Uma Resposta a Harold Cruse

Clifton DeBerry

7 de Julho de 1964


Primeira Edição: Outubro de 1964
Fonte: Marxism and the Negro Struggle
Tradução: Juventude do PSTU
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

capa

Numa série dividida em duas partes sobre o Marxismo e o Negro, em LIBERATOR, Harold Cruse ataca o marxismo como sendo obsoleto, branco e não aplicável à luta negra atual. Ele vê o Socialist Workers Party como um adversário do Freedom Now Party, e me considera um “fantoche” do Socialist Workers Party no meu papel como candidato à presidência pelo partido.

É meu intuito que uma troca de opiniões entre Cruse e mim ajudará a desembaçar compreensões e representações erradas do que ele chama de “marxismo ocidental”. Para começar, eu me acho mais ou menos de acordo com três proposições mais gerais feitas por Cruse. Eu as elencaria como:

  1. A principal luta revolucionária no mundo atual é aquela dos povos coloniais, os quais são geralmente não brancos, contra os imperialistas.
  2. O nacionalismo negro é uma extensão e encarnação dessa luta internacional dentro dos Estados Unidos.
  3. Em ambas áreas, os trabalhadores brancos privilegiados têm tendido a se alinhar com os dirigentes capitalistas contra as lutas por liberdade.

Embora concordando com essas proposições desde um ponto de partida factual, eu discordo com as conclusões que Cruse esboça a partir delas. Particularmente então quando ele diz – como eu entendo suas interpretações – que a realidade dos eventos revolucionários mundiais contradiz e anula os ensinamentos do marxismo, gerando uma crise insolúvel dentro daquele e aconselha o seu abandono ou no mínimo uma modificação profunda.

Ao suspender o “marxismo ocidental” como um fator revolucionário, Cruse parece substituir a ideia da luta revolucionária não-branca contra os brancos contra o conceito marxista da luta de classes dos trabalhadores contra os capitalistas. Se essa é a sua opinião, ele deveria de fato deixar o assunto dos povos coloniais numa ameaça sem fim de ataque imperialista.

A História ensina que as vitórias e conquistas da revolução colonial, imensas quais sejam, não conseguem e não podem elas mesmas por fim ao imperialismo. Esse trabalho precisa ser feito dentro do coração do imperialismo. Essa compreensão chama a uma luta revolucionária pelos trabalhadores, brancos e não-brancos combinados, para abolir o sistema capitalista do qual o imperialismo surge. Por essa razão, entre outras, que o programa marxista para a luta de classes revolucionária retem total validade em qualquer lugar, incluindo os Estados Unidos.

De outro ponto de vista, se o marxismo é branco, ocidental e obsoleto como Cruse aponta, como ele pode lidar com o fato de que da China a Cuba, onde o capitalismo foi abolido por lutas revolucionárias de massa, esse feito ocorreu sob o estandarte do marxismo? Como ele pode explicar que o socialismo está se tornando a maior doutrina de massa em quase todos os países e continentes onde os povos não-brancos estão lutando por liberdade? Num comicio público feito em Nova Iorque no último mês, um comentário feito por Malcolm X parecia indicar a popularidade crescente do socialismo no exterior. Ele disse que em suas viagens pela África e Ásia ele conversou com muitas pessoas. Ele achou suas opiniões políticas “socialistas”. Como explicar que o marxismo está obsoleto?

Aqui está outra questão que eu acredito que Cruse deve considerar seriamente: se o marxismo foi de tanta ajuda e útil como um guia na luta contra o imperialismo e a supremacia branca no mundo colonial, o que impede esse método de ser igualmente útil na luta pela liberdade já aqui na terra-mãe do imperialismo e da supremacia branca?

Talvez o seu pensamento sobre a questão sofre de uma tendência de tomar – erroneamente – as políticas do Partido Comunista como marxismo. Os fatos são, entretanto, que o Partido Comunista apoiou o Partido Democrata, um partido capitalista, desde o New Deal. Na Segunda Guerra Mundial se opuseram à militância negra como “antipatriótica”. Nas eleições de 1964 eles ainda apoiam o Partido Democrata e seu líder “liberal”, Lyndon Johnson. O PC têm atacado a organização negra muçulmana e, por consequência, o Freedom Now Party como fascismo negro e segregação ao contrário. Toda essa polícia é estalinismo – o exato oposto do marxismo.

Há uma diferença bastante fundamental entre o PC e o SWP, e Cruse somente confunde as coisas quando ele tenta ligar esses dois partidos no seu ataque contra os “marxistas ocidentais”. A visão do SWP sobre a aplicação do programa marxista da luta de classes nos Estados Unidos, com a particular referência à luta pela “liberdade, já!” foi anunciada numa resolução publicada no inverno de 1963 na International Socialist Review. A resolução toma o novo fenômeno que se desenvolve no movimento Freedom Now – nacionalismo negro – e indica como a lógica da luta impele o povo negro para a ação política independente a qual o SWP apoia.

Deixe-me citar a própria resolução:

“O Socialist Workers Party afirma que o racismo, como o desemprego, a exploração e a guerra, só podem ser abolidas desse país pela ação política independente destinada a tirar o controle do governo dos capitalistas e seus partidos. Como um passo nessa direção, nós há muito temos chamado os sindicatos a romper com o Partido Democrata e a formarem um partido de trabalhadores independente que buscaria unir politicamente os trabalhadores, agricultores e negros e eleger os seus representantes ao poder. Somado a isso, e por alguma razão, nós temos defendido e apoiado representantes da comunidade negra sempre que se candidataram de forma independente e em oposição aos velhos partidos, mesmo se aqueles não forem socialistas.”

