O Mal-Estar na Esquerda

Maurice Brinton

Novembro de 1974


Primeira Edição: Solidarity, VII, 12 (Novembro 1974)

Fonte: Crítica Desapiedada - https://criticadesapiedada.com.br/2020/06/08/o-mal-estar-na-esquerda-maurice-brinton/

Tradução: Elaine Rodrigues Fernandes a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/brinton/1974/11/malaise.htm. A revisão foi feita por Felipe Andrade e Brenda Santos.

HTML: Fernando Araújo.


Esqueça por um momento as campanhas ameaçadoras das eleições recentes: Scanlon e Jones(1) são apresentados pela imprensa marrom como proselitistas da revolução vermelha. Sr. Wilson no traje de um Kerensky(2) dos últimos dias, abre os portões ao bolchevismo, ou pior, funcionários de bancos congelando (à la portugaise) os fundos de fascistas fugazes, o grande medo da burguesia sobre uma “máfia de socialistas fanáticos” no controle de altos comandos do Executivo Nacional do Partido Trabalhista!

A realidade é menos lúdica – e menos encorajadora. O que vemos ao nosso redor é um movimento confiante e agressivo, cada vez mais consciente do fato de que o poder real não está no Parlamento, mas profundamente dividido quanto aos objetivos, estratégias e táticas, e completamente à deriva quanto aos valores e prioridades. Tão divergentes são as vertentes dos seus componentes, que podemos nos perguntar, sem rodeios, se pode-se falar legitimamente de um movimento. Entre os socialistas pensantes, há um profundo mal-estar.

O objetivo desse artigo é explorar as raízes deste mal-estar, e mostrar que elas se encontram nas transformações da própria sociedade capitalista. Ao longo das últimas décadas – e em muitas áreas diferentes – a sociedade estabelecida trouxe em si mesma um número de coisas que os “revolucionários” de ontem estavam exigindo. Isso aconteceu em relação às atitudes econômicas, em relação a determinadas formas de organização social e em relação a vários aspectos das revoluções pessoais e sexuais. Quando esta adaptação na verdade beneficia a sociedade estabelecida, é legítimo referir-se a isto como “recuperação”. Este artigo procura iniciar uma discussão sobre os limites da recuperação.(3)

A recuperação, é claro, não é novidade. O que talvez seja novo é até que ponto a maioria dos “revolucionários” (quer estejam exigindo “mais nacionalização”, mais “autogestão” ou “mais liberdade pessoal”) desconhecem a capacidade do sistema de absorver – e a longo prazo se beneficiar – dessas formas de “dissidência”. A sociedade de classes tem uma tremenda resiliência, uma grande capacidade de lidar com a “subversão”, de fazer ícones de seus iconoclastas, de tirar o sustento daqueles que a estrangulam. Os revolucionários devem estar constantemente atentos a essa força, caso contrário não verão o que está acontecendo ao seu redor. Se certas vacas sagradas (ou certas formulações anteriores, agora consideradas inadequadas) tiverem que ser sacrificadas, preferimos ser nós mesmos a fazer o trabalho.

Recuperação das demandas econômicas

As políticas econômicas keynesianas, antes consideradas ameaças radicais à sociedade burguesa, são hoje amplamente aceitas como essenciais para o funcionamento do capitalismo moderno. As exigências para a nacionalização das minas ou ferrovias, para o seguro-saúde nacional, para o seguro-desemprego e para a aposentadoria estadual foram totalmente recuperadas. Apesar de ocasionais olhares nostálgicos (em grande parte irrelevantes) para o passado, nenhum político conservador, buscando manter um pingo de credibilidade, defenderia hoje o retorno das minas ou ferrovias para a propriedade privada – ou o desmantelamento da estrutura essencial do estado de “bem-estar”. Todos os socialistas concordam, até agora.

Mas há então uma divergência: Gostaríamos de afirmar que a centralização de todos os meios de produção nas mãos do estado – a demanda mais “radical” do Manifesto Comunista – tem sido alcançada em muitas partes do mundo sem qualquer melhoria na área da liberdade humana. Na verdade, uma sociedade exploradora, dividida em ordenados e ordenadores, funciona muito melhor nesse tipo de base econômica, o que elimina muitas das irracionalidades do capitalismo do laissez-faire. Sejam quais forem as aspirações humanas de suas categorias, as ideologias e programas dos grupos social-democratas, comunistas, trotskistas ou maoístas no Ocidente, proporcionam as demandas mais articuladas para este tipo de organização social. Esses grupos são as parteiras do Capitalismo de Estado. Eles podem diferir quanto ao tempo e quanto às táticas. Eles podem argumentar sobre o que eles consideram ser (para outros) os custos aceitáveis ou inaceitáveis. Mas o objetivo fundamental deles é o mesmo – e está, além disso, de acordo com as mais profundas exigências do próprio Capital. Pace(4) os fantasmas de Hayek e de Schumpeter, pace Enoch Powell e Keith Joseph, a divisão da sociedade em dominantes e dominados não será abolida pela abolição do “mercado livre” ou, aliás, por qualquer coisa que os senhores Wilson ou Gollan (ou os “teóricos” de quaisquer das seitas marxistas) possam ter em mente.

