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Tivemos até agora cinco conferências neste curso. Com a quinta conferência na semana passada, como vocês recordarão, cobrimos os 4 primeiros anos da Oposição de esquerda, A Liga Comunista da América — 1928 a 1932. Essa foi a época, como afirmei na semana passada, do mais terrível isolamento e das maiores dificuldades para nosso movimento.
Na semana enfatizei, aliás super-enfatizei, os aspectos negativos do movimento naquele período: a paralisia, a pobreza de forças e de meios materiais, as inevitáveis dificuldades internas inerentes a esse tipo de circunstâncias, e os lunáticos extravagantes que nos pestiavamcomo pesteiam a todo o novo movimento de esquerda. Esse isolamento, junto com seus males, foi imposto a nós por fatores objetivos, fora de nosso controle. Não podíamos prevení-los, nem com os maiores esforços, a melhor vontade. Era a condição da época. O mais importante desses fatores que tornava quase que absoluto nosso isolamento era o ressurgimento do movimento stalinista como resultado da crise de todos os países burgueses, ao mesmo tempo em que a União Soviética avançava sob o primeiro Plano Quinquenal de Industrialização. O prestígio crescente da URSS, e do stalinismo que parecia ser seu legítimo representante aos olhos das pessoas acríticas — e as grandes massas são acríticas — faziam nosso movimento oposicionista aparecer como algo bizarro, irrealista. Junto com isso, havia uma grande imobilidade no movimento operário em geral. Não haviam greves. Os operários estavam quietos. Não estavam interessados em nenhuma ação naquele momento. Tudo isso atuava contra nosso pequeno grupo empurrando-o a um rincão.
Nossa tarefa nessa época difícil era manter-nos, clarificar as grandes questões, educar a nossos quadros preparando-nos para o futuro quando as condições objetivas abrissem as possibilidades para a expansão do movimento. Nossa tarefa era também provar até o fim as possibilidades de reformar aos Partidos Comunistas e a Internacional Comunista, que nesse momento havia englobado praticamente a todos os operários de vanguarda neste país e no mundo todo. Os acontecimentos que começaram a estalar em todo o mundo na primeira parte de 1933 mostraram que havíamos triunfado magnificamente em nossa tarefa principal. Quando as coisas começaram a mover-se, quando as oportunidades vieram romper nosso isolamento, estávamos prontos. Não perdemos tempo para aproveitar as oportunidades que se nos apresentavam no começo de 1933, e especialmente em 1934.
Nosso movimento havia sido educado em uma grande escola sob a direção e a inspiração do camarada Trotsky, a escola do internacionalismo. Nossos quadros haviam sido forjados tanto no calor do estudo como nas disputas sobre as grandes questões mundiais.
A grande debilidade do movimento comunista norte-americano no passado, como já mencionei em conferências anteriores, era sua estreiteza nacionalista, não na teoria e sim na prática, sua ignorância dos fatos internacionais e sua apatia para com eles; sua carência de uma instrução real e de interesse sério na teoria. Esses erros foram corrigidos em nosso jovem movimento. Educamos a um grupo de pessoas que agia em todas estas questões a partir das considerações fundamentais da teoria, a partir da experiência internacional, e aprendia a analisar os acontecimentos mundiais. Os mistérios do problema russo foram resolvidos por nosso movimento. Em artigo após artigo, folheto após folheto, livro após livro, o camarada Trotsky abria para nós uma visão internacional de todas as questões. Nos deu uma clara explicação das complexidades de uma estado operário durante um cerco capitalista,. um estado operário degenerado e dirigido por uma burocracia retrógrada, mas que ainda mantinha suas bases fundamentais.
A Alemanha já estava se transformando no centro do problema mundial. Trotsky já em 1931 escreveu um folheto que se chamava “Alemanha, a chave da situação internacional”. Antes que ninguém percebesse a ameaça crescente do fascismo e a inevitabilidade de um enfrentamento fundamental entre fascismo e comunismo. Antes que ninguém, e mais claramente que nenhum outro, analisou o que se avizinhava na Alemanha. Nos educou para uma compreensão disto e tentou preparar o Partido Comunista Alemão e aos operários alemães para essa prova fatal.
