empoleirados em úmidos e escuros porões que nunca tomam ar fresco, vestidos em trapos, carregando seu fardo de miséria da concepção ao túmulo, seus filhos nus e famintos correndo nas ruas sem ninguém para lhes dar uma palavra terna ou um cuidado amoroso, crescendo em meio da superstição e da ignorância, maldizendo o dia de seu nascimento.
Vejam vocês, moralistas e filantropos, este contraste surpreendente, e me digam de quem é a culpa! Se é daquelas que são conduzidas à prostituição, legalmente ou não, ou é daqueles que conduzem suas vítimas a uma tal desmoralização?
A causa não reside na prostituição em si, mas na própria sociedade; no sistema desigual de propriedade privada, no Estado e na Igreja. Neste sistema do assassinato e do roubo legalizado, da violação de crianças desamparadas e mulheres inocentes.
Até que este monstro não seja destruído, não nos teremos livrado ainda da doença que existe no Senado e nos demais cargos públicos; no lar dos ricos, e no casebre miserável dos pobres. A humanidade deve se conscientizar de suas forças e capacidades, deve ser livre para poder começar uma vida nova, uma vida mais nobre e melhor.
A prostituição nunca será suprimida pelos meios empregados pelo Reverendo Parkhust e outros reformadores. Ela existirá tão logo exista o sistema que a alimenta.
Quando estes reformadores unirem seus esforços com aqueles que lutam para abolir este sistema gerador de toda espécie de crimes, para erigir outro que se baseia na equidade perfeita – um sistema que garanta a cada membro homem, mulher ou criança, a plena fruição de seu trabalho e um direito perfeitamente igual no proveito das dádivas da natureza e na obtenção do mais alto conhecimento – a mulher se auto-sustentará e será independente. Sua saúde não será mais esmagada pela escravidão sem fim e pela labuta diária, ela não será mais a vítima do homem, enquanto o homem não será mais possuído por vícios e paixões não-naturais e insalubres.
Cada um entrará no estado de casamento confiante na força física e moral um do outro. Cada um irá amar e estimar o outro e ajudar no trabalho não só para seu próprio bem-estar, mas sendo eles mesmos felizes, desejarão também a felicidade universal da humanidade. Os rebentos de tais uniões serão fortes e saudáveis de mente e corpo e respeitarão e honrarão seus pais, não porque lhes seja um dever, mas por seu próprio mérito.
Eles serão instruídos e cuidados pela comunidade como um todo e serão livres para seguir as próprias inclinações, e não será mais preciso lhes ensinar a sicofancia e a arte da rapinagem sobre seus companheiros. Seus objetivos na vida não serão mais alcançados obtendo poder sobre seus irmãos, mas obtendo o respeito e a estima de todos os membros da comunidade.
Caso a união de um homem e uma mulher se revele insatisfatória e desgostosa para ambos, então, de maneira amigável e tranquila, deverão se separar para que as diversas relações existentes no casamento não se depreciem dando continuidade a uma relação desagradável.
Se ao invés de perseguirem as vítimas, os reformadores do dia unissem seus esforços para erradicar a causa, a prostituição não mais desgraçaria a humanidade.
Suprimir uma classe para proteger outra é pior que loucura. É criminoso. Você homem e mulher moral, não dê de ombros!
Não deixe o preconceito te influenciar: observe a questão de um ponto de vista desenviesado.
Ao invés de empregar sua força inutilmente, junte as mãos e ajude a abolir este sistema doentio e corrupto.
Se a vida conjugal não lhe roubou a honra e o auto-respeito, se você ainda tem amor por aqueles que chama de filhos, então por amor próprio, bem como por eles, você deve buscar a emancipação e estabelecer a liberdade. Então, e não até então, o mal do matrimônio cessará.