Além disso, em todo o Terceiro Mundo (da Guiné de Sékou Touré ao Vietnã do Norte, do Iraque a Zanzibar), as ideias “marxistas-leninistas” estão hoje influenciando o nascimento e moldando a vida econômica de muitos países em desenvolvimento. Todas são sociedades impiedosamente exploradoras, voltadas para o rápido desenvolvimento das forças produtivas. Hoje isso só é possível com base na intensa acumulação primitiva, realizada nas costas do campesinato. Aqui, novamente, antigas ideias revolucionárias estão se tornando veículos para novas formas de escravidão.

Parafraseando Marx, não é o que os homens pensam que estão fazendo que importa. O que importa é o resultado objetivo de suas crenças e ações. A sociedade de classes pode muito bem recuperar as demandas econômicas da esquerda tradicional. Não é de fundamental importância, a este respeito, se várias classes dominantes estão plenamente conscientes do que está acontecendo com elas. Elas diferem claramente uma da outra no grau de percepção, que alcançaram de seus próprios interesses históricos de longo prazo. As mais perspicazes aceitam agora a centralização dos meios de produção nas mãos do Estado, como condição prévia essencial para o crescimento das forças produtivas. Para a maioria dos “socialistas marxistas” (e para a burguesia) esse crescimento é a questão fundamental. Isto é o que os une. É aqui que a visão burguesa e a visão “marxista” se unem. Para ambos, o crescimento econômico é o que a política (e, em última análise, o que a própria vida) é. Há poucas dimensões em seus pensamentos. Para ambos, o futuro é principalmente sobre “mais do mesmo”. E o resto? O resto é para “depois da revolução”. Na melhor das hipóteses, ele vai cuidar de si mesmo. Na pior das hipóteses, se alguém fala a um marxista tradicional sobre questões como a emancipação das mulheres, a ecologia, a “contracultura”, etc., é denunciado como “diversionista” em tons que mostram quão profundamente a ética do trabalho, as atitudes patriarcais e o sistema de valores da sociedade existente têm impregnado seu pensamento.

Recuperação das formas institucionais

Seções da esquerda, felizmente, foram muito além das exigências de nacionalização, planejamento, etc. Na esteira da Revolução Russa, pequenos grupos de comunistas de “esquerda” previram claramente o curso dos acontecimentos a que este tipo de “socialismo” levaria. Difamados por Lênin, denunciados pelos comunistas “ortodoxos”, alertaram para o que estava por vir: O domínio do partido resultaria logo no surgimento de uma nova classe dominante, baseada não na propriedade privada dos meios de produção, mas no monopólio da autoridade decisória em todas as áreas da vida econômica, política e social. À hegemonia do Partido e à onisciência do seu Comitê Central, a esquerda comunista contrapôs o conhecimento e o poder de uma classe trabalhadora esclarecida e autônoma. Eles postularam a forma institucional que esse poder assumiria: os Conselhos Operários. Este não era um plano genial para uma nova sociedade sugada do polegar de um Gorter ou de um Pannekoek. Desde a Comuna de Paris até a Revolução Russa de 1917, a forma de organização do “conselho” havia sido o produto histórico vivo da própria luta de classes. As advertências desses revolucionários anteriores foram plenamente justificadas.

Mas a visão deles continua limitada. Apesar dos interesses de Pannekoek em ciência e filosofia, do interesse de Rühle em pedagogia e da ênfase de Korsch na necessidade de uma crítica cultural profunda, a maior parte dos escritos dos comunistas de esquerda se concentrou em problemas do trabalho e da produção e distribuição. Eles viveram numa época muito diferente da nossa e tinham pouco a dizer sobre o que se tornaram áreas muito importantes da vida social: a burocratização, a alienação no consumo e no lazer, o condicionamento autoritário, a “revolta dos jovens”, a emancipação das mulheres, etc. Até mesmo algumas de suas propostas institucionais foram parcialmente ultrapassadas pelos acontecimentos.

