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Ao final da última conferência deixávamos Minneapolis e estávamos de regresso para Nova York, buscando novos mundos para conquistar. A grande onda de greves de 1934, a segunda sob a administração Roosevelt, não havia esgotado todas as suas forças. O número de operários envolvidos alcançou sua crista em setembro, com a greve geral dos operários têxteis. 750 mil operários das fábricas de algodão foram para a greve em 1º de setembro de 1934. The Militant noticiou a greve com um editorial completo com seus conselhos sobre o que deveriam fazer os grevistas. Montada sobre a onda do movimento das massas trabalhadoras, nossa organização política avançava. Nosso progresso, contudo, foi interrompido um tempo por um pequeno obstáculo, chamado crise financeira. A mesma edição do The Militant que noticiava a greve dos 750 mil operários têxteis com uns poucos artigos sobre as conclusões da greve de Minneapolis, levava a seguinte notícia na página da frente (a cópia lhes dará hoje o sabor da situação tal qual se apresentava naquele momento):
"Estamos em uma crise ... Nossas atividades em Minneapolis esgotaram nossos recursos ... Eis aqui os fatos: é uma questão de dias para que apareça o chefe de polícia em nossa sede e nos atire na rua junto com nosso equipamento de impressão. Já chegou uma nota de despejo. E ainda assim o proprietário foi misericordioso por uns poucos dias, provavelmente estaríamos obrigados a deixar de funcionar de todas as formas. Se deve uma grande conta de eletricidade; a energia elétrica será cortada. A companhia de gás, a companhia de papel e um montão de outros cobradores estão sobre nosso pescoço exigindo pagamentos. Enviem colaborações. Atuem agora!"
Assim equipados nos dirigimos ao American Workers Party com outra proposta de unidade. Os chamamos a unirem-se para formarmos um novo partido que conquistasse o mundo. Reabrimos as negociações com uma carta de 7 de setembro, requerendo ao AWP que tomasse uma posição positiva em favor da unificação e que formasse uma comissão para discutir conosco o programa e os detalhes organizativos. Desta vez recebemos uma resposta rápida do American Workers Party. Era uma carta de duas caras. Por um lado, sob a influência dos quadros e dos ativistas de base na Conferência de Pittsburg, que haviam falado bastante enfaticamente a favor da unidade, a carta do AWP, firmada por Muste, o Secretário Nacional, era conciliadora no tom e se dizia a favor da unidade se pudéssemos chegar a algum acordo. Expressava os sentimentos dos elementos honestos, ativos, no campo operário do AWP. Creio que mesmo Muste tinha igual disposição naquele momento. A mesma carta, contudo, tinha outro lado que continha uma referência provocadora sobre a União Soviética. Representava a influência de Salutsky e Budenz, que eram hostis a união com os trotskistas.
O AWP não era uma organização homogênea. Seu caráter progressivo estava determinado por dois fatores: 1) através de suas atividades no movimento de massas, nos sindicatos e no campo dos desempregados, haviam atraído alguns militantes operários de base e quadros que estavam seriamente na luta contra o capitalismo; 2) a direção geral na qual se movia o AWP nesse momento era claramente para a esquerda, tinha uma posição revolucionária. Esses dois fatores determinavam o caráter progressivo do movimento de Muste de conjunto. Ao mesmo tempo, como já o disse, nos davamos conta de que não era uma organização homogênea. De fato, poderia ser descrita propriamente como uma coleção que tinha dentro todo tipo de espécies políticas. Em outras palavras, os membros do AWP incluíam de tudo, desde proletários até canalhas reacionários e falsos.
A personalidade que sobressaía-se no American Workers Party era A. J. Muste, um homem notável que sempre foi extremamente interessante para mim e por quem sempre tive os sentimentos mais amigáveis. Era um homem capaz e enérgico, evidentemente sincero e entregue à causa, para seu trabalho. O ponto contra era seu passado. Muste havia começado sua vida como pregador. Quando quiz recomeçar isto significou obstáculos para ele. Porque é muito difícil extrair algo de um pregador. Digo isto mais com tristeza que com nojo. O vi tentar várias vezes, mas nunca com êxito. Muste era, se pode dizer, a última e melhor oportunidade; e ainda é. A melhor perspectiva de todas não pode avançar até o fim por causa daquele terrível passado de igreja, que havia estropiado seus anos de formação. Tomar o ópio da religião é muito mal por si mesmo — Marx a definiu corretamente como um ópio. Mas vender o ópio da religião, como fazem os pregadores é muito pior. É uma ocupação que deforma a mente humana. Nem um só pregador, dos muitos que têm vindo ao movimento de esquerda da América do Norte, através de sua história, nenhum deles avançou e transformou-se em um autêntico revolucionário. Mas, apesar do obstáculo de seu passado, Muste era promissor por suas qualidades pessoais excepcionais, e pela grande influência que tinha sobre as pessoas que o rodeavam, seu prestígio e boa reputação. Muste prometia transformar-se em uma força real como dirigente em um novo partido.
