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Fonte: Marxismo Heterodoxo. Editora Brasiliense: 1981. Organizado por Maurício Tragtenberg.
Tradução: Beatriz Berg.
Transcrição: Thiago Paulino.
HTML: Lucas Schweppenstette.
Este discurso, do qual transcrevemos amplos trechos, é historicamente bastante significativo, independentemente do juízo de valor sobre temas específicos (responsabilidade da Internacional na falência da revolução alemã de 1923; recusa da bolchevização, entendida como construção dos partidos comunistas pela base da composição operária e da unidade disciplinar interna e internacional, reivindicação da função histórica das frações de extrema-esquerda; sustentação às críticas de Trótski ao grupo dirigente soviético; proposta de estruturar a Internacional pelo conjunto dos partidos e, portanto, pela classe operária do Ocidente, e não essencialmente pelo poder soviético; proposta de discutir as divergências do partido russo na Internacional).
É uma intervenção que definimos significativa, seja porque foi a mais importante e também a mais corajosa tentativa de um comunista do Ocidente de opor-se ao stalinismo nascente, seja porque nos apresenta os vícios de tal stalinismo na sua gênese.
Ressalta do texto a colocação histórica e mundial dos problemas que dividiam em 1926 os próprios comunistas italianos, e que logo suscitariam polêmicas, até mesmo no interior da linha, sobretudo na lógica da Internacional e da qual Gramsci também participou.
(...) Já no último congresso critiquei nossos métodos de trabalho. Nos órgãos superiores e nos nossos congressos falta uma verdadeira colaboração. O órgão supremo parece alguma coisa estranha às seções, que com elas discute e escolhe, no interior de cada uma, uma fração para dar seu apoio. Este núcleo central, seja qual for a questão, é apoiado por todas as seções restantes que esperam assim garantir um tratamento melhor quando chegar a sua vez. Com frequência, os que se colocam no plano deste “leilão” são somente grupos meramente pessoais em torno de um líder. Eles dizem assim: a direção internacional nos é fornecida pela hegemonia do partido russo. Mas aqui surge um problema: como são resolvidas pelo partido russo as questões internacionais? É uma pergunta que todos nós temos o direito de fazer.
Depois dos últimos acontecimentos, este ponto de apoio de todo o sistema não é mais suficiente. Na última discussão do partido russo, vimos companheiros que reivindicavam ter o mesmo conhecimento do leninismo, que tinham o mesmo indiscutível direito de falar em nome da tradição revolucionária bolchevique, discutirem entre si e, nesse processo, fazerem uso, um contra o outro, de citações de Lênin e interpretarem, cada qual a seu favor, a experiência russa. Sem entrar no mérito da discussão, quero estabelecer este fato indiscutível.
Quem, nesta situação, decidirá em última instância sobre os problemas internacionais? Não se pode mais responder: a velha guarda bolchevique, porque na prática esta resposta deixa sem solução a questão. É este primeiro ponto de apoio do sistema que escapa à nossa objetiva indagação. Resulta daí que a solução deve ser completamente diferente. Podemos comparar nossa organização internacional com uma pirâmide. Esta pirâmide deve ter um vértice e as linhas retas devem se dirigir para este vértice. É assim que se produz a necessária unidade e a necessária centralização. Mas hoje, por causa da nossa tática, esta pirâmide se apóia perigosamente sobre seu vértice.
É necessário pois revirá-la; o que hoje está em cima deve voltar para baixo, precisamos colocar a pirâmide sobre a sua base a fim de que ela reencontre seu equilíbrio.
A conclusão final a que chegamos sobre a questão da bolchevização é, pois, de que não se trata de introduzir simples modificações de ordem secundária, mas que todo o sistema seja modificado de baixo para cima. (...)