A recuperação da demanda pelo poder operário no ponto da produção e por uma sociedade baseada nos conselhos operários assumiu, por exemplo, uma forma particularmente tenebrosa. Confrontados com a monstruosidade burocrática da Rússia Stalinista e pós-Stalinista, mas desejando manter alguma credibilidade entre seus apoiadores da classe trabalhadora, várias correntes do bolchevismo procuraram, postumamente, reabilitar o conceito de “controle operário”. Embora “controle operário” só tenha sido mencionado uma vez nos documentos dos primeiros quatro congressos da Internacional Comunista, ele tornou-se recentemente um dos Dez Melhores Slogans. Entre 1917 e 1921, todas as tentativas da classe trabalhadora de afirmar o poder real sobre a produção – ou de transcender o estreito papel que lhe foi atribuído pelo Partido – foram esmagadas pelos bolcheviques, depois de primeiro terem sido denunciadas como desvios anarquistas e anarco-sindicalistas. Hoje o controle operário é apresentado como uma espécie de revestimento de açúcar à pílula da nacionalização de todo micro-burocrata trotskista ou leninista. Aqueles que estrangularam o bebê viável agora estão vendendo o cadáver por aí. O Instituto de Controle dos Trabalhadores até realiza conferências anuais, dirigidas e dominadas por funcionários sindicais nomeados. Os que não estão preparados para permitir que os trabalhadores controlem suas próprias organizações aqui e agora, serenateiam simplórios com melodias fantasiosas quanto ao seu destino no futuro. A recuperação aqui está ocorrendo em meio a uma incrível confusão.

Durante muito tempo, a defesa do verdadeiro controle operário (ou, como preferimos chamar, da autogestão dos trabalhadores)(5) permaneceu restrita a pequenos grupos de revolucionários que nadavam contra a grande maré burocrática. Após os acontecimentos franceses de maio de 1968, a demanda assumiu uma nova realidade e uma nova coerência. As pessoas começaram a ver a autogestão como o tema dominante (e os conselhos operários como a forma institucional) de uma nova sociedade na qual a burocracia seria eliminada, e na qual as pessoas comuns finalmente alcançariam poder genuíno sobre muitos aspectos de sua vida cotidiana. Mas isto, mais uma vez, era ignorar a capacidade do sistema de integrar a dissidência e aproveitá-la em seu próprio benefício.

A reivindicação da autogestão pode ser voltada para as exigências da própria sociedade de classes? Uma resposta honesta seria: “sim, em alguns aspectos”. Sim, desde que aqueles que operam a autogestão ainda aceitem os valores do sistema. Sim, se permanecesse estritamente localizada. Sim, desde que fosse eviscerado de todo o conteúdo político. Fábricas de montagem de automóveis que buscam obter a participação dos trabalhadores vêm operando há algum tempo nas fábricas da Volvo e Saab na Suécia. Sob o pretexto de “com ele” enriquecer o trabalho dos trabalhadores, os empregadores continuam a enriquecer a si mesmos. Grupos de trabalhadores têm permissão para administrar sua própria alienação. As autoridades procuram ressuscitar as instituições anêmicas da sociedade existente (cada vez mais abandonadas por aqueles que se espera que as façam funcionar) com transfusões de “participação”. Não é de se admirar que o slogan tenha sido tomado por todos, desde os deputados gaulistas aos nossos próprios Liberais.

Revolucionários são em algumas medidas, os culpados por essa confusão de forma e conteúdo. Eles não têm advertido suficientemente contra os perigos inerentes a qualquer tentativa de autogestão com capitalismo. E, em relação ao futuro, eles não têm enfatizado o suficiente as limitações da demanda. A autogestão e os conselhos operários são meios de libertação. Eles não são a libertação em si. Muitos revolucionários têm, ainda, tendência a subestimar os complexos problemas da sociedade como um todo. Estes têm que ser considerados além dos problemas de determinados grupos de trabalhadores. Nossa visão nunca foi “as ferrovias para os ferroviários, o pó para os empoeirados “. Não somos a favor de impérios de seguros autogeridos, de empresas de publicidade autogeridas, de produção autogerida de armas nucleares.