“Estendendo essa política à luz dos desenvolvimentos atuais, nós publicamente expressamos nossa prontidão em ajudar e colaborar com qualquer partido negro ou o Freedom Now Party que lancem candidatos por si próprios e em oposição aos partidos capitalistas e procurem eleger representantes cujas principais preocupações sejam a comunidade negra. Nosso apoio a tais partidos de nenhum modo entra em conflito com nossa própria campanha política socialista independente ou com nossa defesa contínua de um partido dos trabalhadores. Pelo contrário, nós acreditamos que um partido negro, um partido socialista e um partido dos trabalhadores achariam muito em comum desde o princípio, trabalhariam juntos para fins comuns e tenderiam no curso da atividade comum estabelecer fortes ligações organizativas ou mesmo emergirem num único partido federativo”.

Harold Cruse teceu comentários sobre a resolução do SWP e ao fazer isso reclamou que eu me liguei ao Freedom Now Party sem a permissão desse partido para tal. Ele me acusou de um “tipo conhecido de marxista manobrista” nos assuntos do movimento negro. Aqui estão os fatos:

Eu apoio a ação política negra independente assim como a organização que eu represento, o Socialist Workers Party. Eu enfatizei várias vezes essas ideias como candidato a vereador em Nova Iorque ano passado e faço o mesmo como candidato do meu partido à presidência. Eu disse a todos que puderam me ouvir que eu sou a favor da formação e do crescimento do Freedom Now Party. Eu o defendi de seus inimigos e convoquei a militância negra a ajudar a construi-lo. Mas eu nunca pretendi ser um porta-voz do FNP.

Eu não pedi ao FNP permissão para apoiá-lo, isso é verdade. Nem pedi permissão a Malcolm X para proclamar o meu apoio a sua posição sobre a autodefesa contra a violência dos supremacistas brancos, ou a permissão de Jesse Gray e seus associados para me colocar em defesa das rent strikes(1) em Nova Iorque. Também não pedi a Fidel Castro permissão para me proclamar a favor da revolução cubana. Eu realmente fiz essas coisas, e continuarei a fazê-las como porta-voz do SWP, sem pedir nenhuma permissão em especial.

Dar um apoio franco e de peito aberto a qualquer posição ou ação política, com a qual eu concorde, não é nem oportunista ou sem escrúpulos. É um ato político principista.

Cruse pode não concordar com as posições ou programa do meu partido; e tudo bem com isso. Mas eu não vi nenhuma base na opinião que ele tem de que os nossos princípios básicos como marxistas de alguma forma contradizem o nosso apoio firme a todas as tentativas sérias de criar um partido político negro independente. O SWP reconhece o caráter revolucionário do nacionalismo negro, o defende e o apoia. Nós reconhecemos que o movimento Freedom Now deve desenvolver o seu próprio programa, fazer as suas experiências e desenvolver a sua própria direção. Nós vemos esse processo como uma condição necessária para germinar dentro do Freedom Now uma vanguarda pronta para entrar na luta pela abolição do capitalismo. Qualquer um que falha em reconhecer esses fatos políticos não é um socialista nem marxista.

Harold Cruse reivindica ver uma contradição insolúvel entre ativistas negros e brancos. Ele faz uma distinção baseada somente na cor: os nacionalistas negros num polo e todos os brancos, indiscriminadamente, no outro polo – capitalistas, trabalhadores, marxistas, todos brancos.

Se o marxismo pudesse ser associado com qualquer cor, essa seria vermelha, e não branca. E ser totalmente negro nos Estados Unidos é ser vermelho-revolucionário e anticapitalista.

São os marxistas (“vermelhos”) os que podem ajudar o movimento Freedom Now a resolver a contradição que Cruse acha insolúvel. Eu acredito que a atual campanha eleitoral do Socialist Workers Party é um passo nessa direção. Ela é feita para mostrar a todos os estratos da classe trabalhadora americana a sua própria necessidade de solidariedade de classe com as lutas progressivas dos trabalhadores negros por todo o mundo – aqui nos Estados Unidos e no exterior. O SWP afirma o que aqueles 70 milhões de trabalhadores que vivem na miséria nessa terra da fartura têm em comum com os negros que lutam pela liberdade, batalhando contra as injustiças, a brutalidade e a desigualdade. Nós buscamos explicar como os seus próprios interesses de liberdade e justiça, do direito ao trabalho, viver em paz e igualdade estão ligados aos destinos do povo negro.

Para concluir, deixe-me responder à afirmativa de Cruse de que eu sou um fantoche do Socialist Workers Party como segue: eu sou um revolucionário negro e socialista. Antes de adotar o marxismo como a minha filosofia, eu fiz um estudo intensivo de todos os métodos de pensamento e da base teórica de várias filosofias. Eu cheguei à conclusão de que: as ferramentas mais eficientes para entender o capitalismo e como colocar em movimento o processo de sua mudança foram providas pelo marxismo. Eu examinei as revoluções que aconteceram ao redor do mundo. Esses estudos me disseram que os conceitos necessários para libertar a espécie humana através da necessária retirada do poder da classe capitalista são aqueles do socialismo científico.

Fidel Castro sintetizou muito precisamente meus sentimentos numa proclamação que ele fez há não muito tempo:

“Eu serei um marxista-leninista para o resto da minha vida”.


Notas de rodapé:

(1) Podendo ser traduzido como “greve de aluguel”, não tem expressão em português. É um movimento em que os inquilinos não pagam o aluguel em massa até alguma demanda específica ser resolvida. As rent strikes de NYC eram principalmente para melhorar as condições de habitação do bairro do Harlem, esmagadoramente composto por negros. (N.T.) (retornar ao texto)

Inclusão 23/04/2017