A revolução espanhola, que explodiu em dezembro de 1930, também foi estudada e compreendida por nosso jovem movimento, com a assistência dos escritos teóricos e as interpretações do camarada Trotsky.
Usamos o tempo nesses dias de isolamento para estudar a questão chinesa. Eu mencionei na semana passada que durante esse difícil período nosso movimento, apesar de toda a sua pobreza e debilidade publicou um livro “Problemas da Revolução Chinesa”. Esse livro continha teses censuradas, artigos e exposições da Oposição Russa, escritos nos dias decisivos da Revolução Chinesa de 1925, 1926 e 1927. Essa grande batalha histórica mundial se havia desenvolvido, se poderia dizer, às costas dos cegos membros da Comintern, para quem não havia sido permitido conhecer os que os grandes mestres do marxismo na Oposição de Esquerda Russa tinham para dizer acerca dos acontecimentos. Publicamos os documentos censurados. Nossos camaradas foram educados nos problemas da revolução chinesa. Isso foi uma das razões importantes — de fato, é a razão importante do porque nosso partido tem uma clara e firme posição sobre a questão colonial hoje; porque não perdemos a cabeça com a defesa da China e a luta de independência da Índia. O significado que este grande levante dos povos asiáticos tem para a revolução proletária internacional é entendido claramente por nosso partido. Essa é parte de sua herança daqueles dias de isolamento e estudo.
Na primavera de 1933 começamos a intervir mais ativamente no movimento operário.Depois de uma longa preparação propagandística, começamos nosso giro para um trabalho de massas. já lhes contei sobre a disputa que tivemos em nossa organização com alguns impacientes que queriam começar com um trabalho de massas, deixando para o futuro a educação de nossos quadros, a definição de nosso programa e nosso trabalho propagandístico. Isso era pôr as coisas de perna para cima. Em primeiro lugar elaboramos nosso programa, formamos nossos quadros, fizemos nosso trabalho propagandístico preliminar. Depois, quando se apresentaram as oportunidades para a atividade no movimento operário estávamos prontos para dar à nossa atividade um objetivo. Não embarcamos na atividade somente pela atividade em si, o que um dia foi descrito como um movimento para lugar nenhum. Estávamos preparados para ingressar no movimento de massas com um programa definido e com métodos calculados para chegar ao máximo resultado para o movimento revolucionário com a mínima quantidade de atividade requerida.
Lendo os volumes de The Militant que contém um registro cronológico de nossas atividades, planos e expetativas, se informa que em 22 de janeiro de 1933 haveria uma conferência de desempregados em Nova Iorque. Havia sido chamada, logicamente, por iniciativa da organização stalinista, porém, havia uma pequena diferença com algumas de suas conferências anteriores das quais havíamos sido excluídos. Nesse momento, em suas indas e vindas da direita à esquerda, começaram a ameaçar com uma frente-única, tratando de interessar a algumas organizações não stalinistas no movimento geral dos desempregados. Para tal finalidade imprimiram uma convocatória, convidando a todas as organizações à conferência. Comentamos em nosso periódico que esse era um giro na direção correta para a frente única, ao menos um meio giro. Eu escrevi um artigo assinalando que ao convidar “todas as organizações” finalmente nos haviam aberto um pequena brecha pela qual a Oposição de Esquerda podia entrar nesse movimento, podíamos trilhar um caminho por esta brecha e torná-la mais ampla. Aparecemos nessa conferência — Shachtman e Cannon — preparados para dizer a todo o proletariado como devia levar-se adiante a luta contra o desemprego. Isto não era uma brincadeira. Nosso programa era o correto, e o explicamos extensamente. The Militant publica uma reportagem completa de nossos discursos chamando a frente única de partidos políticos e sindicatos para a ajuda aos desempregados.
