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Primeira Edição: El Viejo Topo, Barcelona, n° 253, Fevereiro 2009
Fonte: Resistir.info - https://www.resistir.info/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Incerteza é a palavra que melhor define o clima psicológico actual. Todos os precedentes capitalistas desta crise demonstraram-se imprestáveis na hora de entender o que está a acontecer. A imagem da "terra incógnita", da entrada num território desconhecido vai-se impondo entre as elites das grandes potências. Num artigo recente aparecido em The Independent, Jeremy Walker resume bastante bem esta nova percepção: "Encontramo-nos num mar desconhecido, ninguém sabe para onde vamos. A única coisa que sabemos é que a tormenta económica prossegue a sua marcha"(1).
Por sua vez, James Rickards, uma figura chave do aparelho de inteligência estado-unidense (formalmente é assessor financeiro do gabinete do secretário da Defesa) apresentou em 17 de Dezembro de 2008 um relatório auspiciado pela U.S. Navy onde traça quatro cenários catastróficos sobre o futuro dos Estados Unidos. Um (como não podia deixar de ser na era Bush) a descrever um mega ataque terrorista que se aproveitaria da extrema debilidade da economia para assestar um golpe mortal no Império. Outro, centrado numa suposta agressão financeira da China a vender maciçamente no mercado dólares e títulos públicos estado-unidenses provocando assim o derrube das suas cotações. Um terceiro cenário apresenta a queda livre do dólar e as consequências desastrosas para a sociedade imperial e o resto do mundo. E finalmente um quarto cenário, talvez o mais importante, denominado "Derrube existencial", que prognostica uma depressão prolongada com redução do Produto Interno Bruto da ordem dos 35% ao longo dos próximos 6 ou 7 anos, com uma taxa de desemprego que logo chegaria aos 15%, etc.(2)
A ilusão da auto-regulação do mercado financeiro esfumou-se. Os gurús da especulação ocultaram-se ou mudaram de discurso procurando outros deuses: os da intervenção estatal, os quais há umas poucas décadas haviam lançado no baú dos velhos objectos inúteis. Nos fins de 2008 numerosas revistas especializadas de todos os continentes, algumas destinadas ao grande público, mostravam a fotografia de lord Keynes desenterrado para salvar-nos do desastre. Mas até agora a nova-velha magia intervencionista demonstrou a mais completa impotência. Vários milhões de milhões de dólares, euros e outras moedas fortes (fortes?) foram lançados no mercado em espectaculares operações de salvamento com resultado nulo. O mercado não se auto-regula, mas tão pouco aceita ser regulado. Uma avalanche de acontecimentos sepultou por completo os prognósticos conservadores dos triunfadores da Guerra Fria. O futuro já não será mais-do-mesmo e ao fundir-se essa linearidade burguesa da história ressurge com uma força inusitada, o que Mircea Eliade denominava "o terror da história". Neste caso, diante de uma provável sucessão de factos em que os poderes e valores dominantes não sejam respeitados, ultrapassados por forças hostis. É no seio das classes dominantes que esse terror cresce velozmente.
A crise financeira é gigantesca, mas também o são as "outras crises", umas mais visíveis ou virulentas que outras a convergirem até formar um fenómeno inédito. Para tomar um só exemplo, a crise energética que se exprime por agora no estancamento e na próxima redução da produção petrolífera global, foi até há pouco um catalisador decisivo da especulação e da inflação (até antes da queda económica do último trimestre de 2008) e aguarda-nos num futuro não muito longínquo para assestar-nos novos golpes inflacionários, quando a extracção descer mais alguns degraus ou quando a depressão económica se detiver. Por outro lado, a crise energética está associada à crise alimentar e ambas assinalam a existência de um impasse tecnológico geral que se estende ao meio ambiente e ao aparelho militar-industrial, tudo isso concentrado e exacerbado a partir do colapso financeiro nos Estados Unidos, o centro do mundo.
É possível afirmar que as diversas crises não são senão aspectos de uma única crise, sistémica, do capitalismo como etapa da história humana.(3)
Um componente importante dessa crise psicológica é a constatação de que certos ciclos que pareciam reger o funcionamento económico deixaram de funcionar. Trata-se da destruição da crença em que após um determinado número de meses ou de anos de vacas magras chegaria o das vacas gordas e que o sistema continuaria o seu caminho ascendente.
Os ciclos decenais descobertos por Juglar por volta de 1860 atravessaram boa parte do século XIX exprimindo as oscilações do jovem capitalismo industrial, ainda que no fim do mesmo essas rotinas tenham-se tornado opacas. Por volta de 1885, numa nota anexa ao Livro III do Capital, Engels assinalava que "se verificou uma viragem desde a última grande crise geral (1867). A forma aguda do processo periódico com o seu ciclo de dez anos que se vinha observando até então parece haver cedido o lugar a uma sucessão antes crónica e longa de períodos relativamente curto e ténues de melhoria dos negócios e períodos longos de depressão...". E atribuía essa mudança à nova configuração económica internacional marcada pelo desenvolvimento rápido dos meios de comunicação, pela ampliação do mercado mundial e pelo fim do monopólio industrial inglês(4). Os velhos ciclos decenais tendiam a desaparecer porque o capitalismo havia sofrido mudanças estruturais decisivas.
