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XI. Meyer Lansky
No final de 1950, Meyer Lansky decidiu radicar-se outra vez na deslumbrante Havana. Era o lugar mais seguro e onde se tornava necessário contornar com rapidez algumas situações internas realmente inquietantes.
Desde 1940, sua presença na capital cubana só havia sido para supervisionar ou revisar negócios, em viagens de uns poucos dias e por causa da tolerância que se passou a ter com a Máfia nos Estados Unidos. Exceto em alguns meses de 1946 e 1947, seus lugares preferidos sempre foram Nova York, Miami e Las Vegas, de onde dirigia e coordenava seus interesses em Cuba.
Através da investigação, obtivemos testemunhos de pessoas que de algum modo estiveram muito próximas de Lansky e que, apesar de não ter conhecido todas as suas manobras, deram um conjunto de valiosas informações sobre suas atividades, que nos permitiram chegar a importantes conclusões em relação ao seu papel no processo de constituição de um Estado de caráter criminoso, a serviço de um grande império mafioso em Havana e suas conexões políticas e contatos com outros importantes capos. Meyer Lansky foi admirado e temido por amigos e inimigos, e ninguém o desconsiderava na hora de tomar uma decisão ou de fazer uma negociação significativa.
No entanto, acredito que as testemunhas (que pediram anonimato), pela própria clandestinidade com que costumava operar o tesoureiro da Máfia, nunca tomaram conhecimento das operações mais complexas realizadas pela Máfia norte-americana.
Na década de 50, a Máfia ampliou consideravelmente suas atividades legais em Cuba e, para atender a essa ampla gama de interesses, Lansky continuou atuando nas sombras. Sua presença na capital cubana era praticamente um mistério, apesar de ser conhecido em vários círculos de poder, por elementos das cúpulas da oposição política, militares de nível, altos executivos, assim como por personagens vinculados às estreitas relações entre a indústria, o comércio e as finanças.
Desde os anos 30, sempre reservavam para Lansky uma (às vezes, duas) luxuosa suíte do Hotel Nacional e, entre 1951 e 1958, ainda que o Nacional continuasse sendo o seu lugar preferido, sabe-se que possuía várias casas de segurança na periferia de Havana. Entretanto, nos primeiros tempos da ditadura, sobretudo em 1954 e 1955, o nome de Lansky começou a ser citado por alguns jornalistas. Dizia-se que era um norte-americano importante que estava por montar em Havana negócios substanciais. Alguns se lembram ainda do famoso Tendera (tão dado a escândalos publicitários), que durante um certo tempo foi locutor de rádio, difundindo a imagem de Lansky como se fosse uma espécie de benfeitor.
Lansky nunca bebia, a não ser em momentos excepcionais. O máximo que fazia, em reuniões mais prolongadas, era tomar um copo de leite. Em ocasiões muito especiais, depois de haver percorrido alguns dos mais importantes cassinos — que podia ser o cabaré Montmartre, antes do atentado ao coronel Blanco Rico, as salas do Sans Souci, em Arroyo Arenas, o cintilante Tropicana ou outros afamados lugares —, pedia a seu ajudante que dirigisse devagar o Chevrolet bege (conversível, ainda que não propriamente de luxo) pela zona do Malecón havaneiro. Depois, estacionava o automóvel nas proximidades do antigo monumento ao Maine (também gostava muito da paisagem da Quinta Avenida), para sentir aquele ar fresco e salgado, na madrugada, a apenas uma centena de metros do edifício que a embaixada dos Estados Unidos ocupava, e permanecia assim, respirando a brisa do mar, sem falar nada, às vezes até aparecerem as primeiras luzes da manhã.
As testemunhas concordam em que esse era o comportamento de Lansky nos meses anteriores à eclosão da guerra mafiosa de 1957; naquela época, muitas atitudes suas estiveram vinculadas a essas longas e silenciosas reflexões que ele também realizava em sua sacada, na suíte do Hotel Nacional, por causa das contingências que tinham pela frente os grupos de Havana.
Em ocasiões especiais, também de madrugada, costumava pedir a seu ajudante que trouxesse uma garrafa de Pernot (diz-se que esta bebida alemã contém uma certa dose de ópio); Lansky era capaz de tomar até meio litro, sempre em silêncio, com a janela de seu quarto aberta e de cueca (era assim que ele gostava de ficar depois de tomar banho e de passar talco). Então andava um pouco pelo quarto e, em seguida, sentava-se na pequena sacada, pois o que mais o extasiava na noite era o ruído das ondas do mar.