Em 29 de janeiro de 1933 estava convocada para Gillespie, Illinois, uma conferência de “Progressiv Miners Union” (Sindicato Mineiro Progressivo) e outras organizações operárias independentes para considerar a questão de uma nova federação operária. Eu fui a conferência a convite de um grupo do “Progressiv Miners”, e falei. Essa foi a primeira vez em 5 anos que pude sair de Nova Iorque. Foi também a primeira vez que um representante da Oposição de Esquerda Norte-Americana tinha uma oportunidade para falar a trabalhadores, fora do pequeno círculo de intelectuais de esquerda. Aproveitamos a oportunidade. Fui enviado pela Liga, passei uns poucos dias com os mineiros e estabeleci alguns contatos importantes.
Era muito bom estar mais uma vez em contato com o movimento vivo dos trabalhadores, do movimento de massas.
De regresso, no ônibus de Gillespie a Chicago — me recordo claramente — li num diário de notícias que o presidente Hindenburgo havia nomeado Hitler Chanceler. Tive a sensação então, nesse momento, de que as coisas começavam a explodir. A paralisia, a imobilidade no movimento operário a nível mundial começava a abrir. As coisas se moviam para um enfrentamento. Nós estávamos completamente preparados para tomar parte na nova situação. Enquanto revisava os informes noutro dia, preparando minhas anotações para esta conferência, me pareceu que esta ação de nossa Liga, conseguir participar pela primeira vez em um ato operário de massas em Gillespie, Illinois, era o símbolo de nossa política posta em sintonia com o novo período. Nossa ação foi inconscientemente sincronizada com a eclosão do impasse na Alemanha. Éramos como atletas treinados para a ação, porém limitados por dificuldades externas e impossibilitados de mover-se. Quando se abriu uma nova situação entramos nela prontamente.
Nossa primeira reação ante os acontecimentos alemães foi chamar a um ato de massas em Nova Iorque. Por um longo tempo havíamos abandonado a idéia de atos de massas porque as massas não viriam. O melhor que podíamos fazer era chamar a pequenos fóruns, conferências, reuniões de círculo, etc. Desta vez, provamos um ato de massas: Stuyvessant Casino, 5 de fevereiro de 1933, “O significado dos acontecimentos alemães” com Shachtman e Cannon como oradores. O informe de The Militant relata que 500 pessoas foram a esse ato.
Fizemos soar o alarme do eminente enfrentamento entre fascismo e comunismo na Alemanha. Depois, porquanto os acontecimentos fossem mais agudos, com fatos novos todos os dias na Alemanha, fizemos algo absolutamente sem precedentes para um pequeno grupo como o nosso. Transformamos nosso jornal. The Militant — que por aquela época era um semanário — passamos a tirá-lo três vezes por semana, cada edição agitava a mensagem do trotskysmo sobre os eventos na Alemanha. Vocês poderiam perguntar como fizemos e eu não seria capaz de responder-lhes. Contudo fizemos. Não era possível, porém há um lema entre os trotskystas que em tempos de crises não se faz o que é possível e sim o que é necessário. E nós pensávamos que era necessário sair de nossa rotina de discussões e críticas aos stalinistas, para fazer algo que atingia a todo o movimento operário, que se dera conta do quanto fatais eram para o mundo inteiro o que se passava na Alemanha. Queríamos chamar a atenção de todos os operários e especialmente dos trabalhadores comunistas. Apressamos os ritmos. Começamos a gritar, a soar o alarme. Nossos camaradas corriam a cada manifestação que pudessem encontrar, até a mais insignificante reunião de operários, com fardos de The Militant debaixo dos braços, gritando com a voz mais forte possível: “Leiam The Militant”, “Leiam a verdade sobre a Alemanha”, “Leiam o que disse Trotsky”.
Nossa consigna durante os acontecimentos alemães era: Frente Única das Organizações Operárias e luta até a morte! Frente Única de luta de todas as organizações operárias contra o fascismo! Os stalinistas e os social-democratas rechaçaram a frente única na Alemanha. Ambos simulavam, pelo contrário, depois dos acontecimentos, acusar-se uns aos outros, contudo eram os dois uns mentirosos, culpados e traidores. Dividiram aos trabalhadores e nenhum dos dois tinha vontade de lutar. Através desta divisão a plaga monstruosa do fascismo chegou ao poder na Alemanha e estendeu sua sombra obscura a todo o mundo.
