Para a honra, medalha de ouro

Fidel Castro

24 de agosto de 2008


Fonte: Cuba Debate - Contra o Terrorismo Midiático

Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo


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Se fizermos uma estatística sobre o número de instalações, campos desportivos e equipamentos sofisticados que acabamos de ver nos últimos Jogos Olímpicos por cada milhão de habitantes: piscinas de natação, de saltos ornamentais e de pólo aquático; solos artificiais para competições de campo e pista, hóquei em campo; instalações para basquete, para vôlei; de águas rápidas para caiaque; velódromos para bicicletas de velocidade, polígonos de tiro, et cetera, et cetera, poderia afirmar-se que não estão ao alcance de 80 por cento dos países representados em Pequim, equivalente aos bilhões de pessoas que habitam no planeta.  A China, imenso e milenário país de mais de 1,200 milhões de habitantes, investiu 40 bilhões de dólares nas instalações olímpicas e precisará ainda de tempo para satisfazer as necessidades desportivas de uma sociedade em pleno desenvolvimento.

Se somarmos as pessoas que habitam na Índia, na Indonésia, no Bangladesh, no Paquistão, ou no Vietname, nas Filipinas e noutros, sem contar os quase 900 milhões de africanos e os mais de 550 milhões de latino-americanos, poderá ter-se uma idéia das pessoas que no mundo carecem dessas instalações desportivas.

É à luz de estas realidades que devemos analisar as notícias relacionadas com os Jogos Olímpicos de Pequim.

O mundo desfrutava da Olimpíada porque a necessitávamos, porque desejávamos ver os sorrisos e as emoções dos atletas participantes, e nomeadamente dos primeiros lugares, que recebiam o prêmio a sua perseverança e disciplina.

Qual deles poderia ser culpado das colossais desigualdades do planeta no qual nos tocou viver?  Como esquecer, por outro lado, a fome, a subalimentação, a ausência de escolas e professores, de hospitais, médicos, medicamentos e meios elementares para a vida que sofre o mundo! 

Sabemos o que certamente desejam aqueles que saqueiam e exploram o planeta que habitamos.  Por que desataram a violência e agudizaram os perigos de guerra no mesmo dia em que foram inaugurados os Jogos Olímpicos? Eles transcorreram em apenas 16 dias.

Agora, quando já passou o efeito da anestesia, o mundo volta aos seus angustiosos e crescentes problemas. 

Há alguns dias escrevi sobre nosso desporto. Há algum tempo que venho denunciando as repugnantes ações mercenárias contra essa actividade revolucionária e em favor do valor e da honra dos nossos atletas.

Enquanto transcorriam as competições, meditava sobre estas questões.  Talvez não tivesse decido tão rápido escrever alguma coisa sobre o tema se não tivesse acontecido o incidente do atleta cubano de tae-kwon-do Ángel Valodia Matos ― campeão olímpico há 8 anos em Sydney ― cuja mãe morreu quando competia e ganhava a medalha de ouro a 20 mil quilômetros de sua pátria.  Cheio de assombro pela decisão que lhe pareceu totalmente injusta, protestou e lançou uma patada contra o árbitro.  Tentaram comprar o seu próprio treinador, estava predisposto e indignado. Não pôde se conter.

O atleta costumava enfrentar valentemente as lesões que geralmente são freqüentes no tae-kwon-do.  O árbitro parou o combate quando estava ganhando três por dois.  Esse não foi o único caso.  Neste tipo de competições é muito grande o poder do árbitro e nenhum o dos atletas.  Os dois cubanos, taekwondoca e treinador, foram proibidos de por vida de participarem em competições internacionais. 

Assisti o momento quando os juízes roubaram com desfaçatez os combates aos pugilistas cubanos nas medias finais.  Os nossos combateram com dignidade e valentia; atacavam constantemente.  Tinham esperanças de ganhar, apesar dos juízes; porém foi inútil: estavam condenados de antemão.  No assisti o combate de Correa, ao qual também arrebataram a vitória. 

Não estou obrigado a me manter em silêncio a respeito da máfia.  Esta conseguiu burlar as regras do Comitê Olímpico.  Foi criminal o que fizeram com os jovens da nossa equipa de boxe para completar o trabalho dos que se dedicam a roubar atletas do Terceiro Mundo.  Em seu assanhamento, deixaram Cuba sem uma só medalha de ouro olímpica nessa disciplina.

Cuba jamais tem comprado um atleta ou um árbitro.  Há desportos onde a arbitragem está muito corrompida e nossos atletas lutam contra o adversário e contra o árbitro.  O boxe cubano, reconhecido internacionalmente pelo seu prestígio, tem encarado os intentos de suborno e corrupção para tirar a dentadas as medalhas de ouro ao país comprando pugilistas altamente treinados e curtidos, como tentam fazer com os jogadores de beisebol ou outros destacados desportistas.

Os atletas cubanos que competiram em Pequim e em vez de ouro trouxeram prata, bronze ou um lugar destacado nas competições, têm um enorme mérito como representantes do desporto amador que deu origem ao ressurgir do movimento olímpico.  São exemplos insuperáveis no mundo. 

Com quanta dignidade competiram!

O profissionalismo foi introduzido nas Olimpíadas por interesses comerciais, que tornaram o desporto e os desportistas, como já dizemos, em simples mercadorias.

Foi exemplar a conduta da equipa olímpica de Cuba de beisebol.  Em Pequim derrotou duas vezes a equipa dos Estados Unidos, o país que inventou esse desporto que devido aos interesses das grandes empresas comerciais foi expulso das Olimpíadas.  Por enquanto, o 2008 foi o seu último ano de participação olímpica.