Muste não era o único dirigente do AWP. Era, podemos dizer, o mediador, o dirigente central que balanceava as coisas entre os lados em combate.
Havia outro homem extremamente capaz no Comitê Nacional do American Workers Party. O mencionei em uma conferência anterior: seu nome era Salutsky. Esse era o nome sob o qual o conhecemos no Partido Socialista e nos primeiros anos do comunismo norte-americano. Agora anda sob o nome de J. B. S. Hardman, o editor de Advance, órgão oficial do Amalgamated Clothing Workers, e está neste posto pelos últimos 20 anos. Salutsky era um homem para o meio intelectualmente socialista. Seu passado estava no movimento socialista russo, o Bund judeu. Foi um dirigente destacado da Federação Socialista Judia do Partido Socialista Norte-Americano. Por anos foi o editor do órgão da Federação Judia, e mais capaz que Olgin e outros destacados membros do movimento. Moralmente, Salutsky era um débil, um volúvel oportunista que nunca podia terminar de decidir-se de cheio em uma direção. Queria e não queria. Estava sempre dividido em sua lealdade, e cada movimento que fazia em uma direção era seguro pela contradição que levava dentro de si, aquela dupla personalidade, que o empurrava em outra direção. Vivia uma vida dupla. Aos domingos queria ser de um partido, dar conferências, discutir teorias, associar-se com gente de idéias. Mas nos dias de semana era J. B. S. Hardman, o editor lacaio do Advance, franco- atirador intelectual que fazia todo o tipo de trabalho sujo para aquele rude ignorante e engana bobos que era o chefe do Amalgamated Clothing Workers, Sidney Hillman.
Conhecia a Salutsky bastante do ponto de vista pessoal. Quando o encontrei em 1934, no curso das negociações com o American Workers Party, estávamos pela segunda vez em uma situação similar. Treze anos antes, em 1921, ele e eu — em lados opostos — participamos do comitê de negociação conjunto dos "Conselhos Operários" e do Partido Comunista clandestino. "Conselhos Operários" era o nome de um grupo de vida curta dos Socialistas de Esquerda que rompeu em 1921 com o Partido Socialista; ou melhor dois anos depois da grande ruptura decisiva de 1919, e veio à unidade conosco sobre a base de um Partido Comunista legal. Sua posição foi de acordo com sua característica. Em 1919, quando teve lugar a ruptura principal, quando todo o movimento estava dividido em comunistas por um lado e social-democratas por outro, Salutsky rechaçou os comunistas e permaneceu no Partido Socialista. Mas suas tendências esquerdistas e seu conhecimento do socialismo eram tais que não podia reconciliar-se completamente com a ala direita, e começou a jogar com a organização de um novo grupo de esquerda no Partido Socialista. Esse era um grupo de comunistas de segunda grandeza, de segunda linha. Perto de 1921, Salutsky, seus amigos e gente parecida, participaram de uma nova ruptura do Partido Socialista e formaram outra organização, os "Conselhos Operários".
Foi uma característica de Salutsky que nunca chegou a unir-se ao Partido Comunista diretamente e sem reservas, nem em 1919 nem em 1921. Não queria unir-se ao Partido Comunista clandestino, mas somente formar um novo partido com um programa moderado, estritamente "legal". Se uniu pela porta de trás em 1921, através dessa fusão que fizemos com o "Conselho Operário" para formar nosso partido legal, o Workers Party. Aquela fusão coincidiu justamente com nossos propósitos naquele momento. O Partido Comunista dos Estados Unidos era clandestino e estávamos tentando colocá-lo na legalidade por etapas, como já foi relatado. Naquele momento queríamos formar uma organização legal, não como partido, auto-suficiente, mas sim como um espantalho do movimento clandestino e como um passo de nossa briga pela legalidade. Servia muito bem aos nossos propósitos efetivar uma unificação com grupos com as medidas da organização de Salutsky, o "Conselho Operário", e lançar um partido legal no qual a maioria comunista estivesse assegurada firmemente. Este partido legal — conhecido Workers Party — estava completamente sob a domínio do Partido Comunista. Todo mundo sabia que era a expressão legal do Partido Comunista. O que fez Salutsky foi uma espécie de adesão mascarada ao movimento comunista. Mas não esteve muito tempo. Quando o Workers Party lançou uma campanha contra a burocracia sindical, começou a escapar-se. Salutsky não tinha estômago para esse tipo de coisas.