Fizemos tudo o que pudemos para despertar, levantar e educar aos operários comunistas norte-americanos naquelas semanas fatais. Tivemos uma série de atos de massas — não só o que mencionei. Tívemos uma série em Manhattan e pela primeira vez nos estendemos a Boroughs. Nos haviam cercado e isolado tanto que nunca havíamos podido sair de Fourteenth Street (A rua 14) nos primeiros tempos. Tínhamos só uma célula porque não tínhamos muita gente para dividir; tudo estava concentrado ao redor da pequena área de Fourteenth Street e da União Square onde se congregavam os operários de esquerda.
Porém, nessa crise da Alemanha nos estendemos e tivemos atos no Brooklyn e no Bronx. Por todo o país, informa The Militant, eram convocadas manifestações de massas por células locais da Liga Comunista da América do Norte. Hugo Oehler — nesse momento membro de nossa organização — foi enviado em um tour à falar sobre a Alemanha. Éramos extremamente ofensivos em nosso cerco aos stalinistas. Estávamos decididos a todo o custo a levar nossa mensagem àqueles que quisessem escutar-nos. Chegamos a invadir um ato massivo dos stalinistas dando voltas na mesa. Shachtman e eu, flanqueados por uns poucos camaradas, entramos na reunião stalinista e pedimos a palavra. A audácia do pedido deixou os burocratas abobalhados e houve clamores dos de baixo: “Deixe-os falar”. Falamos e demos nossa mensagem ao ato stalinista.
Com a nova vida que começava a sacudir o movimento operário em geral, não desperdiçamos nenhuma oportunidade para tomar parte nas novas atividades. Em março de 1933, os stalinistas promoveram uma conferência nacional de desempregados, em Albany, com cerca de 500 delegados. As mesmas regras que nos permitiram aparecer na conferência local de Nova Iorque, também nos permitiram mandar delegados à Albany. Eu apareci na conferência, tomei a palavra e fiz um discurso para os 500 delegados sobre a concepção marxista da frente única no movimento de desempregados. Esse discurso está impresso em The Militant de 10 de março de 1933. Os acontecimentos nacionais e internacionais estavam coordenados. Ao mesmo tempo que gritávamos com o mais forte de nossas vozes pela Alemanha, tivemos tempo para participar em uma conferência de desempregados no estado de Nova Iorque.
Vocês sabem que os conselhos, as explicações, as advertências de Trotsky não foram ouvidas. O Partido Comunista Alemão, sob a direção e o controle de Stálin e seus gangsters de Moscou, capitulou na Alemanha sem uma batalha. O fascismo triunfou sem sequer um sinal de guerra civil, sem sequer um enfrentamento nas ruas. E essa, como Trotsky explicou muitas vezes, e Engels antes dele, é a pior e a mais desmoralizante das derrotas — a derrota sem batalha, porque aqueles que são derrotados assim, perdem a confiança neles mesmos por um bom tempo. Um partido que luta pode ser derrotado por forças superiores. No entanto, deixa atrás de si uma tradição, uma inspiração moral que pode ser um fator tremendo para galvanizar o proletariado para levantar-se de novo mais tarde em uma conjuntura mais favorável. Um papel assim cumpriu na história a Comuna de Paris. O movimento socialista internacional se ergueu em sua gloriosa memória.
A revolução de 1905 na Rússia foi inspirada pela heróica luta da Comuna de Paris de 1871. De maneira similar, a revolução russa de 1905, que foi derrotada depois de batalhar, se transformou em grande capital moral do proletariado russo e teve uma tremenda influência em desatar a revolução proletária que triunfou em 1917. Os bolcheviques falavam sempre de 1905 como o ensaio geral de 1917.
