O Império de Havana

Enrique Cirules


XIII. Frank Sinatra


capa

Em março de 1958, além de organizar-se a Grande Ofensiva do exército batistiano contra o destacamento guerrilheiro de Fidel Castro, a Máfia norte-americana também se encontrava montando sua Grande Ofensiva. Com rapidez encaminhava seus passos para um projeto relacionado com a acelerada execução de um complexo hoteleiro que seria conhecido como Hotel Monte Carlo de La Habana (atual Marina Hemingway), na zona de Santa Fé, em Barlovento, a oeste da capital cubana, a 25 minutos do Capitólio Nacional.(1)

O Monte Carlo de La Habana (segundo a documentação) era o primeiro dos hotéis tipo resort que se construía no mundo; devia dispor de 656 quartos, em vasto complexo que incluía um grande cassino para turismo milionário, com um faustoso cabaré, cais, doca e canais interiores para iates, campos de golfe e outras muitas e variadas instalações,(2) a um custo de mais de 20 milhões de dólares, cujo financiamento seria substancialmente assumido pelo BANDES.

Mas o mais assombroso daquele projeto era a lista de personalidades vinculadas à operação. Ao lado de conhecidos mafiosos, apareciam nomes que naquela época gozavam de certo prestígio na América do Norte.

Através da documentação descobrimos que, para tomar possível esse projeto, a Máfia norte-americana constituiu uma companhia de fachada denominada Compania Hotelera del Oeste S. A.(3) Já na carta do BANDES (Banco de Desarrollo Econômico y Social) dirigida ao Banco Financiero de Julio Lobo datada de 16 de agosto de 1956, fala-se do financiamento de um hotel Monaco (presume-se que fosse um projeto que logo se converteu no Monte Carlo), com um montante inicial de 12 milhões de dólares.(4)

Essas operações da Máfia norte-americana eram expressões do cada vez mais acelerado processo de entrelaçamento de interesses: grupos financeiros-Máfia-serviços especiais, não só em Cuba mas nos próprios Estados Unidos.

Para dirigir a empresa Compania Hotelera del Oeste S. A. (encarregada da construção daquele complexo hoteleiro), a Máfia designou Manuel Santeiro Jr., radicado ou com interesses no Central Toledo, o arquiteto Serafín Leal Otano e o advogado Virgilio Villar Gil.

Manuel Santeiro Jr. era conhecido como homem de negócios (cabeça visível), diretor da companhia açucareira da Central Fajardo e da companhia açucareira de Guines, representante dos interesses da família de Manuel Aspuru, tesoureiro da Compania Licorera de Cuba S. A. e célebre clubman da sociedade havaneira.

Por sua parte, a empresa que operaria os Hotéis Monte Carlo S. A., após a construção, havia-se constituído pela escritura pública n. 221, de 15 de agosto de 1957, e ficava na rua Obispo, no quinto andar do n. 104. Essa escritura foi assinada diante do tabelião José Berruf y Jimenez, substituto do doutor Jorge S. Casteleiro y Colmenares.

Sobre os acionistas e representantes da Máfia norte-americana na Compania de Hoteles Monte Carlo S. A., as fontes revelam que seu presidente era senhor William Miller, de Miami, Flórida. Mr. Miller havia operado de maneira muito próspera, por mais de catorze anos, o restaurante de maior sucesso do mundo, localizado na cidade de Nova York e chamado Bill Miller Riviera. Além disso, havia realizado grandes operações em Las Vegas, sobretudo no Hotel Sahara.(7)

Outro presidente da junta diretiva dos Hotéis Monte Carlo de La Habana era o afamado Frank Sinatra, artista de primeira linha e produtor de importantes programas de televisão nas cadeias dos Estados Unidos. Sinatra operava sua própria companhia de filmes e para efeitos do Hotel Monte Carlo de La Habana tinha o projeto de transmitir programas de televisão semanalmente para os Estados Unidos.

