O Império de Havana

Enrique Cirules


VIII. A Grande Tragédia


capa

Para uma total compreensão do esquema de domínio imposto em Cuba a partir de 1934, é de singular importância o estudo da situação da economia cubana. Nesse sentido, os trabalhos do doutor Julio Le Reverend demonstram que em 1932 já se fechara um ciclo econômico, mas se mantinha o grande perigo que representava uma economia baseada “na produção de açúcar e em sua exportação em grandes quantidades para um único país”.(1) Naquele momento, a nação cubana tinha duas alternativas: ou exportava mais açúcar para os Estados Unidos ou o país se dedicava a produzir “a maior parte do que estava importando”.(2)

A grande tragédia que enfrentavam os cubanos estava determinada pela própria dominação que exerciam os Estados Unidos sobre a economia de Cuba. Não se podia inserir no mercado internacional, por sua condição de monoprodutor e monoexportador. Possuía níquel (explorado de maneira ocasional). Possuía certa produção de fumo, um pouco de café, mas para enfrentar as necessidades básicas dependia inteiramente de sua produção açucareira, levando em conta que 50% ou até mais dos alimentos que os cubanos consumiam eram importados dos Estados Unidos, inclusive sorvetes, caramelos e flores.

A velha estrutura econômica monoprodutora (a fonte açucareira do mundo), herança do colonialismo, reforçou-se extraordinariamente com os grupos financeiros norte-americanos, desde o próprio processo inicial do protetorado. Continuaríamos sendo monoprodutores e monoexportadores depois das crises de 1920 e 1929 e com muito mais dependência a partir do processo de constituição de um Estado de caráter criminoso.

É necessário sublinhar que esse processo monoprodutor-monoexportador constituía, no início da década de 50, uma verdadeira camisa-de-força que estrangulava os mais "vitais interesses de Cuba.

Desde 1925, vinha-se observando uma “progressiva tendência às reduções das exportações de açúcar; a produção começa a ser reduzida”.(3) A partir de 1934, essa situação tornou-se ainda mais insuportável, com uma política de proteção alfandegária a implementação do método da cota para a exportação do açúcar cubano com destino ao mercado americano.

As manobras que confabulavam os interesses açucareiros com o resto dos interesses econômicos e financeiros dos Estados Unidos impediram que Cuba pudesse transitar por um processo industrial não-açucareiro (ou um desenvolvimento industrial a partir dos derivados do açúcar) nem para a diversificação da produção agrícola industrial e menos ainda para o desenvolvimento de marinha mercante.

Segundo estatísticas, se antes de 1925 Cuba participava com 50% do consumo norte-americano de açúcar, após 1932 essa cifra se reduziria para 28,60%. Ao contrário do que se expressou em algumas ocasiões, a II Guerra Mundial não trouxe o fortalecimento de burguesia cubana nem dos setores bancários ou financeiros, que pudessem rivalizar com os bancos norte-americanos. Isso, mais a afirmação de que a indústria açucareira cubana estava passando aceleradamente às mãos de uma burguesia cubana, não é de forma alguma real. Em uma e outra análise, não se considerou que, a partir da década de 40, Cuba se tornou o maior centro financeiro de lavagem de fortunas ilícitas provenientes dos Estados Unidos, que constituem em nosso país uma economia clandestina e que esse processo bancário esteve marcado por muitas manobras e interesses. Há casos de bancos que aparecem como estrangeiros, formando parte do Claring House de Havana (como o caso do The Trust Company of Cuba), para depois, em um ato quase mágico, passarem a ser dirigidos por um grupo de cubanos, que o tornam o banco mais importante do país, por cima do Chase Manhattan Bank ou do City Bank. Na realidade, ainda não se realizou um estudo sobre a atividade clandestina desses chamados bancos cubanos.

É inegável que Washington esteve sabotando e/ou utilizando a produção açucareira cubana como eficaz mecanismo de opressão e dominação sobre o resto dos interesses econômicos da nação cubana. É inegável também que, nos últimos anos, os norte-americanos estiveram mais interessados em dominar a indústria açucareira através do financiamento, a comercialização e a drenagem de milhões de dólares como tarifas que deviam pagar o açúcar cubano para sua entrada nos Estados Unidos.

Era tal a camisa-de-força que os Estados Unidos haviam imposto a Cuba, através da indústria açucareira, que nosso país não podia sequer sair em busca de novos mercados. O mecanismo de cotas exigiu uma extensa lista de tarifas preferenciais a centenas de produtos industriais e agrícolas. As mercadorias norte-americanas afastaram rapidamente os produtores europeus do mercado cubano, fechando cada vez mais as perspectivas comerciais e financeiras.