Existe um único partido que obteve a vitória revolucionária: o partido bolchevique russo. É, para nós, de importância capital seguir o mesmo caminho desse partido para conseguir a vitória. É a pura verdade, sim, mas não basta. É inegável que o caminho histórico seguido pelo partido russo não pode mostrar todos os aspectos do desenvolvimento histórico que se apresenta aos outros partidos. O partido russo lutava num país em que ainda não tinha se dado a revolução burguesa; o partido russo — e isto é um fato — combatia em condições particulares, isto é, num país em que a autocracia feudal ainda não fora derrubada pela burguesia capitalista. Entre a derrubada da autocracia feudal e a conquista do poder por parte do proletariado houve um período muito curto para que este desenvolvimento pudesse ser comparado ao que a revolução proletária deverá enfrentar nos demais países.
Não houve tempo suficiente para fazer surgir das ruínas do aparato tzarista e feudal um aparato estatal burguês. O desenvolvimento na Rússia não nos dá, portanto, experiências de importância fundamental sobre o modo como o proletariado deverá derrubar o moderno Estado capitalista, liberal, parlamentar, que existe há muitos e muitos anos e que possui uma grande capacidade de se defender.
Em vista dessas diferenças, o fato de que a revolução russa tenha confirmado a nossa doutrina, o nosso programa, a nossa concepção do papel da classe trabalhadora no desenvolvimento histórico, é muito importante do ponto de vista teórico, na medida em que à revolução russa, mesmo em condições particulares, levou à conquista do poder e à ditadura do proletariado realizada pelo Partido Comunista. Nesse sentido, a teoria do marxismo revolucionário encontrou a mais grandiosa confirmação histórica. Do ponto de vista ideológico, este fato tem uma importância decisiva; mas no que diz respeito à tática, não é suficiente.
Devemos saber como se ataca e se conquista o moderno Estado burguês, um Estado que na luta armada se defende com muito mais eficácia do que a autocracia tzarista e que, o que é pior, se defende com a ajuda da mobilização ideológica e a educação em sentido desmoralizador do proletariado por obra da burguesia. Este problema não se apresenta na história do Partido Comunista russo e, se se interpretar a bolchevização no sentido de que se possa tirar da revolução do partido russo a solução de todos os problemas de estratégia da luta revolucionária, um semelhante conceito de bolchevização é insuficiente. A Internacional deve construir para si uma concepção mais vasta, deve encontrar para os problemas estratégicos soluções que estão fora do raio da experiência russa. Esta deve ser utilizada plenamente, nada nela deve ser descartado, é preciso tê-la sempre diante dos olhos, mas temos também necessidade de elementos integradores, extraídos da experiência que a classe operária realiza no Ocidente. É isto que se deve dizer, do ponto de vista histórico e tático, sobre a bolchevização. A experiência da tática na Rússia não nos mostrou como devemos proceder na luta contra a democracia burguesa: esta não nos dá nenhuma ideia das dificuldades e das tarefas que encontrará o desenvolvimento da luta proletária em nossos países. (...)
Quais são as nossas tarefas para o futuro?
Esta assembleia não poderia se ocupar seriamente de tal problema sem enfrentar o problema fundamental das relações históricas entre a Rússia soviética e o modo capitalista em toda sua amplitude e gravidade. Ao lado do problema da estratégia revolucionária do proletariado, do movimento internacional dos camponeses e dos povos colonizados e oprimidos, a questão da política estatal do Partido Comunista na Rússia é hoje para nós a questão mais importante. Trata-se de dar uma boa solução ao problema das relações internas de classe na Rússia, trata-se de aplicar as medidas necessárias com relação à influência dos camponeses e dos estratos pequeno-burgueses que vêm surgindo, trata-se de lutar contra a pressão externa, que hoje é puramente econômica e diplomática e que amanhã talvez seja militar.
Uma vez que nos outros países não se verificaram ainda movimentos revolucionários, é necessário unir de modo mais estreito toda a política geral revolucionária do proletariado. Não pretendo aprofundar aqui essa questão, mas afirmo que o ponto de apoio para esta luta certamente se encontra, em primeira linha, na própria classe trabalhadora russa e no seu Partido Comunista, mas que é de importância decisiva fundar-se também no proletariado dos Estados capitalistas. O problema da política russa não pode ser resolvido dentro de um perímetro fechado do movimento russo; é, aliás, absolutamente necessária à colaboração direta de toda a Internacional comunista.