Os relatórios que os grupos da Máfia enviaram ao BANDES precisaram que Sinatra era um homem de sucesso em importantes companhias de aviação, entre elas a Capitol Airlines e a TWA; em importantes empresas de transporte e publicidade, assim como coproprietário do Hotel Sade, em Las Vegas, “o qual é público e notório que é o de mais sucesso na região”.(8)

Diretor do Monte Carlo de La Habana era também senhor Walter Kirschner, que viveu na Casa Branca durante doze anos, como conselheiro do presidente Roosevelt,(9) e que em 1958 “goza do privilégio de poder se entrevistar com o senhor presidente [refere-se a Eisenhower] em sua residência, devido a sua amizade pessoal e como homem capaz de representar os interesses do Estado por havê-lo feito em ocasiões anteriores, como por exemplo no Vaticano, do qual foi o primeiro enviado do governo de seu país”.(10) O nome de Kirschner aparece nos livros que se escreveram sobre o presidente Roosevelt e nas memórias presidenciais de Truman.

Outros diretores da junta de acionistas dos Hotéis Monte Carlo de La Habana S. A. eram senhor Alfred Dicker, de Washington, D. C., um dos mais prestigiosos construtores de estradas dos Estados Unidos; e também o conhecido produtor de cinema, rádio e discos e conhecido artista cinematográfico Tony Martín, radicado em Los Angeles, na Califórnia.

Martín (homem também de sucesso) aparecia vinculado a diversos negócios da Máfia norte-americana, como coproprietário do Hotel Flamingo, um dos importantes centros mafiosos em Las Vegas, utilizado também para a locação de muitos filmes.

Outro diretor do Monte Carlo de La Habana foi o ator de cinema Donald O’Connor, um dos produtores de filmes mais jovens de Hollywood e estrela desde os 21 anos, quando começou a trabalhar com Bing Crosby; possuía grande influência nas programações da televisão e de rádio dos Estados Unidos e em sua própria companhia de filmes.

Entre os diretores da Compania Hotelera Monte Carlo de La Habana achava-se também senhor I. Blacker, de Miami, Flórida, proprietário (cabeça visível), operador dos hotéis Sans Souci, Deauville e Sherry Fronternac.

Samuel Edelman, operador de grandes companhias imobiliárias em Nova York, dirigia inclusive um dos maiores edifícios de escritórios daquela cidade e outros múltiplos investimentos. Edward Marshall, de Englewood, advogado e famoso financista, com grandes interesses na Accepttance Finance Co. e diretor-geral da Marshall Plan Finance.

Como se pode perceber, o grupo de norte-americanos que operaria a Compania Hotelera Monte Carlo de La Habana caracterizava-se por possuir uma grande experiência nas relações entre ramos distintos de negócios.

Tinhamsido ou eram diretores ou haviam administrado operações nos hotéisCasa Blanca, Deauville, Sans Souci, Sherry Fronternac e Versailles, em Miami, e nos hotéis Flamingo, Sahara e Sand Hotel, em Las Vegas, todos vinculados à Máfia.

As operações realizadas pela Compania Hotelera Monte Carlo de La Habana contavam com a mais absoluta cobertura de Meyer Lansky. Não é estranho então que nos documentos de legalização (restam alguns documentos que não puderam ser destruídos) se encontrem envolvidas instituições como o BANDES, a Financiera Nacional, o Banco de Comercio Exterior de Cuba, o Banco Financiero S. A., de Julio Lobo, o Banco Nacional de Cuba, a Compania Hotelera La Riverade Cuba S. A. e outras entidades oficiais ou privadas, relacionadas com grupos, companhias ou empresas da Máfia.

Todos os projetos da Máfia em Cuba, no final da década de 50, cruzavam (ou cruzaram) com a Compania Hotelera La Riviera de Cuba S. A. Entrelaçamentos com empresas, companhias ou grupos financeiros, para a construção de grandes hotéis-cassinos e seus negócios afins (à margem de outros vastos interesses), reafirmam a justezade que Meyer Lansky seja conhecido internacionalmente como o tesoureiro da Máfia.

A construção do complexo hoteleiro Monte Carlo de La Habana recaía sobre a Compania Hotelera del Oeste S. A.; depois de sua inauguração passaria a ser operado pela Compania Monte Carlo de La Habana S. A. Mas o mais significativo desse negócio (com o qual se iniciavamnovos e maiores projetos da Máfia para Cuba) era o monumentalobjetivo que perseguiam: a operação Monte Carlo de La Habana foiconcebida para iniciar um processo de melhora (de reforço, deestabilização) da imagem do Estado cubano (de tipo delituoso) nãosó diante dos Estados Unidos como também visando o resto daopinião pública mundial. Porque o esquema de domínio imposto em Cuba havia entrado em crise com as operações de guerra que oExército Rebelde estava realizando nas zonas montanhosas da Sierra Maestra.