Porém, que lugar na história pôde jogar a capitulação miserável dos social-democratas e os stalinistas na Alemanha? Ali estava o proletariado mais poderoso da Europa Ocidental. Os social-democratas e os stalinistas juntos obtiveram mais de 12 milhões de votos nas últimas eleições. Se os operários alemães houvessem sido unificados na ação poderiam ter esparramado os canalhas fascistas aos quatro ventos de uma só vez. Esse poderoso proletariado, desunido e traído pela direção, foi derrotado sem luta. O regime mais horrível, mais bárbaro, foi imposto sobre eles pelos fascistas. Antes dos acontecimentos, Trotsky disse que a falta de luta seria a pior traição da história. E assim foi. Dez insurreições sem êxito, disse Trotsky, não podiam desmoralizar ao proletariado em sequer 1% do que faria uma capitulação sem batalha que o privaria da confiança em si mesmo. Depois desta capitulação, este trágico final da situação alemã, muita gente começou a pensar sobre cada coisa que Trotsky havia dito e feito no esforço por ajudar aos trabalhadores a evitar esta catástrofe. O que finalmente ocorreu começou a aparecer para muita gente como uma completa verificação, embora em um sentido negativo, de tudo o que havia dito e explicado. O prestígio e a autoridade de Trotsky e do movimento trotskysta começaram a crescer enormemente, inclusive nesses círculos que se haviam inclinado a desqualificar-nos como sectários e divisionistas.
No Partido Comunista, aqui como em outros países, na Comintern de conjunto, não houve uma reação profunda. Se fez claro então, que estes partidos se haviam tornado tão burocráticos, tão corruptos por dentro, tão desmoralizados, que nem sequer a traição mais cruel da história foi capaz de produzir um levante real em suas fileiras. Se fez claro que a Internacional Comunista estava morta para a revolução, havia sido destroçada pelo stalinismo.
Então, na dialéctica implacável da história, começou a manifestar-se um desenvolvimento contraditoriamente particular. Em 1914-18, a Internacional Social-Democrata traiu o proletariado em apoio a guerra imperialista. Os partidos social-democratas renunciaram ao internacionalismo e se puseram a serviço de suas próprias burguesias. Foi essa traição a que impulsionou os marxistas revolucionários a formarem a nova internacional, a Internacional Comunista, em 1919. A Internacional Comunista surgiu em luta contra os traidores, com o programa do marxismo regenerado como sua bandeira, e Lenin e Trotsky como seus dirigentes. Contudo, no decorrer dos acontecimentos desde 1919 até 1933 — breves 14 anos — esta mesma internacional se converteu no maior obstáculo e no maior fator retardatário no movimento operário internacional. A Internacional Comunista de Stálin traiu ao proletariado ainda mais vergonhosamente do que tinha feito a Segunda Internacional dos social-democratas em 1914.
Os operários revolucionários da nova geração eram repelidos pelo stalinismo. No curso futuro do desenvolvimento, sob a terrível pressão dos acontecimentos internacionais, e particularmente o surgimento do fascismo na Alemanha, os partidos social-democratas começaram a despreender tendências esquerdistas e centristas de todo o tipo. Existiam muitas razões para este fenômeno. Os partidos comunistas estavam bloqueados pela burocracia para um pensamento independente ou uma vida revolucionária e isso repelia deles os operários radicais. Na busca de uma expressão revolucionária muitos deles encontraram seu caminho nos partidos da social-democracia construídos mais livremente. Também a geração mais jovem de social-democratas, que não tinham sobre seus ombros a carga das traicões de 14 anos atrás, e que não eram parte dessa tradição ou mentalidade, estavam crescendo sustentada pela terrível pressão dos fatos e buscando uma solução de esquerda. Assim, começaram a desenvolver-se grupos da ala esquerda dentro da Social-Democracia, particularmente nas organizações juvenis. E esta tendência mundial também se refletia nos Estados Unidos com o ressurgir do Partido Socialista. A ruptura de 1919 e uma segunda ruptura em 1921 havia deixado o Partido Socialista em ruínas. Nada restava senão um esqueleto vazio. Os jovens rebeldes, todos vivos e vitais, eram atraídos à jovem organização comunista. O Partido Socialista languidesceu por anos com uns poucos milhares de membros, apoiados principalmente pelo diário judeu Forward e os burocratas dos sindicatos texteis em Nova Iorque que necessitavam do Partido Socialista como uma cobertura pseudo-radical e uma proteção contra seus operários da ala esquerda. O Partido Socialista foi por anos uma horrível caricatura de um partido. Mas a medida que o Partido Comunista se tornava mais e mais burocratizado, expulsava cada vez mais os operários honestos e fechava as portas para outros, o Partido Socialista começou a experimentar um reavivamento. Sua estrutura frouxa e democrática atraía um novo estrato de trabalhadores que nunca haviam estado antes em nenhum movimento político. Milhares deles, radicalizados pela crise econômica, corriam ao Partido Socialista. Este experimentou um ressurgimento e um crescimento de sua militância; Em 1933, os membros envolvidos em suas fileiras não eram menos de 25.000. Também como resultado de seu sangue novo, o partido começou a mostrar um pouco de vigor; uma tendência esquerdista, centrista, começou a perfilar em suas fileiras.