Em 1934, o comércio com Cuba chegava a uma lista preferencial de umas “quatrocentas linhas de produtos norte-americanos especificados”(4) e nos acordos estabelecidos não se podia alterar as tarifas alfandegárias “sem prévia consulta e negociação”.(5)

O comércio exportador-importador estava submetido inteiramente aos Estados Unidos, e substanciais espaços da economia cubana foram arruinados: sapatos, tecidos, produtos derivados de leite e outros, que haviam alcançado certa expansão durante os anos 20.

Isso, como era lógico, foi produzindo rendas per capita cada vez mais baixas, enquanto surgiam “pequenos grupos de renda altíssima, diante da massa geral da população empobrecida”.(6) Entre 1920 e 1925, a renda per capita cubana era um terço da renda per capita dos Estados Unidos. Em 1952, a renda per capita cubana era menos de um quinto da renda per capita dos Estados Unidos.

  1925 1953
Exportação de açúcar per capita 1,56 tons 0,89 tons
Valor per capita do açúcar $86.00 $ 64.00

Desde1934, reforçou-se a tendência latifundiária em Cuba. A indústria açucareira, nos anos 50, possuía 180 mil hectares de terra, dos quais só aproximadamente 90 mil eram utilizados. Segundo o doutor Julio Le Reverend, “Cuba, progressivamente, caminhava para uma estrutura agrária totalmente latifundiária”.(7)

Por sua vez, as estatísticas sobre os investimentos norte-americanos revelam que:

1920 mais de $ 1 bilhão de dólares
1936 $ 666 milhões de dólares
1950 $ 657 milhões de dólares
1954 $ 713 milhões de dólares

Entre 1934 e 1956, os investimentos americanos em Cuba produziram um lucro estimado entre 650 e 700 milhões de dólares,(8) dos quais apenas 150 milhões foram reinvestidos.

Em Cuba estava presente uma “estrutura monoprodutora e monoexportadora da economia nacional, enquanto a produção açucareira ocupava posição predominante. Uma economia subdesenvolvida e uma estrutura econômica deformada pela penetração do capital imperialista”.(9)

Era tal a situação econômica e política de Cuba que, em 1950, o governo norte-americano enviou a Havana uma comissão de especialistas do Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento (BIRF), com dezessete membros, para realizar uma análise dessa conjuntura.

Naquele momento, o imperialismo norte-americano temeu inclusive que se pudesse derrubar a política macartista em Cuba. No relatório da Comissão Truslow, além dos problemas relativos à economia, sublinharam-se aspectos de caráter político:

A prosperidade bélica criou em Cuba novos níveis de vida para muitas pessoas. Se sua economia não pode manter esse nível em tempos menos prósperos, pelo menos em grau razoável, se produziria uma grande tensão política. Se os líderes se descuidassem de preveressa possibilidade, a opinião pública os culparia, e se isso ocorresse o controle poderia passar a mãos subversivas e enganosas, como aconteceu em outros países onde os líderes não se deram conta das correntes desses tempos.(10)

Dirigindo a análise para as circunstâncias econômicas, o grupo de especialistas do BIRF recomenda algumas medidas destinadas a remediar a situação imperante:

tornar menor a dependência do açúcar sem diminuir a produção; ampliar as indústrias de subprodutos do açúcar; promover a exportação de produtos não-açucareiros; estimular o turismo; melhorar as estradas-de-ferro, as estradas de rodagem e os serviços de água visando a economia; melhorar os recursos humanos do país através da educação, da higiene, da ampliação da informação técnica etc.; realizar reformas orçamentárias e tributárias e conseguir uma melhor administração dos recursos.(11)

A Comissão Truslow entregou suas conclusões em julho de 1951, quando os escândalos promovidos pela Comissão Kefauver tinham alcançado o auge e estavam sendo realizadas operações clandestinas em Cuba para manipular os interesses da nação e neutralizar a crescente rebeldia do povo cubano. Mas, sobretudo, o mais importante era que o esquema que oferecia ou propunha a Comissão Truslow era absolutamente irrealizável nas condições historicamente impostas pelo imperialismo norte-americano.