Uma coisa é fazer uma reunião num domingo sobre o socialismo e a luta de classes, explicar as contradições do capitalismo e a inevitabilidade da revolução. Outra coisa é comprometer-se com a ação prática revolucionária que pode levar a um conflito com os burocratas. Salutsky saiu do Workers Party ou foi expulso — não lembro como foi. Mas isso não importa.
Salutsky, contudo, não podia deixar de jogar com as idéias do socialismo e da revolução. Se uniu a CPLA, a predecessora do American Workers Party. Ajudou a dar-lhe uma certa direção política, e apoiou a idéia de transformá-lo em um partido, mas queria um partido pseudo-revolucionário, não um real. Não queria conflitos com a burocracia dos sindicatos e sobretudo temia uma união com os trotskistas. Nada do que Salutsky podia fazer para sabotar a unificação deixou de fazer. Ele conhecia, como muitos outros, aquela característica do nosso movimento que foi mencionado em conferências anteriores: trotskista significa seriedade. Salutsky sabia que uma vez que tivesse lugar uma fusão do AWP com os trotskistas, toda possibilidade futura de disfarçar-se como socialista com um partido pseudo-radical estaria perdida para ele.
Nas negociações nos encontramos com Salutsky como inimigos, bem educados certamente, como é costume entre os negociadores, passamos o dia fazendo umas poucas brincadeiras e ocultando o punhal — ao menos no princípio. Recordo o primeiro dia para nós — Shachtman e eu, e creio que Abern ou Oehler , não estou seguro de quem — entramos no escritório do American Workers Party para nos encontrarmos combinadamente com Muste, Salutsky e Hook, o professor da Universidade de Nova York que depois afastou-se do socialismo. Como estávamos trocando brincadeiras antes de começar a reunião, Salutsky me disse, com aquele sorriso triste que parecia levar sempre: "Sempre leio The Militant. Me agrada ver o que têem para dizer os trotskistas".
Tinha na ponta língua uma resposta para dar-lhe, a de que sempre lia o Advance para ver o que tinha Hillman para dizer. Mas deixei passar. Estávamos com a melhor atitude, para poder levar adiante a unidade com as menores fricções possíveis sobre miudezas. Salutsky tentou sabotar a unidade por todos os meios, mas ao final perdeu o jogo. Em vez de empurrar o American Workers Party para longe dos trotskistas, o empurrava para nós, para a consequente unificação, e foi colado de lado como um trapo velho. Isto pôs fim as atividades de Salutsky como "socialista". Deixou o partido, e a política de esquerda também. Agora está no campo de Roosevelt — e é aí o lugar a que pertence.
Outro dirigente de destaque do American Workers Party naquele momento era um homem chamado Louis Budenz. Havia sido um trabalhador social. Seu interesse no movimento operário foi o de um estudante — observador e publicista de uma revista que dava conselhos aos trabalhadores mas não representava um movimento organizado. De repente, por meio da CPLA, se viu envolvido pela primeira vez no movimento de massas para o qual tinha inquestionavelmente um talento considerável.
O trabalho de massas é um trabalho duro e devora muita gente. Em 1934 Budenz, que não tinha um passado ou educação socialista, era uns 100 por cento patriota, três quartos stalinista, cansado e meio enfermo, buscando uma oportunidade para vender-se. Era um oponente da unificação. Budenz já estava olhando para o partido stalinista, assim como uma considerável parte do AWP o havia feito. Só a vigorosa intervenção dos trotskistas e a pressão de nossas negociações pela unidade impediram que o partido stalinista tragasse uma grande parte do AWP naquele momento. Devo agregar que Budenz casualmente encontrou sua oportunidade de vender-se, hoje é editor do Daily Workers e por anos tem feito todos os trabalhos sujos pelos quais lhe pagam.
Depois vinha Ludwig Lore, bem conhecido por nós desde os velhos tempos do Partido Comunista. Lore, um dos primeiros comunistas nos Estados Unidos, um dos primeiros editores de Class Struggle, a primeira revista comunista neste país; um socialista de esquerda mais que um comunista de coração, estava passando pelo AWP em seu caminho para completar a reconciliação com a democracia burguesa. Finalmente conseguiu um trabalho no New York Evening Post como um colunista ultra patriótico. Lore estava contra a unificação.