De maneira idêntica, aqui como em outros países, havia também um desenvolvimento por fora do Partido Comunista, de grupos independentes de trabalhadores que até o momento não haviam sido conectados com os partidos de esquerda, porém, tinham se radicalizado como resultado de sua própria experiência. A “Conference for Progressive Labor Action” era a expressão de tal movimento no país. Era dirigida por A. J. Muste. A CPLA começou como um movimento progressita nos sindicatos. Sob o impacto da crise se radicalizou mais e mais. Em fins de 1933 o movimento de Muste estava discutindo seriamente o problema de transformar-se de um grupo frouxo de ativistas nos sindicatos em um partido político.
Com a capitulação da Comintern na Alemanha, Trotsky deu o sinal aos marxistas revolucionários do mundo: “A Comintern faliu. Devemos ter novos partidos e uma nova Internacional”. A grande experiência, os longos anos de esforços como fração para influenciar ao Partido Comunista, embora expulsos dele, haviam terminado seu curso. Não foi um decreto nosso que tornou irreformável o Partido Comunista. Foi uma demonstração da própria história. Nós simplesmente reconhecemos a realidade. Sobre estas bases invertemos completamente nossa estratégia e táticas.
De uma fração da Internacional Comunista nos anunciamos como os arautos de um novo partido e uma nova internacional. Começamos a apelar diretamente a esses trabalhadores radicalizados, sem filiação partidária ou experiência. Durante os longos anos de esforço — mantendo nossa posição como fração da Comintern — havíamos recrutado das filas da vanguarda comunista os preciosos quadros do novo movimento. Agora, começávamos a girar nossa atenção para os Partidos Socialistas, grupos independentes e aos grupos centristas e de esquerda dentro deles. Naquele período The Militant publicava numerosas reportagens e análises do desenvolvimento da Ala Esquerda no Partido Socialista. Tinham artigos sobre a CPLA e seu plano de tranformar-se num partido político. Havía aproximação com a Young Peoples Socialist League. E, o que fizemos aqui, seguindo a linha de Trotsky, foi feito em escala internacional. Os grupos trotskystas começaram em toda as partes a estabelecer contatos com a recentemente desenvolvida e aparentemente viável Ala Esquerda da Social-Democracia.
Tinha chegado o momento de transformar toda a nossa atividade, de dar um giro para o trabalho entre as massas. Assim como em nossos primeiros dias havíamos rechaçado a demanda prematura de que — com nosso punhado de gente — abandonássemos e passássemos ao movimento de massas, agora, em fins de 1933, havendo completado nosso trabalho preliminar e tendo-nos preparado, adotamos o slogan: “Passar de um círculo de propaganda a um trabalho de massas”.