A política exterior de Washington em relação à Ilha era não considerar o relatório e as recomendações da Comissão Truslow, à margem das graves deficiências que apresentava esse relatório, e converter aquele documento em pura demagogia, que seria utilizada para calar ou manter esperanças que historicamente estavam condenadas ao fracasso. Uma década depois, com o triunfo da revolução cubana, algo parecido ocorreu com as tentativas de implantar na América Latina uma aliança para o progresso.

A materialização das recomendações do Plano Truslow teria significado uma negação total da política econômica americana em relação a Cuba. O imperialismo nunca teria consentido (e nunca consentiu) que a Ilha se convertesse em uma potência econômica nem mesmo dominada por capitais norte-americanos, porque isso criaria um mercado interno que, por sua vez, fortaleceria uma burguesia nacional, além de criar uma poderosa classe operária. A política dos Estados Unidos em nosso país, desde suas origens, foi conduzida de forma a impedir qualquer resistência de ordem econômica, política e social e a fazer da pseudoburguesia cubana uma classe cada vez mais incapaz e corrupta, pois esta teria perdido sua última oportunidade como classe ao não ser capaz de encabeçar o movimento popular anti-imperialista que, na busca de justiça social, derrubou a tirania machadista em agosto de 1933.

É interessante observar como, em dezembro de 1951, Harry Truman, naquele momento presidente dos Estados Unidos, em uma visita que realizou a Cayo Hueso, declarou aos governantes cubanos, sutilmente (por omissão), as coordenadas econômicas e políticas que os Estados Unidos manteriam em relação à Ilha, desconhecendo os problemas que haviam sido abordados nas conclusões da MissãoTruslow.

Mais que isso, refletido em toda a sua complexidade, o que foi ou não dito por Truman, a apenas três meses do golpe militar de 10 de março, constituiu uma espécie de mensagem, extremamente tranquilizadora, visando as dúvidas e inquietações dos grupos dominantes.

De qualquer modo, o discurso de Truman foi a negação das recomendações do Relatório Truslow ou, pelo menos, a tomada de posição diante de uma corrente que, de maneira acelerada, ia tomando corpo na economia cubana: não centrar seu desenvolvimento em bases agrícola-industriais, mas preferencialmente em uma economia de serviços, em que os grupos que tradicionalmente dominavam o país recebessem um tratamento extremamente privilegiado, em espaços cada vez mais distributivos do botim. Truman disse:

Eu sempre estive muito informado sobre os problemas de Cuba. Conheço as vicissitudes e os progressos deste país amigo, que a todo momento demonstrou sua afinidade com as projeções democráticas dos Estados Unidos. Espero ter a oportunidade de algum dia, o mais cedo possível, visitar Cuba, onde encontrarei a proverbial hospitalidade de que dão testemunho milhares de turistas americanos que anualmente visitam este belo país.

É meu sincero desejo que o bem-estar e a prosperidade desfrutados por Cuba atualmente continuem no futuro. Sei das conquistas nesse sentido nos últimos anos e acredito, também, que as condições atuais continuarão garantindo que essa prosperidade não diminua.(12)

A nova chegada de Batista ao controle do Estado cubano significou um grande reordenamento subordinado aos interesses mais diabólicos da Máfia norte-americana. Esse reordenamento teria um duplo caráter, uma vez que o imperialismo requeria um Estado que fosse cada vez mais eficaz. Portanto, a ditadura favoreceu a legalização das operações e relações do Império de Havana, criando para isso um conjunto de instituições bancárias e financeiras (estatais e paraestatais) que, em coordenação com o centro financeiro internacional (mais de cinquenta bancos e duzentas sucursais), grupos da Máfia norte-americana e seletos personagens estreitamente vinculados com as agências especiais dos Estados Unidos, assumiram os mais fabulosos negócios com uma aparência cada vez mais dentroda lei, através de um processo de mudança ou de paulatina transformação, para uma economia substancialmente de serviços com um conjunto de traços existentes até 1958.

Desde o começo, esse reordenamento esteve assessorado por especialistas norte-americanos, em todas as esferas; os organismos criados eram centralizados pelo general Batista, usando os seus mais fiéis testas-de-ferro, não apenas no que se refere às atividades de longo alcance, organizadas pelo Banco Nacional de Cuba, mas também em empreendimentos do Banco de Desarrollo Economico e Social (BANDES)(13) ou nas múltiplas manobras levadas a cabo pela Financiera Nacional, o Banco de Comercio de Cuba, o Banco de Fomento Agrícola e Industrial, Fomento de Hipotecas Aseguradas (FHA), Asociaciones de Créditos e outras instituições.