Estas eram algumas das figuras líderes no AWP. Discutindo em nossas fileiras a questão de unificarmos com os muteístas, encontramos oposição, o começo de uma fração sectária em nosso movimento encabeçada por Oehler e Stamm. Escutamos os velhos argumentos familiares aos sectários, que vêem só os dirigentes oficiais das organizações, não a militância, e que julgam de acordo com isto. Eles perguntavam: "Como podemos nos unir com Salutsky, com Lore, e os outros?" Se não houvesse havido nada mais que Salutsky, Lore e companhia no American Workers Party, haveria havido alguma lógica em sua oposição.
Por trás destes falsos e renegados víamos alguma gente séria, alguns militantes proletários. Antes havia mencionado o camarada que dirigiu a greve de Toledo. Tinham numerosos elementos deste tipo na Pennsylvania e no Meio Oeste. Eles haviam construído uma organização de desempregados de um tamanho considerável. Esses ativistas proletários do AWP eram do tipo que nos interessava; o mesmo era com Muste, quem nós pensávamos que podia transformar-se em um bolchevique. Ao lado de Muste, que era uma figura por si mesmo, ao lado de Budenz, Salutsky, Lore, haviam outros nesta massa heterogênea chamada American Workers Party: as pessoas de Toledo; os quadros e militantes no movimento dos desempregados e alguns quadros e militantes dos sindicatos. Em suma, para arredondar a lista do American Workers Party, havia algumas garotas do YWCA, estudiosos da Bíblia, intelectuais vários, professores universitários e alguns não classificados que se extraviaram.
Nossa tarefa política era não permitir que os stalinista tragassem este movimento, e remover um obstáculo centrista de nosso caminho fazendo uma unificação com os ativistas proletários e a gente séria, isolando os impostores e descartando os elementos inassimiláveis. Essa era uma grande tarefa, mas ao cabo triunfamos não sem grandes esforços e dificuldades.
Eu mencionei que a carta do AWP, em resposta a nossa segunda proposta para negociar, continha uma provocação sobre a questão russa, inquestionavelmente inspirada por Salutsky e Budenz. Extraio umas poucas frases daquela carta para dar-lhes uma idéia sobre a provocação: "Devemos ter cuidado para que nossa crítica as políticas da Internacional Comunista e do Partido Comunista, não só não sejam, mas que estão livres de qualquer aparência de ser, um ataque sobre a União Soviética. Contudo, por justificadas que haviam sido algumas das críticas da CLA a certa política da União Soviética, tem ficado na opinião pública como uma expressão de uma atitude antagônica perante a União Soviética". Continuavam dizendo na carta que devia haver um claro entendimento, que unindo-se conosco, eles não iam se tornar anti-soviéticos. Quando lemos essa carta em nossa reunião do Comitê Nacional não a podíamos crer. Nós havíamos estado defendendo a União Soviética desde 1917. Esta gente em grande parte recém a havia descoberto e já nos dava aulas sobre nossas obrigações para com a União Soviética. Muito bravos nos sentamos e cuspimos uma queimante resposta para tirá-los do eixo. Tão logo a escrevemos, dizendo-lhes onde podiam metê-la, nos esfriamos. A reconhecemos como o que era: uma provocação. Teria sido muito tolo de nossa parte cair na armadilha e perder de vista nossas tarefas e objetivos políticos. Por conseguinte delineamos na reunião do Comitê outra resposta que : 1) apresentaríamos firmemente nossa posição sobre a União Soviética; 2) simularíamos não levar em conta a provocação; 3) enraizaríamos de novo a necessidade da unidade.
Este tipo de resposta foi feita para tornar mais difícil a tarefa dos provocadores de evitar a unidade com os militantes do AWP.
Enquanto estávamos sentados na reunião em nosso “quartel general” da Second Avenue, discutindo os pontos deste esboço e decidindo quem escreveria a declaração, recebemos uma visita do professor Hook e Burnham que eram membros deste fantástico comitê nacional do American Workers Party. Eles estavam pela fusão. Isso era muito vantajoso para nós — ter um par de professores no comitê do AWP a favor da fusão sem considerar quais podiam ser seus motivos reais. Hook queria a fusão para desfazer-se do AWP e terminar sua breve aventura na política partidária. Queria colocar-se de lado, o único lugar onde ele se sentia sempre em casa, e o qual nunca devia haver deixado. Burnham, como mais tarde mostraram os acontecimentos, queria a unidade com os trotskistas porque ia dar depois um passo mais longo, tornando-se um pouco mais radical; queria provar com a ponta do pé a água fria da política proletária, entretanto, estava firmemente apoiado com o outro pé na aragem da burguesia. Os dois valorosos professores nos advertiram da provocação. Temiam que lhes respondessemos de um modo que tornasse impossível a unidade. Por isso haviam vindo nos visitar. Se sentiram muito satisfeitos e aliviados quando lhes demos a segunda versão de nossa resposta.