Essa proposta precipitou uma nova crise interna. O “giro” fez saltar à luz os fundamentos de sectarismo. Tinha-se que combatê-lo. A política é a arte de fazer os movimentos corretos no momento correto. A impaciência de alguns por escapar do isolamento imposto por circunstâncias objetivas havia modificado radicalmente. Apresentou-se-nos a oportunidade de entrar no movimento de massas, de estabelecer contato com os operários, de prenetrar profundamente no fermento da esquerda socialista e dos movimentos independentes. Era necessário valorizar a oportunidade sem demora. Nossa decisão de fazê-lo encontrou uma resistência decidida nos camaradas que se haviam adaptado ao isolamento e cresciam confortavelmente com ele. Nesta atmosfera algumas pessoas haviam desenvolvido uma mentalidade sectária. A tentativa de empurrar o movimento trotskysta para fora de seu isolamento até as águas frias e turbulentas do movimento de massas causava calafrios em suas costas. Esses calafrios eram racionalizados como “princípios”. Isto marcava o começo da luta contra o sectarismo em nossa organização, uma disputa que foi levada até o fim de uma forma clássica.
Começamos a cooptar mais rapidamente. Atraímos grande atenção com nossa propaganda sobre os acontecimentos alemães. As pessoas começaram a vir até nós de uma maneira inesperada, gente desconhecida, para obter nossa literatura. “Que diz Trotsky?”, “O que escreveu sobre a Alemanha?”.
Demos um grande salto: era o fim de nosso quinto ano de luta para construir a célula de Nova Iorque com um total de 50 pessoas. Recordo isso porque havia uma regra nos estatutos de nossa organização que limitava o tamanho das células a 50 membros. Uma célulaque alcançava esse tamanho devia dividir-se em duas. Escrevemos isso em nossa primeira conferência em 1929. Naqueles dias podíamos pôr toda a militância nacional em duas células, porém, estávamos olhando o dia em que chegaria nosso barco. Recordo a questão que surgiu em 1933 pela primeira vez contra este ponto dos estatutos, e tivemos uma disputa sobre como seriam divididas as células.
Em 1º e 2 de maio de 1933, foi organizado pelos stalinistas, em Chicago, o grande Congresso Nacional de Mooney, com a participação de alguns sindicatos. Envíamos uma delegação a este Congresso e eu tive a oportunidade de falar perante milhares de pessoas. Foi uma experiência refrescante depois de um prolongado confinamento no limitado círculo de debate interno. Ali comecei uma colaboração política com Albert Goldman que estava ainda no Partido Comunista mas em processo de rompimento com sua linha. Seu discurso e o meu no Congresso de Mooney sobre a frente única foram ataques diretos a política stalinista. Isto preparou o terreno para a expulsão de Goldman e sua posterior filiação a nosso partido. Foi o começo de uma colaboração extrememente frutífera.
Desde Chicago, informa The Militant, parti em um tour, para falar de dois temas: “A tragédia do proletariado alemão” e “O caminho da América à revolução”. Um grupo de intelectuais stalinistas em Nova Iorque, que ou pertenciam ao partido ou eram periféricos, começaram a irritar-se ante a falsidade evidente da linha stalinista, como havia sido revelada pelos acontecimentos alemães. Fatalmente romperam com o PC e vieram até nós. Essa foi nossa primeira aquisição em bloco. Até então, as pessoas se haviam unido a nós um a um. Agora, um grupo se unia a nós, um grupo de intelectuais. Isso era significativo. Os movimentos de intelectuais devem ser estudados atentamente como sintomas. Eles se movem um pouco mais rápido no reino das idéias que os trabalhadores. Como as folhas no alto de uma árvore se sacodem primeiro. Quando vimos um grupo de intelectuais bastante sérios em Nova Iorque rompendo com o stalinismo tivemos que concluir que esse era o começo de um movimento que de imediato se manifestaria nos quadros, e mais operários stalinistas viriam até nós.
Um desenvolvimento importante nos últimos meses de 1933 foi a ação tomada pela CPLA. Sob o impulso da crescente radicalização nas fileiras operárias que haviam cooptado, e sabendo sem nenhuma dúvida que o Partido Comunista se havia tornado menos atrativo para os operários de esquerda, a CPLA convocou uma conferência em Pittsburgh e anunciou como tentativa a formação de um novo partido político. Como tentativa porque elegeu um comitê provisório encarregado da tarefa de organizar o “American Workers Party”.