O regime iniciou também a remodelação para criar uma deslumbrante Havana, com uma infraestrutura a serviço dos mais importantes negócios das famílias mafiosas. Esse plano incluiu vias de comunicação com importantes regiões turísticas, grandes avenidas, construções para albergar o aparato administrativo de um Estado moderno. Entre os projetos, esteve a construção da grande praça da República, precedida de uma enorme estátua de JoséMartí e apresentando, na parte de trás, um belo Palácio da Justiça, que deveria levar a cabo a mais feroz repressão contra os interesses populares e a mais absoluta flexibilidade para com os grupos dominantes.

Em 1954, o regime Batista reforçara consideravelmente o esquema de dominação imperialista e reprimira com dezenas e dezenas de crimes a Generación del Centenário (do nascimento de José Martí), com que o doutor Fidel Castro havia reiniciado a rebeldia popular. Os que não haviam sido assassinados no Quartel Moncada se achavam reclusos na prisão de segurança máxima da Ilha de Pinos. Batista reforçara muito mais o aparato policial e militar. As minas de níquel tinham voltado às mãos do poderoso grupo Rockefeller e seus comparsas. A indústria açucareira ajustara-se aos requerimentos de Washington e, ainda que em algumas ocasiões se realizassem algumas manifestações de protesto operário ou estudantil, nada fazia com que a comunidade de inteligência norte-americana temesse que o esquema imposto em Cuba sofresse algum risco. Ao contrário, o chefe da CIA, Allen Welsh Dulles, viajou à capital cubana no começo de 1955 para conhecer pessoalmente o general Batista, naquele esplendoroso Império de Havana. Dois ou três meses mais tarde, Dulles enviaria uma carta extremamente reveladora:

Agência Central de Inteligência
Washington D. C.
Escritório do diretor
15 de julho de 1955.

Sua Excelência General Fulgencio Batista Zaldivar
Presidenteda República de Cuba
Havana, Cuba.

Estimado senhor Presidente:

Recordo com grande prazer nossa reunião celebrada durante minha viagem a Havana em abril passado. Para mim foi uma grande honra haver tido a experiência de tão prazerosa e interessante visita a Sua Excelência. A criação pelo governo cubano do Buró de Represión de Actividades Comunistas é um grande passo adiante na causa da liberdade. Sinto-me honrado pelo fato de o seu governo ter permitido que esta agência assistisse o treinamento de alguns dos oficiais dessa importante organização.

Como Sua Excelência poderá recordar, em nossas conversas de abril passado, disse que esta agência se sentiria honrada em ajudar no treinamento do pessoal que Sua Excelência mandaria de acordo com sua vontade. Acredito que o general Martín Díaz Tamayo dirigirá as atividades do BRAC e será responsável por sua organização. Neste caso, gostaria de sugerir que viesse o general Díaz Tamayo a Washington em futuro próximo, de tal maneira que nós pudéssemos discutir com ele algumas das técnicas usadas para combater às atividades do comunismo internacional. Estou seguro de que seria útil trocar opiniões com o general Díaz Tamayo, como uma prévia ao grupo de seus subordinados, que virão aqui para treinar. O material que oferecemos ao general pode ser uma considerável ajuda em sua tarefa de organizar o BRAC, orientando-lhe que tipo de oficial selecionar para o treinamento.

Em vista do interesse que o ministro de Estado, doutor Carlos Saladrigas, demonstrou por este assunto, estou tomando a liberdade de lhe escrever esta carta. Eu lhe sugiro, se é aceitável a Sua Excelência e a seu governo, que estenda um convite em meu nome ao general Díaz Tamayo para vir a Washington por aproximadamente duas semanas, preferivelmente a partir de 1º de agosto. Confio que isto se dará com sua aprovação. Permita que eu repita, senhor presidente, que grande honra e prazer foi reunir-me e conversar com Sua Excelência; confio que estaremos em uma posição favorável para ajudar-lhe e a seu país em nosso mútuo esforço contra os inimigos da liberdade.

Aceite, por favor, senhor presidente, a declaração renovada de minha mais alta e distinta consideração.

Sinceramente,
ALLEN DULLES
Diretor(14)

Nessas poucas páginas é impossível realizar uma análise de cada uma das instituições criadas por Batista para legalizar os negócios da Máfia; assim, optamos por oferecer somente alguma informação relacionada com as operações do BANDES.