Mas isso não afectou outras rotinas do sistema, como as ondas longas de Kondratieff, etapa de aproximadamente entre 50 e 60 anos(5) (a primeira metade de ascensão económica e a segunda de descida) que se vinham sucedendo a partir da revolução industrial inglesa. Ao longo da história do capitalismo foram registados quatro ciclos de Kondratieff. O primeiro iniciou-se em fins do século XVIII e concluiu-se em meados do século XIX. O segundo terminou durante a última década desse século e o terceiro durante os anos 1940 quando se iniciou um quarto ciclo, cuja etapa de prosperidade chegou até fins dos anos 1960, até 1968 se acompanharmos a proposta de Mandel que prefere estabelecer cortes históricos precisos(6). A partir desse momento a taxa de crescimento da economia mundial impulsionada pelos países capitalistas centrais descreveu uma tendência descendente no longo prazo que não se deteve até hoje e que deveria prolongar-se num futuro previsível (ver Gráfico 2).
Se aceitarmos a periodização de Mandel, a fase descendente do primeiro Kondratieff teria durado uns 22 anos, a do segundo 20 anos e a do terceiro 26 anos. A média é de aproximadamente 22,6 anos, mas a descida do quarto Kondratieff já estaria a durar uns 40 anos (em 2008) e não é demasiado ousado prever o seu prolongamento pelo menos um lustro mais. Seguindo o modelo teórico, a recuperação deveria ter começado em meados da década passada. Isso não se verificou e tão pouco aconteceu na actual (ver Gráfico 3)
Pior ainda, cada fase ascendente costuma ser associada às grandes inovações tecnológicas que modificaram os sistemas de produção e os estilos de consumo. Assim aconteceu durante a primeira revolução industrial com a máquina a vapor e a expansão da indústria têxtil, em meados do século XIX com o aço e o desenvolvimento das ferrovias, em fins do século XIX com a electricidade, a química e os motores, e em meados dos anos 1940 com a electrónica, a petroquímica e os automóveis no arranque do quarto Kondratieff. Assim "devia ter sucedido" na década dos anos 1990, atravessada por grandes inovações na informática, biotecnologia e novos materiais. Contudo, essas mudanças técnicas não modificaram positivamente o curso dos acontecimentos. Ao contrário, acentuaram as suas piores características. A informática por exemplo: quando avaliamos o seu impacto segundo a importância da actividade económica envolvida constatamos que a sua principal aplicação se verificou na área do parasitismo financeiro, cujo volume de negócios (uns mil milhões de milhões de dólares) equivale actualmente a cerca de 19 vezes o Produto Mundial Bruto.
Isto permite-me colocar a hipótese de que assim como ocorreu há cerca de um século com os ciclos decenais de Juglar podemos actualmente sustentar que as ondas longas de Kondratieff perderam a sua validade científica. A fase descendente do quatro Kondratieff foi triturada pela nova realidade. A economia mundial completamente hegemonizada pelo parasitismo financeiro obedece a uma dinâmica radicalmente diferente da que vigorou durante a era do capitalismo industrial.
Frente a essa evidência não faltam peritos e académicos desejosos de encontrar uma nova rotina restauradora da ordem. Alguns propõem regressar a ciclos mais curtos e violentos estilo Juglar (retorno ao século XIX?), outros misturam Juglar e Kondratieff introduzindo alguns adornos provenientes da psicologia social, outros realizam manipulações econométricas no ciclo Kondratieff conservando assim a esperança numa futura recomposição ascendente do sistema. É o caso de Ian Gordon, renomado especialista norte-americano em prognósticos económicos que não tem dúvida em fabricar um super "quarto Kondratieff" estado-unidense de quase 70 anos, correndo para a direita o início da sua etapa ascendente (desde 1940 a 1950) estendendo-a até os anos 1980 e propor o fim do descida (e o começo de um novo e maravilhoso quinto Kondratieff caitalista) para fins da segunda década do século XXI.(7)
O fim das rotinas e a entrada num tempo de desordem geral estão assinalar-nos que o mundo burguês não se encontra perante uma enfermidade passageira, uma "crise cíclica" mais no interior do grande ciclo, único e supostamente vigoroso do capitalismo e sim perante uma crise de enorme amplitude onde as enfermidades multiplicam-se não por um capricho do destino e sim porque o organismo, o sistema social universal, está muito velho.
O capitalismo mundial entrou na etapa senil(8) no anos 1970 quando o parasitismo se tornou hegemónico. Ao longo da referida década e do primeiro lustro dos anos 1980 ocorreram factos decisivos nos Estados Unidos, dentre eles o princípio do declínio da produção petrolífera, a decisão do governo Nixon de acabar com o padrão dólar-ouro, a derrota no Vietname a que a seguir acrescentaram-se os défices comerciais e fiscais crónicos e a subida incessante das dívidas pública e privada, a concentração de rendimentos, o consumismo, a elitização e degradação do sistema político, etc.