Além disso, os documentos a que fazemos referência afirmam que as personalidades que encabeçam a administração dos hotéis Monte Carlo S. A. ; e em especial senhor Miller, Frank Sinatra, Donald O’Connor e Tony Martín

têm os managers executivos de primeira categoria nos Estados Unidos à sua disposição. O senhor Miller é considerado, nos Estados Unidos, como a única pessoa capaz de levantar os chamados americanos mortos: devido a sua longa experiência em montagem de shows, que são na realidade a única atração turística nos Estados Unidos, e devido a seus contatos e relações com os meios artísticos norte-americanos de primeira linha, como apoio ofereceu trazer a Cuba as vinte estrelas mais importantes dos Estados Unidos para fomentar a publicidade internacional a favor do governo que dirige e orienta o Major General Fulgencio Batista y Zaldivar.(12) E a pessoa que estará a cargo da operação do Hotel Monte Carlo de La Habana.(13)

Em relação a Tony Martín, O’Connor e Frank Sinatra, os documentos esclarecem que

para os efeitos deste hotel, deseja (aqui, refere-se em especial a Frank Sinatra)(14) televisionar de Cuba para os Estados Unidos semanalmente, já que ele como produtor e interessado em seus programas pretende realizar duas funções: primeira, dar realce ao hotel que preside e segunda, deixar os lucros que possa produzir a contratação do show em Cuba em uma companhia cubano-americana — leia-se companhia de fachada da Máfia(15) que produzirá shows em Cuba e filmes utilizando como marco as vistas panorâmicas do hotel.(16)

As pretensões contra a nação cubana eram de tal magnitude que, em carta de 14 de maio de 1958, quando a tirania de Batista iniciava a Grande Ofensiva, com 10 mil efetivos, contra o Exército Rebelde dirigido por Fidel Castro, Jesús M. Otero, administrador do Escritório Beguistaraín-Quezada, dirige-se ao presidente do BANDES para pedir-lhe a mais absoluta discrição sobre a operação que a Máfia dos Estados Unidos está montando em Havana. Um dos parágrafos da carta diz:

as partes interessadas na operação e construção do Hotel Monte Carlo de La Habana projetaram um amplo plano de propaganda internacional e muito especialmente no valor publicitário do nome de algum dos membros da empresa, conhecidos mundialmente por suas atividades no cinema, no rádio e na televisão. Pensamos que o efeito de publicidade que perseguimos se veria afetado se vazasse ao público esses nomes de forma extemporânea, sem acordo com o plano assinalado, pelo que neste caso é aconselhável a habitual reserva. Podemos assegurar que o custo de nosso plano publicitário pode ser considerado não menor do que 3 milhões de dólares.(17)


Notas de rodapé:

(1) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 591, n. 16. (retornar ao texto)

(2) Ibid. (retornar ao texto)

(3) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 591. n. 16. (retornar ao texto)

(4) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 591. n. 16. (retornar ao texto)

(5) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 526. n. 7 (Relatórioao BANDES de um grupo de advogados vinculados à Máfia). (nota não localizada no original usado para a transcrição)

(6) Ibid. (nota não localizada no original usado para a transcrição)

(7) Ibid. (retornar ao texto)

(8) Ibid. (retornar ao texto)

(9) Ibid. (retornar ao texto)

(10) Ibid. (retornar ao texto)

(11) Ibid. (nota não localizada no original usado para a transcrição)

(12) O sublinhado é do autor. (retornar ao texto)

(13) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 526. n. 7 (Relatórioao BANDES). (retornar ao texto)

(14) Nota do autor. (retornar ao texto)

(15) Ibid. (retornar ao texto)

(16) Arquivo Nacional de Cuba. Fondo Banco Nacional. Legajo 526. n. 7. (retornar ao texto)

(17) Ibid. (retornar ao texto)

Inclusão: 25/10/2023