Sem esta verdadeira colaboração surgirão perigos não só para a estratégia revolucionária na Rússia, mas também para a nossa estratégia nos estados capitalistas.
Nós aqui estamos todos de acordo que os partidos comunistas devam incondicionalmente manter a sua independência revolucionária; mas é necessário se salvaguardar da possibilidade de uma tendência de se substituir os partidos comunistas por órgãos com caráter menos claro e explícito que não se apoiam no terreno da luta de classe e que exercem uma função de enfraquecimento e neutralização política. Na situação atual, a defesa do caráter da nossa organização internacional e por consequência de partido contra qualquer tendência liquidante é uma indiscutível tarefa comum.
Podemos, depois da crítica relacionada com a linha geral, considerar a Internacional, assim como está hoje, suficientemente preparada para esta dupla tarefa da estratégia na Rússia e nos outros países? Podemos deixar de exigir a imediata discussão de todos os problemas russos por parte desta assembleia? E, no entanto, a esta pergunta só se pode responder: não! Uma séria revisão do nosso regime interno é absolutamente necessária; é, além do mais, necessário colocar na ordem do dia dos nossos partidos os problemas da tática em todo o mundo e os problemas da política do Estado russo; mas isto deve acontecer mediante uma nova orientação e métodos completamente mudados.
Na relação e nas teses propostas, não encontramos nenhuma garantia suficiente para tal fim. Não é de um otimismo oficial que necessitamos; devemos compreender que não é com métodos tão mesquinhos como os que vemos muito frequentemente empregados aqui, que podemos preparar-nos para assumir as tarefas importantes diante das quais se encontra o estado-maior da revolução mundial. (...)
Eu pergunto: realizar-se-á no futuro uma mudança das nossas relações internas? Esta sessão plenária demonstra que se tomará um novo caminho? Enquanto se sustenta que deve cessar o regime de terror interno, as declarações dos delegados franceses e italianos nos suscitam algumas dúvidas, embora as teses falem da realização de uma nova vida no interior do partido. Esperamos que aconteçam.
Creio que a caça ao suposto fracionismo continuará e dará os resultados que deram até agora. Nós o vemos até no modo pelo qual se procura resolver a questão alemã e diversas outras questões. Devo dizer que este método da humilhação pessoal é um método deplorável, mesmo que seja empregado nos confrontos de elementos políticos que merecem ser rigorosamente combatidos. Não creio que este seja um sistema revolucionário. Acho que a maioria que hoje dá mostras de sua ortodoxia, divertindo-se às custas dos pecadores perseguidos, deve ser composta com muito provavelmente de ex-opositores humilhados. Sabemos que estes métodos foram aplicados, e talvez ainda o sejam, a companheiros que não só têm uma tradição revolucionária, mas que permanecem elementos preciosos para a nossa luta futura.
Esta mania de autodestruição deve cessar se quisermos de verdade candidatarmo-nos à direção da luta revolucionária do proletariado.
O espetáculo que nos transmite esta sessão plenária me abre tristes perspectivas acerca das mudanças dos futuros destinos da Internacional. Votarei, portanto, contra o projeto de resolução que foi apresentado. (...)
Quero formular por escrito a minha posição a respeito da discussão sobre problemas russos. Tenho o direito de constatar que o Plenário não discutiu as questões russas, que não tem nem à possibilidade nem o preparo para fazê-lo e que este fato me confere o direito de concluir que nos encontramos diante de um dos resultados da política geral errada da Internacional e dos desvios de direita desta política. A mesma constatação já a fiz no meu primeiro discurso na sede de discussão geral.
Concretamente proponho que o congresso mundial seja convocado no próximo verão, tendo na ordem do dia justamente a questão das relações entre a luta revolucionária do proletariado mundial e a política do Estado russo e do Partido Comunista da União Soviética, ficando firmemente estabelecido que a discussão sobre estes problemas deve ser preparada de modo adequado em todas as seções da Internacional.