A Propósito d’A Hipótese Comunista

Daniel Bensaïd

25 de junho de 2009


Primeira Edição: Politis n° 1058, 25 de junho de 2009

Observação: Daniel Bensaïd comenta a Hipótese Comunista do filósofo Alain Badiou. 

Fonte: LavraPalavra

Tradução: Leonardo Silvério e Pedro Barbosa do origianl disponível em - http://danielbensaid.org/A-propos-de-L-Hypothese-communiste?lang=fr

HTML: Fernando Araújo.


O trabalho de Alain Badiou força o respeito por sua audácia de ir contra a corrente de pensamentos frágeis e despedaçados, por sua capacidade de nomear claramente o inimigo, por sua fidelidade a uma ideia. Em A hipótese comunista, ele medita sobre a noção de fracasso(1): “Que quer dizer exatamente fracassar”? A justificativa de “a hipótese comunista” estaria pavimentada com eventos e derrotas vitoriosas (a Comuna, a Revolução cultural, Maio de 68) que são tanto “das etapas de sua história” ou “do devir geral da Humanidade”. Mas onde, para qual destinação, conduzem essas etapas se não houver nem um fim da história nem um julgamento final?

Badiou enfatiza “a relação entre a possibilidade de superar subjetivamente a derrota e a vitalidade, internacional e supratemporal, da hipótese comunista”. De fracasso em fracasso, de derrota em derrota, até a vitória final? Esta temível dialética relativiza as consequências, sempre reparáveis (não se supera facilmente uma hipótese), das rebarbas, dos desvios e outros “inumeráveis pacotes” reduzidos a tantas peripécias solúveis no grande rio tumultuado dos “processos de verdade”. Badiou argumenta que há “um significado positivo das derrotas, a longo prazo”. Longo, de fato, e como tarda! Assunto de paciência e de fidelidade, então? Da obstinação para “continuar”, apesar de tudo.

Sem dúvida existe uma dialética do fracasso e da derrota. O que é vencer em uma história profana, onde a última palavra jamais é dita? Onde “o apelo está sempre aberto”, como afirmou Blanqui no dia seguinte da Comuna? Os demolidores da ordem estabelecida raramente são os construtores de um mundo novo. Aqueles que não têm medo de lutar devem ter medo de vencer pois “a luta expõe a forma simples do fracasso (o ataque não obteve êxito), enquanto a vitória expõe a sua forma mais temível: aperceber-se de que é em vão que derrotamos, que a vitória prepara a repetição, a restauração, que uma revolução não é mais do que uma intermediária do Estado”.

Melhor partir a tempo do que terminar um burocrata, em suma. Badiou procura evitar a dialética infernal entre o poder constituinte e o poder instituído, como se fosse possível dar um passo ao lado, permanecer totalmente ao lado do evento sem jamais se comprometer com a história. A introdução d’A hipótese comunista conclui com a afirmação categórica que se trata de “um livro filosófico” que, “contrariamente às aparências, não trata diretamente de política”. A hipótese comunista da qual falamos aqui não é estratégica, mas filosófica. E o comunismo, não um movimento político que visa abolir a ordem existente, mas uma “ideia” filosófica que permite “o antecipar de novas possibilidades”. Pois “sem ideia, a desorientação das massas populares é inelutável”. Resta então saber qual relação o enunciado filosófico da hipótese mantém com a sua colocação à prova da política; e se esse comunismo ideal não permanece um comunismo hipotético.

Badiou propõe, no entanto, uma definição sedutora da política: “Ação coletiva organizada, conforme alguns princípios, e visando a desenvolver na realidade as consequências de uma nova possibilidade reprimida pelo estado dominante de coisas”(2). Que uma política dos oprimidos seja irredutível ao que ocorre na esfera e sob a influência do Estado, isso é óbvio. A controvérsia começa quando a democracia e tudo o que concerne ao número são identificados com o Estado. Certamente, a verdade não se vota. Mas a política é mais da ordem daquelas “verdades relativas” das quais Lenin fala. “Contra a definição gestionária do possível, afirmamos, escreve Badiou, que o que iremos fazer, ainda que sujeitos aos agentes desta gestão que visa o impossível, é na realidade, ao ponto mesmo desse impossível, a criação de uma possibilidade anteriormente despercebida e universalmente válida”. Estamos de acordo e também afirmamos que “o que é decisivo é manter a hipótese histórica de um mundo livre da lei do lucro e do interesse privado (…) tudo simplesmente porque, se se admite a necessidade da economia capitalista violenta e da política parlamentar que a sustenta, simplesmente não se pode mais ver, na situação, outras possibilidades”. O futuro de uma hipótese se opõe assim ao “passado de uma ilusão”. Nessas definições, no entanto, o comunismo perde precisão histórica e política o que ganha em extensão (e em eternidade) filosófica. A hipótese filosófica da saída eventual da caverna, ou da revelação pauliana, não permite articular o evento à história, a contingência à necessidade, o fim ao movimento. No entanto, não existe para nós exterioridade, nenhum exterior absoluto da política em relação às instituições, do evento em relação à história, da verdade em relação à opinião. O exterior está sempre dentro. As contradições explodem do interior. E a política consiste em se estabelecer lá para levá-las a seu ponto de ruptura e de deflagração.


Notas de rodapé:

(1) Alain Badiou, L’Hypothèse communiste, Paris, Éditions Lignes, 2009. [Edição brasileira: Alain Badiou, A hipótese comunista, São Paulo: Boitempo, 2012] (retornar ao texto)

(2) A. Badiou, De quoi Sarkozy est-il le nom ?, Paris, Éditions Lignes, 2007, p 14. (retornar ao texto)

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Inclusão: 12/11/2019