A ideia de criar um Banco para el Desarrollo Econômico e Social (BANDES)(15) surgiu nos primeiros dias de agosto de 1954, através de um decreto-lei, publicado em edição extraordinária do Diário Oficial de 27 de janeiro de 1955. Em um de seus preceitos, o texto determinava que o objetivo fundamental era:

facilitar as operações de curto, médio e longo prazo, para pôr em prática uma política de diversificação da produção, tendo para isso, entre outras, as funções de descontar e redescontar valores públicos e privados, emitidos com o propósito de aumentar o dinheiro em circulação, assim como de realizar quantas operações creditícias e bancárias sejam necessárias na realização desses objetivos, estando autorizado para subscrever, fazer circular e avalizar bônus de empresas de desenvolvimento econômico e social estatais, paraestatais e privadas, fazer empréstimos a essas empresas e emitir seus próprios valores”.(16)

Foi tal sua impunidade financeira que o próprio Batista reconheceu que, em apenas quatro anos, instituições como BAN-FAI, Financiera Nacional, BANDES, Banco de Comercio Exterior de Cuba e alguns outros órgãos realizaram operações creditícias (na realidade assumiram os investimentos dos grupos financeiros e da Máfia norte-americana) no montante de quase 1 bilhão de pesos (em paridade com o dólar). Essas cifras milionárias, entre outras, foram distribuídas da seguinte forma:(17)

  1. Para a exploração das minas, foram outorgadas às empresas norte-americanas 76 milhões de pesos.
  2. Para as quatro refinarias de petróleo e petroquímica (transnacionais), 94 milhões de pesos.
  3. Para as empresas norte-americanas de eletricidade (produção de energia), telefones e outras, foram transferidos 277 milhões de pesos.

Batista concedeu também a enorme soma de 538 milhões de pesos para investimentos gerais (a serviço dos interesses das famílias mafiosas de Havana e de suas relações). Desses investimentos, 61 milhões de pesos foram dirigidos à construção de centros turísticos, hotéis e motéis; 29 milhões de pesos, para o transporte aéreo; 32 milhões de pesos, para o transporte ferroviário; 96 milhões de pesos, para construções marítimas; quase 100 milhões de pesos foram destinados à infraestrutura viária, a Varadero, às zonas turísticas de Pinar del Rio e a avenidas, túneis e reformas para uma Havana deslumbrante, preferencialmente em lugares onde a Máfia tinha ou projetava novas construções; 62 milhões de pesos para as construções que ocupariam os órgãos do Estado, com fins alheios aos interesses da nação cubana.

A tirania tinha de manter uma política de pacificação com todas as forças que constituíam o poder real, assumindo os investimentos estrangeiros, além das vantagens preferenciais, isenções de impostos, gratificações, facilidades e garantias de todo tipo, que fizeram com que os grupos financeiros norte-americanos ficassem extremamente contentes. Essa política beneficiou de maneira excepcional companhias como a Foreign Power (eletricidade), a Firestone Rubber & Tire Company (pneus), a Dupont Inter American Chemical Company (tintas), a Freport Sulphur Company (níquel e cobalto), a Goodyear Rubbert & Tire Comp, a General Electric Company, a Owen Illinois Glass Company, a Fhelps Dodger Company (cobre), a International Telegraph and Telephone Company, a Standard Electric of Cuba, a Republic Stell Company, a Reynold Metal Corporation, a Texaco Company e a Standard Oil of New Jersey, pertencente ao poderoso consórcio Rockefeller, entre outras.

O reordenamento da economia cubana alcançou tal dimensão que até a cinematografia norte-americana não pôde deixar de apresentar, em filmes como O Chefão (Segunda Parte), numa história real, mafiosos e representantes dos grupos financeiros, à mesma mesa, no encontro em que, pelas enormes concessões recebidas pela transnacional ITT, o general Batista ganhou o cada vez mais famoso telefone de ouro.

Os estudos realizados pelo historiador Erasmo Dumpierre(18) também demonstram que

os organismos de crédito e financiamento, em uma verdadeira miscelânea de empréstimos, traduzida em omissões de bônus — impressão de papéis do Estado —, captando o efetivo dos bancos, companhias de seguros e financiamentos, bancos de capitalização e caixas de aposentados, pensões e seguros profissionais e de trabalhadores, extraíram mais de 900 milhões de pesos assim distribuídos:

BANDES........................................ 500 milhões
Financiera Nacional........................ 148 milhões
Fomento de Hipotecas Aseguradas... 140 milhões
Banco de Fomento Agrícola............. 121 milhões
Banco Cubano de Comercio Exterior... 48 milhões
Fondo de Seguros de Depositos........ 10 milhões

Além disso, há ainda 300 milhões de pesos em letras de câmbio, bônus a cargo da Dívida Interna, da Dívida Pública, da Dívida Externa e outros.