O jogo final frente à Coréia do Sul foi qualificado como o mais tenso e extraordinário dos realizados numa Olimpíada.  Foi decidido na última entrada com três cubanos nas bases e um out.

Os beisebolistas profissionais adversários eram como máquinas desenhadas para rebater a bola; o seu lançador, um canhoto de velocidade, bolas variadas e precisão exacta. Tratava-se de uma equipa excelente. Os cubanos não praticam o desporto como profissão lucrativa; são educados, como todos os nossos atletas, para servir ao seu país. Caso contrário, a Pátria, pequena em tamanho e com os limitados recursos, os perderia para sempre. Nem sequer é possível calcular o valor dos serviços recreativos e educativos que ao longo da sua vida prestam à nação, em todas as províncias e na Ilha da Juventude.

No voleibol, a equipa provocou uma derrota à selecção norte-americana na fase eliminatória, ascendendo desde a parte mais baixa de uma escada de mais de 50 degraus. Uma façanha que ainda que voltem sem medalhas, ficará na história.

Mijaín ganhou com orgulho em difícil prova com um rival russo, a primeira medalha de ouro para Cuba.

Dayron Robles ganhou o ouro com ampla margem. A chuva empapou a flamante pista. Sem a humidade que ainda restava, tivesse podido bater facilmente o recorde olímpico, ademais do mundial que tinha imposto semanas antes no difícil e milimétrico evento dos 110 metros com obstáculos. É um atleta disciplinado e tenaz com 21 anos e nervos de aço.

Yoanka González ganhou a primeira medalha cubana de ciclismo numa Olimpíada.

Leonel Suárez, que obteve em decatlo medalha de bronze, completará 21 anos em Setembro. Os resultados atingidos em cada um dos dez eventos do seu quase inacessível desporto impressionam.

São tantos os atletas com grandes méritos, homens e mulheres, que não podem ser enumerados aqui, mas que é impossível esquecê-los.

Mais de 150 atletas da nossa pequena ilha participaram na Olimpíada de 2008 e deram a batalha em 16 dos 28 desportos em que ali se competiu.

O nosso país não pratica o chauvinismo nem comercia com o desporto, que é tão sagrado como a educação e a saúde do povo; pratica, porém a solidariedade. Há anos fundou uma Escola Formadora de Professores de Educação Física e Desporto, com capacidade para mais de 1500 alunos do Terceiro Mundo. Com esse mesmo espírito solidário celebra a vitória dos velocistas jamaicanos, que conseguiram 6 medalhas de ouro; do saltador panamenho com ouro, do pugilista dominicano com igual título, ou o das voleibolistas brasileiras que venceram esmagadoramente à equipa dos Estados Unidos e ganharam a primazia.

Por outro lado, milhares de instrutores desportivos cubanos têm cooperado com países do Terceiro Mundo.

Estes méritos do nosso desporto não nos eximem no mais mínimo de responsabilidades presentes e futuras.

Nas competições desportivas mundiais, pelas causas assinaladas, tem-se produzido um salto de nível. Não vivemos hoje as mesmas circunstâncias da época em que chegamos a ocupar relativamente rápido o primeiro lugar do mundo em medalhas de ouro por habitantes, e como é lógico isso não se repetirá.

Somos por volta do 0,07% da população mundial. Não podemos ser fortes em todos os desportos como os Estados Unidos, que possui pelo menos 30 vezes mais população. Nunca poderíamos dispor nem do 1% das instalações e equipas de diversa índole, nem dos climas variados do que eles dispõem. Também isto acontece com a outra parte do mundo rico, que possui pelo menos duas vezes o número de habitantes dos Estados Unidos. Esses países somam ao redor de bilhões.

O facto de participarem mais nações e as competições serem mais difíceis é em parte uma vitória do exemplo de Cuba. Mas ficamos distraídos. Sejamos honestos e reconheçamo-lo todos. Não interessa o que digam os nossos inimigos. Sejamos sérios. Revisemos cada disciplina, cada recurso humano e material que dedicamos ao desporto. Devemos ser profundos nas análises, aplicar as novas idéias, os conceitos e os conhecimentos. Distinguir entre o que se faz para a saúde dos cidadãos e o que se faz pela necessidade de competir e divulgar este instrumento de bem-estar e de saúde. Podemos não competir fora do país e o mundo não se acabaria por isso. Considero que o melhor é competir dentro e fora, enfrentar-nos a todas as dificuldades e usar melhor todos os recursos humanos e matérias disponíveis.

Preparemo-nos para importantes batalhas futuras. Não nos deixemos enganar pelos sorrisos de Londres. Lá haverá chauvinismo europeu, corrupção arbitral, compra de músculos e cérebros, custo impagável e uma forte dose de racismo.

Nem sequer sonhar que Londres atingirá o nível de segurança, disciplina e entusiasmo que conseguiu Pequim.

Uma questão é certa: haverá um governo conservador e se calhar menos belicoso que o actual.

Não esqueçamos a honradez, a honestidade e o prestígio profissional que desfrutam os nossos árbitros internacionais e os cooperantes desportivos.

Para os nossos atletas de tae-kwon-do e o seu treinador, a nossa completa solidariedade. Para os que voltam hoje, o aplauso de todo o povo. 

Recebamos os nossos desportistas olímpicos em todos os cantos do país. Ressaltemos a sua dignidade e os seus méritos. Façamos por eles o que estiver ao nosso alcance.

Para a honra, Medalha de Ouro!


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Inclusão: 11/01/2020