Entretanto, tudo isto passava em nosso campo, as coisas se sacudiam em todos os lados, em todas as organizações, sob o impacto do desenvolvimento do movimento de massas. Nós estávamos começando a atrair a pequenos grupos de pessoas dos lovestonistas e outros círculos naquele momento. Havia uma notícia no The Militant de 8 de setembro: "O grupo de Lovestone se divide em Detroit. Cinco se unem à Liga". A mesma edição do The Militant contava que Herbert Zam havia deixado a organização de Lovestone, e que Zam e Gitlow iam unir-se ao Partido Socialista. The Militant de 29 de setembro noticiava: "Os Bolcheviques-Leninistas franceses estão se unindo ao Partido Socialista da França como uma fração". Essa foi a primeira grande ação tomada levando adiante a linha de Trotsky do "Giro Francês" que apontava para que nossos camaradas se unam, sempre que seja possível, naquelas organizações socialistas reformistas que pudessem estar abertas a eles para estabelecer contato com as alas esquerdas em desenvolvimento e, deste modo, sentar as bases para um novo partido.
Nossas propostas organizativas, que foram submetidas ao American Workers Party em nosso terceiro encontro, ajudaram a facilitar a unificação. Sempre cremos que o programa decide tudo. Um grupo que está seguro da adoção de um programa marxista não necessita brigar muito duro sobre cada detalhe organizativo. É um erro comum cometido por militantes inexperientes em política exagerar as questões organizativas e desprezar o papel decisivo do programa. Nos primeiros dias do movimento comunista norte-americano muitas das brigas e das rupturas foram causadas desnecessariamente por uma exagerada importância por parte das diferentes frações para posições organizativas que eram consideradas postos avançados para uma fração. Nós temos aprendemos algo daquela experiência, que agora nos serve como boa ajuda.
Quando no curso das negociações encontramos os musteístas mais próximos de nós nas questões do programa, avançamos com um conjunto completo de propostas para o aspecto organizativo da fusão, um aspecto que importava demais a um número deles. Nós lhe oferecemos um acordo de 50% a 50% em tudo. Nesse momento éramos mais fortes que os musteístas numericamente. Quando se punham as cartas sobre a mesa da questão dos membros cotizantes da organização, nós tínhamos mais força. Eles tinham provavelmente um movimento maior de uma forma nebulosa, provavelmente mais simpatizantes em geral, mas nós tínhamos mais membros reais. Nossa organização era mais compacta. Mas nós não tomamos em consideração tudo isso e lhes oferecemos um trato em que as posições oficiais no partido se dividiriam eqüitativamente entre as duas partes. Ademais, em cada caso onde houvéssem dois postos de relativa igualdade de importância, lhes ofereceríamos a eleição. Por exemplo, nas duas posições líderes, propusemos que Muste fosse o Secretario Nacional e que eu fosse o editor do periódico. Ou, se o desejassem, o inverso, eu seria o Secretario Nacional e Muste, o editor. Lhes era muito difícil objetar isto. Sabíamos o que significava para eles, com sua ênfase nas questões organizativas, ter a secretaria, porque esta, ao menos em teoria, controla a máquina partidária. Nós estávamos mais interessados no cargo editorial porque esta forma mais diretamente a ideologia do movimento. Fizemos o mesmo com os postos de secretário-operário e diretor de formação. Propusemos ficar com o último e dar-lhes o primeiro, ou vice-versa, como eles quisessem.
O Comitê Nacional teria um número igual de cada parte e toda outra questão de organização que poderia surgir se trataria sobre bases paritárias. Essa era nossa proposta. A óbvia eqüidade, ainda generosa, impressionou fortemente Muste e seus amigos. Nossas "propostas de organização", em lugar de precipitar conflitos e paralisações, como tem ocorrido freqüentemente, facilitaram enormemente a unidade. Como foi dito, éramos capazes de fazer isto, e de eliminar de um só golpe aquilo que tem sido regularmente um obstáculo insuperável, porque havíamos aprendido as lições das brigas organizativas do passado no Partido Comunista.
Tomamos uma atitude liberal e conciliadora sobre as questões de organização, reservando nossa intransigência para a questão do programa. Se elegeu um comitê conjunto para esboçá-lo. Depois que haviam sido desenhadas, discutidas e emendadas duas ou três minutas; depois de um pouco de pressão e conflito, finalmente se acordou um. Este se transformou depois da ratificação da convenção conjunta, na "Declaração de Princípios" do Workers Party dos Estados Unidos, que foi caracterizado pelo camarada Trotsky como um programa rigidamente principista.