Isto não quer dizer que a autogestão não será o tema dominante, e o conselho, provavelmente, a forma institucional de qualquer tipo de sociedade socialista. Mas eles não são mais do que isso. Nessas garrafas particulares muitos vinhos podem ser despejados. Na sociedade contemporânea, a “autogestão” poderia muito bem se desenvolver em uma base reformista, racista, nacionalista ou militarista. Os precedentes históricos estão aqui. Muitos conselhos operários na Alemanha – em dezembro de 1918, e novamente mais tarde – votaram pela entrega do poder às instituições parlamentares. Entre 1930 e 1945, a grande maioria do povo britânico e alemão se identificou com seus respectivos governantes e se mobilizou (ou se deixou mobilizar) na defesa de interesses que não eram seus. Os kibutzim israelenses autogeridos são um veículo para a disseminação da ideologia sionista e para a implementação da discriminação (anti-árabe), ou seja, de políticas antissocialistas. Na Irlanda do Norte, em meio a uma “explosão incomparável de autogestão”, a autoatividade de uma população civil derrubou recentemente um governo … em nome de objetivos sectários e mistificados. As lições são claras: A autogestão, divorciada de políticas socialistas, não tem sentido.

Recuperação de demandas “Proto-Marxistas”

Confrontados com o fato de que a sociedade estabelecida tem cooptado com sucesso tanto os objetivos econômicos quanto algumas das prescrições institucionais daqueles que queriam desafiá-la, os radicais têm respondido de várias maneiras.

Uma resposta tem sido mergulhar mais fundo em Marx. O ‘projeto comunista’ é redefinido em termos proto-marxistas. Agora temos Marx à la carte. O que é enfatizado não é o que era a realidade histórica do marxismo (mesmo na época de Marx), mas uma visão que, embora válida, raramente foi além do reino da retórica. O Marx dos “proletários não têm pátria” substitui o Marx da guerra franco-prussiana de 1870-71, que apoiou primeiro os exércitos de Bismarck, e então – depois de Sedan – as forças do Segundo Império. O Marx que denunciou o slogan “um salário justo por um dia de trabalho justo” (argumentando, em vez disso, a favor da “abolição do sistema salarial”) substitui o Marx mais prosaico, manobrando entre os Lucrafts e os Maltman Barrys nos conselhos da Primeira Internacional. O Marx que trovejou que “a emancipação da classe trabalhadora é tarefa da própria classe trabalhadora”, apaga a figura patética do Marx de 1872, cozinhando o último congresso da Internacional (o único a que participou pessoalmente), inventando delegações inexistentes, mudando os locais das futuras reuniões para assediar os partidários do igualmente autoritário Bakunin.

Mas será que mesmo estas receitas proto-marxistas são adequadas? A “abolição das fronteiras” é algum tipo de garantia quanto ao tipo de regime que se imporá sobre a nova expansão sem fronteiras? Será a visão de uma sociedade exploradora, fundindo as técnicas de dominação tanto do Oriente como do Ocidente, apenas um pesadelo sonhado pelos escritores de ficção científica? Será a abolição do trabalho assalariado uma garantia contra a exploração e a alienação? Não existiam sociedades exploradoras muito antes do aparecimento do trabalho assalariado no cenário histórico? O trabalho assalariado sustenta e reforça as hierarquias de poder. A sua abolição não elimina necessariamente tais hierarquias. A sociedade de classes pode até recuperar reivindicações deste tipo.

Recuperação da “revolução pessoal”

Outra resposta das pessoas confrontadas com os tremendos poderes de recuperação da sociedade estabelecida tem sido a tendência de buscar a emancipação individual, de criar nos microcosmos “aqui e agora” a sociedade alternativa. Alguns defensores deste ponto de vista veem o crescimento da liberdade social como o subproduto da adição de um indivíduo “livre” a outro, um pouco como trabalhadores que vão para o Colégio Ruskin para se tornarem “emancipados um a um”. Esse tipo de revolta, desde que concebida em termos puramente individuais, pode ser prontamente recuperada pela sociedade estabelecida. A revolta individual, seja em roupas ou em estilos de cabelo, seja em preferências alimentares ou em gostos musicais, seja em costumes sexuais ou em atitudes filosóficas, torna-se prontamente uma mercadoria a ser freneticamente explorada no interesse do próprio capital. (O importante livro, O Fracasso da Revolução Sexual, de George Frankl, trata deste tema).

Os limites da recuperação

Em O Irracional na Política, escrevemos que a exploração da sociedade não seria capaz de tolerar “o desenvolvimento em massa de pessoas críticas, desmistificadas, autossuficientes, emancipadas sexualmente, autônomas, não alienadas, conscientes do que querem e preparadas para lutar por ele“. Continuamos a ter esta ideia como basicamente correta. Seu núcleo – que não se pode conceber qualquer movimento genuinamente libertador sem indivíduos genuinamente libertados – parece irrefutável. Mas a nossa formulação foi inadequada. Deveríamos ter falado de indivíduos preparados coletivamente para lutar pelo que eles queriam. E deveríamos ter falado mais sobre os objetivos da luta. Deveríamos ter descrito mais claramente o que era a visão, pelo menos aos nossos olhos. A transformação socialista da sociedade não é um processo automático, nem uma atividade reflexa. Ela requer um sentido de direção. Pode haver muitos caminhos para a terra prometida, mas certamente só podemos ajudar se as pessoas souberem para onde estão indo.