Minhas referências (todas de primeira mão) asseguram que Lansky nunca tomava notas, nunca escrevia nada nem falava em voz alta. Vinculado a Cuba durante tantos anos, não se deu sequer ao trabalho de aprender o espanhol, que ele entendia, mas só falava o inglês. Todos deviam falar com ele em inglês, inclusive Batista.
Diz-se também que durante a década de 50 não visitou ou se reuniu com cubanos ou famílias cubanas. Isso é pouco verossímil, porque se sabe que às vezes ele se distanciava de seu motorista e guarda-costas, dirigindo ele mesmo o Chevrolet sem capota, e passava uma tarde, um dia ou mesmo vários dias sem que seus empregados pudessem saber por onde andava.
De qualquer forma, é muito pouco provável que ele não se reunisse com os cubanos nem visitasse as casas de suas famílias, uma vez que tinha o costume de utilizar testas-de-ferro nos negócios referentes ao Império de Havana.
Sabe-se que se reunia com Batista no próprio Palácio Presidencial e que as reuniões podiam levar até três horas.
Era tal a subordinação da cúpula político-militar que dirigia o poder aparente em Cuba (existem numerosos e conhecidos casos) que a Máfia norte-americana não sentia nenhum respeito por esses personagens, por mais altos que fossem seus cargos. Uma dessas histórias ocorreu no grande cassino do Hotel Nacional, numa noite de 1957, em que o vice-presidente da República estava perdendo milhares de pesos. Perdeu todas as fichas e ficou rapidamente sem efetivo. Então, pediu ao chefe da sala que lhe desse um crédito de 25 milhões de pesos, porque desejava continuar jogando. Era algo pouco usual, mas que se fazia com clientes de solvência ou de prestígio. O chefe da sala não respondeu imediatamente; pegou o telefone e consultou Jack El Cejudo Lansky, irmão de Meyer Lansky, que desceu à sala rapidamente e, diante de todos, negou grosseiramente ao vice-presidente o crédito solicitado.
Lansky tinha atitudes semelhantes. Segundo se conta, em certa ocasião organizou um encontro com dom Amleto Battisti no Hotel Sevilla Biltmore às 9 da noite. Desceu do carro como sempre na hora precisa e, ao se encaminhar para o escritório do córsico, deparou com o doutor Santiaguito Rey Pernas, então ministro do Interior. Lansky nem se deteve, continuou avançando, sem cumprimentá-lo; deixou Santiaguito com a mão estendida e foi reunir-se com Amleto em seu despacho.
Sabe-se que era casado, que sua esposa residia permanentemente nos Estados Unidos, com as duas filhas, e ainda que levava uma vida bastante austera e discreta. Durante anos, manteve relações com uma mulher de origem cubano-européia, em um segundo andar do Paseo del Prado, onde costumava ir por volta do meio da tarde e, às vezes, ficava até o outro dia. A casa era em cima de uma joalheria, da rua Refugio. A mulher chamava-se Carmen; após 1959, Lansky mandou buscá-la, de Miami.
Entre as várias anedotas que existem sobre suas características pessoais, está uma que se deu depois de haver mantido uma longa reunião com vários de seus mais importantes subordinados. Naquela noite, pôs-se a percorrer os cassinos situados em grandes hotéis e cabarés. Estava contente, quase exultante, por ter-se encontrado com Harry Smith e senhor Rosengard, os dois velhos milionários, tão seus amigos, que de vez em quando desembarcavam em Havana para tratar de assuntos importantíssimos; no meio da madrugada, quando o motorista pensou que já ia se recolher, Lansky lhe pediu que fosse até uma das casas da Marina e trouxesse duas mulheres a seu gosto. Eram várias as casas da Marina, aquela cadeia de bordéis especializados, a cargo dos hotéis de luxo; Marina dirigia uma esplêndida casa de três andares, próximo de Crespo e Amistad, com quartos especiais, camas redondas e antigos artefatos. Havia também El Templo de Marina, ao lado do Hotel Sevilla Biltmore, situado na própria esquina de Prado; O Castillito de Marina, em Malecón e Hospital, muito bem servido, com quarenta mulheres no local e mais trezentas em fotos privadas, que eram trazidas em meia hora. Por último, havia as instalações que Marina dirigia em um edifício da rua San José, além da cadeia de lojas de tecidos em El Prado, com tão bons contatos, para oferecer remessas das mais lindas mulheres. Mas, naquela noite, o motorista dirigiu-se para um outro famoso bordel, também a cargo de Marina, no cruzamento de Ferrocarril e Boyeros.