Por isso, recebemos algumas advertências dos stalinistas que haviam dormido nas margens enquanto o desprezível e pequeno grupo "sectário" de trotskistas havia entrado para um campo que eles consideravam como seu. Haviam feito todos os intentos para absorver a organização de Muste e tinham mais direitos de esperar ganhá-los que nós. Mas nós havíamos pego o soco, havíamos atuado no momento justo — o tempo é essencial em política — e fomos mais profundos nas negociações para a unidade com o AWP antes que os stalinistas se dessem conta do que estava se passando. Quando despertaram sairam em sua imprensa com conselhos e advertências. O título do The Militant de 20 de outubro dizia: "A imprensa stalinista adverte o AWP contra a unidade conosco". A referência era um artigo do Daily Worker do notório Bittleman, que, sob o título "Sabe o American Workers Party com quem está se unindo?" dava uma franca advertência para ambos. Aos musteístas os stalinistas lhes diziam: "Nós devemos advertir aos trabalhadores que seguem Muste e seu American Workers Party contra uma armadilha que lhes está sendo armada pelos seus dirigentes, a armadilha do trotskismo contra-revolucionário". E depois, para mostrar sua imparcialidade, no mesmo artigo giravam e diziam: "Para aqueles poucos operários desencaminhados que ainda seguem aos trotskistas: Cannon, Shachtman e companhia os estão levando para a unidade com Muste, o campeão do nacionalismo burguês".
Nós lhes respondemos: "Se os trotskistas são contra-revolucionários e os musteístas nacionalistas burgueses, poderiam muito bem deixá-los juntos no mesmo saco. Nada mal pode sair disto porque nenhum dos dois podem fazer algo pior que a fusão”. As duas organizações começaram a colaborar nas atividades práticas. Tivemos encontros conjuntos antes da fusão. The Militant de 6 de outubro noticia que Muste e Cannon falaram perante numa manifestação comum de massas da CLA e o AWP em Paterson, Nova Jersey, para 300 operários da seda discutindo as lições da greve.
Nesta época, em outubro de 1934, fui enviado ao exterior pelo Comitê Nacional à reunião do plenum do Comitê Executivo da Liga Comunista Internacional em Paris. Dali fui visitar o camarada Trotsky em Grenoble, ao sul da França. Foi a primeira vez que vi o camarada Trotsky pessoalmente desde seu exílio da URSS anos atrás. Muitos camaradas norte-americanos haviam estado no estrangeiro, mas essa era minha primeira viagem. Shachtman havia estado ali duas vezes e muitos outros membros individuais da organização, quem podia financiar viagens pessoais para a Europa, o havia visto. Nesse momento o camarada Trotsky estava sendo perseguido pelos fascistas franceses.
Alguns de vocês recordam-se que naquele momento, 1934, a imprensa fascista francesa começou a fazer um grande escândalo pela presença de Trotsky na França. Fizeram tal agitação — na qual estiveram junto os stalinistas sob o slogan comum: "Fora com Trotsky da França" — que aterrorizaram o governante Daladier para que revogasse seu visto. Ele foi ordenado a deixar a França e privado de todos os seus direitos para permanecer ali. Mas eles não puderam encontrar nem um só país capitalista no mundo inteiro que o desse um visto de entrada, e tiveram que deixá-lo na França. Mas ele estava ali sob as circunstâncias mais incertas e perigosas, sem nenhuma proteção real, nem direitos legais, enquanto a imprensa fascista e os stalinistas seguiam perseguindo-o o tempo todo. Nesse momento estava escondido na casa de um simpatizante em Grenoble. Não tinha assistentes, nem secretários, nem datilógrafos porque estava vivendo dias incertos. Estava obrigado a fazer todo seu trabalho à mão. Os cães de caça da reação o queriam fora dalí. Perseguido de um lugar a outro, só conseguiu estabelecer-se na casa de um simpatizante, e começou a trabalhar, até que os fascistas locais descobriram sua presença no novo refúgio. A manhã seguinte aparece um título escandaloso no jornal: "O que está fazendo nesta cidade o assassino russo, Trotsky?". Isto provocou gritos e ais, e ele abandonou o lugar na escuridão da noite, tão logo foi possível, para salvar sua vida, e encontrar outro lugar para esconder-se. O mesmo se repetia uma vez ou outra. Durante esse tempo a saúde de Trotsky estava muito mal e quase morreu. Aqueles foram dias de grande ansiedade para todos nós.