Tomemos como certo que a atividade significativa precisa ser coletiva, que a transformação social precisa de indivíduos emancipados, e que o quadro institucional de qualquer nova sociedade provavelmente se baseará, pelo menos em parte, naquelas formas que a própria luta tem repetidamente lançado em seus momentos de mais profundo discernimento e criatividade. O que precisamos pensar agora – e discutir amplamente em toda a esquerda libertária – é o conteúdo político de uma atividade que busca conscientemente, tanto evitar a recuperação, como ser relevante para as condições de hoje.

São necessários alguns critérios para definir tal atividade? Pessoalmente penso que a resposta é “sim” – com a condição de que a definição deve ser vista como um processo contínuo. Os revolucionários que compartilham objetivos comuns devem agrupar-se, primeiro para discutir os seus objetivos e depois para lutar por eles? Mais uma vez eu acho que a resposta é “sim”. O “inexistencialismo político” só é relevante se pensarmos que há alguma orientação divina que assegure que cada luta ajude a mover a sociedade em uma direção socialista.

Somente se os libertários falarem abertamente destas questões é que poderão apresentar uma alternativa crível à esquerda autoritária. Se o socialismo é a criação de formas de vida que permitam a todos – livres de constrangimentos externos ou de inibições internalizadas – elevarem-se à sua estatura plena, realizarem-se como seres humanos, divertirem-se, relacionarem-se uns com os outros sem pisar em ninguém (e esta é uma definição de socialismo tão boa como qualquer outra) – devemos dizê-lo em alto e bom som. E não devemos ter medo de criticar quaisquer atividades – por mais “autogeridas” – que conduzam numa direção oposta. O socialismo, afinal de contas, é uma forma específica de socialização. Nesta discussão não devemos esquecer os pré-requisitos econômicos do que buscamos. Também não devemos confundi-los com o próprio objetivo. Finalmente, não devemos subestimar as forças que enfrentamos, incluindo os poderes de recuperação da sociedade estabelecida. Uma reavaliação contínua do grau de recuperação dos objetivos anteriores é o antídoto mais eficaz para o mal-estar da esquerda, e a única receita possível para permanecer um revolucionário.


Notas de rodapé:

(1) [N.T.] Em 1968, Jack Jones foi eleito secretário geral da TGWU (Transport and General Worker’s Union – Sindicato Geral dos Trabalhadores do Transporte) e, ao lado de Hugh Scanlon, liderou a oposição sindical de esquerda (associada à Esquerda Ampla) à política de preços e rendimentos do governo trabalhista de 1966 a 1970. Scanlon e o Jones foram conhecidos pela imprensa como “Os terríveis gêmeos” pela oposição deles ao Partido Trabalhista e Partido Conservador. Naquele contexto, estes dois partidos buscaram restringir o poder dos sindicatos, e o então primeiro ministro trabalhista Harold Wilson, disse a eles para “tirar seus tanques do meu gramado”. (retornar ao texto)

(2) [N.T.] Alexander Kerensky (1881-1970) foi um político e advogado russo. Ele tornou-se conhecido por ter sido o primeiro-ministro do governo provisório russo no ano de 1917, no período em que foi instaurado o chamado “duplo poder” na Rússia. Assim, houve o governo de Kerensky e o autogoverno formado pelos conselhos operários no território russo, entre os meses de abril e outubro de 1917. Neste último mês, ocorreu o golpe de estado do Partido Bolchevique que assumiu o poder do estado e pôs fim ao duplo governo, tanto de Kerensky, como dos conselhos operários, resultando em uma contrarrevolução burocrática. (retornar ao texto)

(3) A discussão sobre se “autogestão” pode ser associada com “socialismo” já foi iniciada entre os libertários no continente. (retornar ao texto)

(4) [N.T.] A palavra “pace” possui origem no Latim. Por esse motivo, ela é geralmente escrita no itálico quando usada em sentenças no inglês. “Pace” é utilizado por Brinton no sentido de dizer “ao contrário de”, ou seja, discordando do que pensavam os autores citados por ele. (retornar ao texto)

(5) Para uma discussão sobre as diferenças entre os dois conceitos, ver a Introdução do livro Os Bolcheviques e o Controle Operário, 1917-1921. (retornar ao texto)

Inclusão: 20/11/2021