O motorista de Lansky pensou que o velho pedia duas mulheres porque gostava de pornografia, mas quando apareceu com as duas mocinhas ficou surpreso, pois Lansky, depois de ter tomado meia garrafa de Pernot, lhe disse que podia levar uma das mulheres para seu quarto e que a outra ficaria com ele.
No âmbito organizacional, Lansky reunia-se uma vez por semana com seuestado-maior. Isso podia ser feito na quinta-feira, mas geralmenteera às sextas, das 2 às 5 da tarde, de maneira absolutamente pessoal.
Ele pedia a seu ajudante que o pegasse e este devia estar às 13h45 na entrada do Hotel Nacional, com o motor ligado. O trajeto até o lugar da reunião tinha de ser rigorosamente realizado em quinze minutos. A reunião, como sempre, realizava-se na casa de Joe Stasi.
Naquela época, antes da guerra mafiosa de 1957, o estado-maior dos negócios da Máfia norte-americana em Cuba era integrado por Joe Stasi, senhor Normain, Santo Trafficante Jr. e o criador e chefe do Império de Havana. Em geral, todas as famílias de Havana respeitavam essa hierarquia. Em Cuba, tudo se subordinava a Meyer Lansky.
As reuniões daquele estado-maior realizavam-se com expressas medidas de segurança. Ninguém ou quase ninguém sabia que uma vez por semana, preferencialmente às sextas-feiras, às 2 da tarde, senhor Normain, Joe Stasi, Trafficante Jr. e Lansky se encontravam na residência de Stasi, do outro lado do rio Almendares, numa região de bosques, na tortuosa avenida 47, número 1405.
Joe Stasi era o gerente-geral de todos os negócios da Máfia em Cuba, senhor Normain constituía uma espécie de controlador itinerante, que incluía o jogo organizado, os cassinos, a prostituição qualificada e outros muitos interesses no interior do país. Santo Trafficante Jr., da mesma forma que seu pai tinha sido, era o lugar-tenente de Lansky e, em especial, atendia pessoalmente aos canais da droga (cocaína), que movimentavam centenas de milhões de pesos.
O desenvolvimento das famílias de Havana nem sempre foi harmonioso. Enquanto o conjunto de negócios legais tornava Barletta um amigo pessoal do presidente, os interesses do córsico Amleto Battisti y Lora (referentes à criação de uma ponte com os canais da heroína de Luciano) não eram tratados diretamente com o ditador, mas através de Lansky. Apesar disso (suas atitudes tinham um limite muito definido), Amleto se permitia uma certa independência. Para que tenhamos uma ideia do poder e das relações atribuídos a essas pessoas, basta dizer que Amleto pôde insinuar-se no Congresso da República, ocupando um lugar na Câmara de Representantes pelo Partido Liberal, graças à flexibilidade dos irmãos Suárez Rivas.
Logicamente, nas sombras, Lansky sempre se encarregou dos assuntos mais delicados ou escabrosos: finanças, política, contatos com os mais prestigiosos advogados, assessores e personalidades influentes em Cuba e nos Estados Unidos. Como já foi dito, no sentido moderno, o Império de Havana assemelhava-se a uma gigantesca empresa, com várias direções e influências diversas.
De estatura pequena, magro, Lansky costumava vestir roupas caras e convencionais. Isso se ajustava perfeitamente ao porte do homem que deve ser sempre discreto, ainda que use na mão direita uma safira em forma de estrela montada em platina e no pulso esquerdo um relógio também com caixa de platina e correia de veludo. Perfumava-se com colônia inglesa e se barbeava só com gilete.
Em meados de 1956, Lansky passou vários dias em Varadero, em companhia de Harry Smith. Dois dias mais tarde, uniu-se a eles o senhor Rosengard. Os três passavam quase todo o dia juntos, sentados no portal de uma mansão ou caminhando pela beira do mar. Rosengard tinha fama de ser culto, pertencente a uma prestigiosa família da sociedade de Boston. Smith, por seu lado, era o típico empresário norte-americano, milionário. Havia-se dedicado à exploração de minas, com interesses nos assuntos hoteleiros dos Estados Unidos e do Canadá.