Foi um momento muito feliz para mim, de manhã cedo — perto das sete — depois de viajar toda a noite desde Paris, pude entrar nessa casa, ver e saber que ele ainda estava vivo. Me reuni com ele para o desjejum mas preferiu sentar-se e começar diretamente a discussão política. Sua primeira pergunta foi: "O que passou-se no plenum? Votaram as resoluções?". Cortesmente, pulei as questões de pouco sustento. Então tomei o desjejum com Trotsky e Natália, e rompi uma das regras da casa, pela qual me desculpei mais tarde. O fiz por ignorância. Havia ouvido que ele não permitia que fumassem em sua presença. Glotzer e outros haviam regressado com relatos terríveis das reprimendas que haviam recebido por este motivo. Eu havia pensado que isto era como uma idiossincrasia por parte de Trotsky, não era para ser tomado muito seriamente. Eu estava acostumado a fumar depois do desjejum e, como o café estava servido — esse é o melhor momento para quem sabe fumar — tirei meu cigarro e depois de que o fato estava meio consumado, disse graciosamente: "Escutei de algumas pessoas que é proibido fumar. É assim mesmo?" Ele me disse, "Não, não, siga fumando". E agregou: "Para rapazes como Glotzer não está permitido, mas para um sólido camarada como você está bem". Por isso fumei todo o tempo em sua presença durante a minha visita. Só anos depois aprendi que fumar era repugnante fisicamente para ele, e até o adoecia e me arrependi profundamente de tê-lo feito. À tarde Trotsky nos levou para uma viagem em seu automóvel no alto dos Alpes franceses. No cume da montanha tivemos uma longa discussão sobre o projeto de fusão com os musteístas. O velho aprovou tudo o que havíamos feito, inclusive nossa simulação com a provocação sobre a URSS. Nos pusemos de acordo em um ou dois pontos que havíamos deixado em suspenso esperando seu conselho; medidas para facilitar nossa unificação com os musteístas. Estava totalmente a favor desta, e também se interessou muito pela personalidade de Muste, me fez perguntas sobre ele e manejou algumas expectativas de que Muste se desenvolveria como um real bolchevique mais adiante.
O plenum da Liga Comunista Internacional aconteceu em Paris, em outubro de 1934. O propósito desse plenum era concluir o que já havia sido acordado pelo Comitê Executivo Internacional e afirmado por referendum nas secções nacionais: a decisão de levar adiante o "Giro Francês"; ou melhor o giro realizado por nossa organização francesa para unir-se ao Partido Socialista da França como um todo e trabalhar dentro desse partido reformista como uma fração, para entrar em contato com sua Ala Esquerda, buscando influenciá-la e fusionar-se com ela, e deste modo, preparar as bases para a eventual construção de um novo partido revolucionário na França. O plenum apoiou esta linha, o que significava uma reorientação de nossas táticas em todo o mundo. A ação se levava a cabo sob a consigna que mencionei antes: Girar de um círculo de propaganda, como havíamos sido por cinco anos, a um trabalho de massas, para tomar contato com o movimento vivo dos trabalhadores que iam em direção ao marxismo revolucionário.
Quando regressei de Paris para informar sobre o pleno à nossa organização em Nova York, encontramos uma oposição encabeçada por Oehler e Stamm e reforçada por um volúvel imigrante ultra-esquerdista alemão chamado Eiffel. Eles objetavam, por princípio, nossa união a qualquer secção da Segunda Internacional. Seus argumentos, como todos os argumentos dos sectários, eram formais, estéreis, por fora da realidade de nossos dias. "A Segunda Internacional" — diziam e bastante corretamente — "traiu o proletariado na Guerra Mundial. Foi denunciada por Rosa Luxemburgo como um "cadáver fedorento". A Internacional Comunista se formou em 1919 em luta contra a Segunda Internacional. E agora, em 1934, vocês querem regressar para essa organização reformista e traidora. Isso é uma traição de princípios".
Em vão lhes explicamos que a Segunda Internacional de 1934 não era exatamente a mesma organização que que havia sido em 1914 ou em 1919. Que a burocratização da Comintern havia empurrado para dentro dos partidos socialistas com sua forma de organização mais livre, mais democrática, uma nova camada de operários que despertavam, de militantes. Que havia crescido ali uma nova geração de jovens socialistas que não participaram na traição de 1914-1918. Que desde que havíamos sido varridos de toda participação na Comintern, devíamos reconhecer a essa força. Que se queríamos construir um novo partido revolucionário deveríamos dirigir nossas forças para a Segunda Internacional e estabelecer contato com sua nova ala esquerda.