A ruptura de Benjamin Gitlow e seu pequeno grupo com os lovestonistas ocorreu neste momento. Esse período viu também um grande ressurgimento da centrista ala esquerda do Partido Socialista, e uma posição mais e mais radical tomada pela Young Peoples Socialist League. Em todas as organizações operárias havia uma fermentação e transformações. Quem tinha um olho político podia ver que as coisas estavam ocorrendo realmente agora, e que isso não era o momento de sentar-se em uma biblioteca a ruminar princípios. Esse era o momento para atuar sobre esses princípios: era o momento de estar à altura das coisas, de aproveitar-se de cada oportunidade apresentada pelos novos desenvolvimentos nas outras organizações e movimentos.
Devo dizer que nenhuma nos escapou. Não esperamos nenhum convite. Nos chegamos a elas. Imprimimos um manifesto na capa de The Militant chamando a formação de um novo partido e uma nova internacional. Convidamos a todos os grupos, não importa o que fossem, que estivessem interessados em formar um novo partido revolucionário e uma nova internacional para discutir conosco as bases do programa. Dissemos, nós temos um programa, porém não o apresentamos como um ultimatum. É nossa contribuição à discussão. Se vocês têm outras idéias para o programa, ponhamo-las sobre à mesa e discutamo-las de uma forma pacífica e como camaradas. Tentemos resolver as diferenças sobre o programa e unamos as forças para construir um novo partido unificado.
Fizemos campanha por um novo partido. Nossa grande vantagem sobre os outros grupos — a vantagem que nos assegurava a hegemonia — era a de que sabíamos o que queríamos. Tínhamos um programa claramente definido e isso nos dava uma certa ofensividade. Os outros elementos de esquerda não estavam suficientemente seguros de si mesmos para tomar a iniciativa. Isso nos sobrecarregou. Passávamos insistindo toda a semana, de fato todo o tempo, sobre o novo partido, escrevendo carta as pessoas, e informes críticos mas amigáveis de seus jornais e todas as suas resoluções. Nossos quadros e camaradas de base foram instruídos para estabelecer conexões com os membros desses outros grupos, para interessar-los na discussão por todos os lados de cima a baixo, e assim preparar o caminho para a fusão com os elementos revolucionários sérios e honestos em um mesmo partido. Assim também nossa própria organização estava crescendo, atraindo mais atenção e ganhando mais simpatia e respeito. Em todos estes círculos de esquerda havia respeito pelos trotskystas como comunistas honestos, e por Trotsky como o grande pensador marxista que havia compreendido os acontecimentos alemães quando ninguém o havia feito. Estávamos admirados pelo modo em que disparamos nossos rifles e defendemos nosso terreno apesar das perseguições e da adversidade. Nossa organização era respeitada em todo o movimento operário. Esse foi um capital importante para nós quando o chegou o momento de promover a fusão dos vários grupos de esquerda no partido.
Depois de cinco anos de luta nossos quadros se haviam consolidado sobre firmes bases programáticas. Tinham sido educados nas grandes questões de princípios, haviam adquirido facilidade para explicá-las e para aplicá-las nos acontecimentos atuais. Estávamos prontos, preparados por nossa experiência passada. Em muitos aspectos aquela experiência havia sido funesta e negativa. Porém, foi precisamente aquele período de isolamento, dificuldades, discussão, estudo e assimilação das idéias teóricas o que preparou nosso jovem movimento para esta nova época de florescimento em que o movimento estava aberto em todas as direções. Então, estivemos prontos para um giro tático muito agudo. Nossos militantes naqueles dias estavam envolvidos com novas expectativas e com uma grande ambição. Era fins de 1933, sentíamos confiança de estarmos no caminho para a reconstituição do genuíno Partido Comunista neste país. Estávamos seguros de que o futuro nos pertencia. Esperávamos uma grande quantidade de disputas porém sentíamos que estávamos em cima da colina, que estávamos encaminhados. A história provou que estávamos certos nesta suposição. Depois as coisas se moviam rápido e continuamente a nosso favor. Nosso progresso de aí em diante foi praticamente ininterrupto.
Conferência VII >>>
Inclusão | 10/10/2006 |