Mas Harry Smith não era um desconhecido em Havana. A revista Havana Chronicle, editada pela Comissão Nacional de Turismo de Cuba (editaram-se dois números, um em 1941 e outro no ano seguinte), desde aquela época o identifica como o presidente do Jockey Club, do Hipódromo de Havana, além de ser uma alta figura executiva na empresa Panama Pacific Line, com escritório na Lonja del Comercio. Essa empresa de navegação operava navios que realizavam viagens regulares ao Extremo Oriente, com escalas no porto de Havana. O mais importante, nessa relação, é que encontramos um recibo de pagamento pela caixa de seguridade n° 163, a cargo do banco The Trust Company of Cuba, a que só tinham acesso três pessoas: Harry Smith, MeyerLansky e J. E. Rosengard.
Em Cuba, Lansky nunca usou chapéu e costumava dizer às pessoas mais próximas que havia de ter sempre muita cautela. O melhor era não fazer muito ostensiva a sua presença. Possuía também uma suíte de luxo no décimo andar do Hotel Riviera, que só utilizou para uns poucos encontros; sabe-se que tinha especial predileção pelos danzões (espécie de valsa caribenha).
Nos últimos tempos, encobertos pela ficção, a literatura e o cinema norte-americanos abordaram várias vezes a presença de Meyer Lansky em Havana, em certas ocasiões, através de uma simples alusão ou convertendo a realidade histórica em lenda. O filme Habana, entretanto, tratando de reconstruir a época, ainda de maneira muito pálida, à margem dos problemas de argumento, artísticos ou técnicos, fez muito mais que nos apresentar Meyer Lansky exercitando os mecanismos do poder contra o destino da nação cubana, sobretudo naquela cena em que o jogador profissional, com o lugar-tenente de Lansky (possivelmente um personagem inspirado em Joe Stasi), espera ser recebido por ele; abre-se então uma porta e aparece o tesoureiro da Máfia, que desconhecendo completamente o jogador, se dirige a Joe e faz um célebre discurso, mais ou menos assim:
Diga a Batista que sua gente não está lutando; diga-lhe que pusemos em seu banheiro até uma privada de ouro; que está no poder porque desde o começo nós lhe abrimos o caminho (aqui ele se refere aos anos 30); diga-lhe que pagamos até a operação do trem blindado; que esta Havana deslumbrante foi criada por nós e que a qualquer momento nós podemos transferi-la para qualquer outro lugar.
De abril a outubro de 1958, Lansky realizou inúmeras viagens rápidas a outros lugares do Caribe: República Dominicana, Martínica, Barbados, Porto Rico, Trinidad-Tobago, Jamaica e Bahamas, com oobjetivo de ampliar seus negócios, sobretudo no que se referia ao controle de novos hotéis-cassinos vinculados ao turismo internacional. Isso vai de encontro à natural preocupação provocada pelas mudanças aceleradas que estavam tendo lugar na Ilha; mas sabe-se também que, a partir de outubro de 1958, ele não abandonou Cuba, coisa que fez em 2 ou 3 de janeiro de 1959.
Lansky, se nos atemos a essas mesmas informações, manteve-se em Havana para garantir que Batista resistisse, nas novas circunstâncias, às desesperadas manobras que Washington havia começado a realizar. Essas medidas conduziam inevitavelmente ao fim do monopólio que até aquele momento haviam tido as famílias de Havana nos grandes negócios que propiciava o Estado de caráter criminoso em Cuba.
As mudanças que inevitavelmente aconteceriam com a saída de Batista do poder (para tratar de manipular ou neutralizar a marcha vitoriosa da Revolução Cubana) possibilitavam a entrada na Ilha das forças mafiosas com as quais os grupos de Havana mantinham uma dura disputa havia muito tempo, porque o resto da Máfia norte-americana se sentia também com o direito de participar dos fabulosos lucros que o Império de Havana produzia.
Essa mesma fonte assegura que Meyer Lansky regressou à capital cubana na primeira quinzena de março de 1959. Ficou pouco menos de uma semana, alojado novamente no Hotel Nacional, na suíte de sua preferência, e, depois de tomar algumas atitudes, declarou que, para sua desgraça, começava a constituir-se uma revolução cujo propósito era despojar os ricos de sua riqueza para distribuí-la às pessoas mais pobres. E, portanto, ele nada tinha a fazer nessa Ilha.