Depois a oposição sectária foi mais longe com um novo argumento. "Não é um dos princípios do marxismo, e uma das condições de admissão no movimento trotskista, que devemos estar pela independência incondicional do partido revolucionário em todo momento e sob qualquer circunstância? Não é isto um princípio?" "Sim", respondíamos, "é um princípio. Esta é a grande lição do Comitê Anglo-Russo. Esta é a lição fundamental da Revolução Chinesa. Temos publicado folhetos e livros para provar que o partido revolucionário nunca deve fundir-se com outra organização política, nunca deve mesclar suas bandeiras, mas permanecer independente ainda que no isolamento. A Revolução húngara foi destruída em parte pela fusão falsamente motivada dos comunistas e dos social- democratas".
"Tudo isto é correto", dissemos, "mas há um pequeno parafuso solto em seus argumentos. Nós não somos ainda um partido. Somos só um grupo de propaganda. Nosso problema, como o diz Trotsky, é pôr algo de carne sobre nossos ossos. Se nossos camaradas franceses podem penetrar no movimento político de massas do Partido Socialista, atrair a sua ala Esquerda e fusionar-se com ela, então eles vão poder construir um partido no real sentido da palavra, não uma caricatura. Então poderão aplicar o princípio da independência do partido sob qualquer condição, e o princípio terá algum sentido. Vocês usam o princípio de uma forma que o transforma em uma barreira contra os movimentos táticos necessários para fazer possível a criação de um partido real".
Não podemos nos mover. Pensamento formal, esse é o problema do sectarismo; carente dos sentidos das proporções das proporções; sem consideração pela realidade; excentricidade estéril em um círculo fechado. Começamos a brigar sobre a questão do "Giro francês" em nossa Liga um ano antes que fosse aplicado aqui da mesma forma que na França. A fusão projetada com os muteístas era a mesma coisa de uma forma diferente. Nos perdoaram a fusão com os musteístas, mas com grande alarme, medo e profecias de coisas más que iriam nos ocorrer por mesclar-se com gente estranha. Como um dos nossos rapazes — Larry Turner — expressou em uma carta outro dia, os sectários sempre têm medo de seus reprimidos desejos de serem oportunistas. Têm sempre medo de entrar em contato com oportunistas, permitindo-lhes que os corrompam. Mas nós, seguros de nossa virtude, fomos confiantemente adiante. Na discussão de 1934 do "Giro francês" cresceu uma divisão em nossa organização. As tendências em disputa consequentemente se consolidaram em frações. A disputa de 1934 sobre a ação de nossos camaradas franceses foi o ensaio geral para derrubar, fazer saltar a briga definitiva contra o sectarismo oehlerista em nossas fileiras no ano seguinte. Nossa vitória naquela briga foi a pré-condição para todos os nossos avanços posteriores.
Nós estávamos nos movendo rapidamente para a fusão, negociando dia após dia. Estávamos cooperando com os musteístas em várias atividades práticas, e a tendência era para a unificação das duas organizações. Finalmente chegamos a um acordo sobre o esboço do programa; ou melhor, os dois comitês chegaram a um acordo. Chegamos a um acordo sobre as propostas organizativas. Não sobrava nada mais exceto submeter a questão às convenções das respectivas organizações para sua ratificação. Havia ainda algumas dúvidas de ambos lados, como o que fariam os quadros e militantes. Nós não sabíamos o quanto fortes poderiam chegar a ser os oehleristas fora de Nova York; e Abern, como sempre, estava manobrando furtivamente nas sombras, chave inglesa na mão. Muste, nesse momento havia se tornado um firme devoto da fusão, mas não estava seguro de ser maioria. Conseqüentemente, apesar de chamar para uma convenção conjunta, tivemos primeiro convenções separadas de 26 a 30 de novembro de 1934, e debullhamos todos os assuntos internos de cada lado. Cada convenção ratificou finalmente a Declaração de Princípios que havia sido esboçada pelos comitês conjuntos, e ratificaram as propostas organizativas. Depois, sobre a base destas decisões separadas, chamamos as duas convenções à uma sessão conjunta no sábado 1º, e domingo 2 de dezembro de 1934. The Militant, informando sobre aquela convenção em sua edição seguinte dizia:
"O Workers Party dos Estados Unidos está formado ... A convenção única do American Workers Party e da Comunist League of American completou sua tarefa histórica na tarde de domingo em Stuyvesant Casino ... Minneapolis e Toledo, exemplificando a nova militância da classe operária norte-americana, eram as estrelas que presidiram seu nascimento ... Um novo partido lançado em seu tremendo compromisso: A derrota da classe capitalista na América do Norte e a criação de um estado operário".
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Inclusão | 10/10/2006 |