Os investimentos com os quais o Estado de caráter criminoso assumiu as construções da Máfia e os interesses das empresas norte-americanas constituiria uma lista demasiado extensa.

De qualquer modo, também é importante assinalar que o regime assumiu obras na praia de Varadero por um valor de 30 milhões de pesos, criando a Autoridad del Centro Turístico de Varadero, e assim a Máfia estendia rapidamente os seus negócios:

  1. Investimentosde mais de 13 milhões de pesos no Hotel Hilton. A Caja de Retiro y Asistencia Social de los Trabajadores Gastronômicos arruinou-se com os arranjos para um empréstimo de mais de 6 milhões de pesos.
  2. 8 milhões de pesos para a Compania Terminal de Helicópteros. A estação de helicópteros funcionaria no terraço do edifício construído em Obispo e Mercaderes (hoje o Ministério da Educação), e o começo dos voos tinha sido projetado para novembro de 1958. Essa empresa prestaria serviços entre os centros turísticos, sobretudo os construídos e projetados nas proximidades de Havana, incluindo El Monte Carlo de América (hoje Marina Hemingway), zonas de Pinar del Rio e Varadero, conectando esses lugares com zonas de atração turística de Havana Velha.
  3. 13,5 milhões de pesos para uma empresa de transporte rodoviário.
  4. 5 milhões de pesos para um centro turístico em Soroa.
  5. 12 milhões de pesos para a construção de uma via de conexão com as instalações que possuía a Máfia nas praias a oeste de Havana.
  6. 80 milhões de pesos destinados a um projeto conhecido como Canal Via Cuba, que dividia Cuba ao meio, e no qual o próprio governo norte- americano tinha interesses estratégicos; instalações em Cardenas e ao sul da Ilha, a Laguna do Tesouro. Esses novos pontos internacionais seriam operados pela Máfia com droga, jogo e pornografia, além de abrir zonas francas para o contrabando e lugares para um turismo de alto nível.

Mas, desde o primeiro momento, vislumbrou-se que aquele projeto era portador de uma corrupção poderosa demais para Cuba e não se pôde materializá-lo, pela grande resistência manifestada pelos cubanos. O povo não queria que o país se tornasse o grande prostíbulo do norte.


Notas de rodapé:

(1) Le Reverend, Julio. La República, dependencia y revolucion. Instituto do Livro. Havana, 1966, p. 340. (retornar ao texto)

(2) Ibid. (retornar ao texto)

(3) Ibid. (retornar ao texto)

(4) Ibid., p. 343. (retornar ao texto)

(5) Ibid. (retornar ao texto)

(6) Ibid., p. 344. (retornar ao texto)

(7) Ibid., p. 346. (retornar ao texto)

(8) Ibid., p. 348. (retornar ao texto)

(9) Pacheco Gonzáles, Maria Caridad. Revista Cubana de Ciências Sociales. “Situación de los obreros industriales cubanos en vísperas de la revolucion”. Havana, 1990, p. 100. (retornar ao texto)

(10) Informe de la Misión Truslow en Cuba. Edição mimeografada do Banco Nacional de Cuba. Havana, 1951 (4, p. 125). (retornar ao texto)

(11) Ibid. (5, p. 244). (retornar ao texto)

(12) Revista Bohemia. Havana, 9 de dezembro de 1991, p. 61. (retornar ao texto)

(13) BANDES. Criado pelo Decreto-lei n° 1589, de 4 de agosto de 1954. (retornar ao texto)

(14) Carta do diretor da CIA, Allen Dulles, ao general Fulgencio Batista, em 15 de julho de 1955. Arquivo Museu do Ministério do Interior. (retornar ao texto)

(15) Decreto-lei n° 1589. Diário Oficial de Cuba. Havana, 27 de janeiro de 1955. Tomado de BANDES: corrupción política, de Erasmo Dumpierre. Academia de Ciências de Cuba. Instituto de História. Serie Histórica. N. 20. Havana, 1970, pp. 3-4. (retornar ao texto)

(16) Ibid. (retornar ao texto)

(17) Batista, Fulgencio. Paradoja. Ediciones Botas. México, 1963, pp. 213, 217-219. (retornar ao texto)

(18) Dumpierre, Erasmo. Ob. cit., p. 25. (retornar ao texto)

Inclusão: 25/10/2023