Tudo isso redundou, nos princípios do século XXI, quando se desinchou a bolha bursátil, numa situação extremamente grave à qual o Império respondeu com uma desesperada fuga para a frente: radicalizou a sua estratégia de conquista da Eurásia desenvolvendo grandes operações militares (Iraque, Afeganistão) e reanimou a especulação financeira inchando a bolha imobiliária e, graças a ela, voltando a inchar a bolha bursátil. Perante a crise do parasitismo financeiro decidiu impulsionar um onda parasitária muito maior que a anterior. Não se tratou de um "erro estratégico" e sim uma consequência estratégica lógica inscrita na dinâmica dominante do sistema de poder.
Um primeiro indicador de senilidade é a decadência dos Estados Unidos, resultado de um longo processo de degradação. A "globalização" desenvolvida desde os anos 1970 implicou um triplo processo: o aburguesamento quase completo do planeta (a cultura do capitalismo tornou-se verdadeiramente universal ao derrotar a URSS e integrar a China), a financiarização integral do capitalismo (hegemonia parasitária) e a unipolaridade, a instalação do Império norte-americano como poder supremo mundial. É o principal consumidor global e área central dos negócios financeiros internacionais ao que se acrescenta o facto decisivo da "norte-americanização" da cultura das classes dominantes do mundo. É por isso que o declínio (senilidade) dos Estados Unidos, para além das suas consequências económicas (ou incluindo suas consequências económicas) constitui o motor da decadência universal do capitalismo.
O Império foi em simultâneo verdugo e vítima do resto do mundo. O seu consumismo parasitário teve como contrapartida os bons negócios comerciais e financeiros das burguesias da União Europeia, China, Japão, Índia, etc. O inchaço parasitário estado-unidense foi o amortecedor fundamental da crise de superprodução crónica das grandes potências, mas a bolha imperial agora está a desinchar e o capitalismo global entra na depressão.
Um segundo indicador de senilidade é a interacção entre dois fenómenos: a hipertrofia financeira global e a desaceleração no longo prazo da economia mundial (ver o Gráfico 2). Em princípios do século XXI chegámos à financiarização integral do capitalismo. As tramas especulativas impuseram sua "cultura" curtoprazista e depredadora que passou a ser o núcleo central da modernidade. Presenciamos um círculo vicioso. A crise crónica de superprodução iniciada há quatro décadas comprimiu o crescimento económico desviando excedentes financeiros para a especulação, cujo ascensão operou como um mega aspirados de fundos retirados ao investimento produtivo. Hoje a massa financeira mundial estaria a chegar aos mil milhões de milhões (10 15 ) dólares (só as operações com produtos financeiros derivados registadas pelo Banco da Basileia superam os 600 milhões de milhões de dólares.
A economia mundial cresce cada vez menos. Além disso enfrenta um tecto energético que bloqueia o seu desenvolvimento, o que nos sugere o tema da crise energética, ou seja, da incapacidade tecnológica do sistema para superar a armadilha do esgotamento dos recursos naturais não renováveis. Não esqueçamos que o capitalismo industrial pôde alçar voo a partir dos fins do século XVIII porque conseguiu tornar-se independente dos recursos energéticos renováveis que o submetiam aos seus ritmos de reprodução e impor a sua lógica aos recursos não renováveis: o carvão, seguido mais adiante pelo petróleo. Essa proeza depredadora (que nos levou ao desastre actual) foi um pilar decisivo da construção do seu sistema tecnológico articulador de complexa e evolutiva rede de procedimentos produtivos, produtos, matérias-primas, hábitos de consumo, etc, enlaçando o desenvolvimento científico e as estruturas de poder.
A crise energética está associada à crise alimentar, à qual deveríamos acrescentar a crise ambiental, para revelar um terceiro indicador de senilidade: o bloqueio tecnológico. É útil o conceito de limite estrutural do sistema tecnológico, definido por Bertrand Gille como o ponto no qual o referido sistema é incapaz de aumentar a produção a um ritmo que permita satisfazer necessidades humanas crescentes(9). Não se trata de necessidades humanas em geral, ahistóricas, e sim de exigências sociais historicamente determinadas. É possível assim formular a hipótese de que o sistema tecnológico do capitalismo estaria a chegar ao seu limite superior para além do qual vai deixando de ser o pilar decisivo do desenvolvimento das forças produtivas para converter-se na ponta de lança da sua destruição.
O capitalismo está agora a gerar um enorme desastre ecológico, resultado de uma rigidez civilizacional decisiva que o impede de superar uma dinâmica tecnológica que conduz à depredação catastrófica do meio ambiente. Cada vez que isso ocorreu no passado pré-capitalista foi porque a civilização que engendrou o referido sistema técnico havia chegado à sua etapa senil (a destruição do meio ambiente é na realidade auto-destruição do sistema social existente).
Um quarto indicador de senilidade é a degradação estatal-militar, posta em evidência pelo fracasso da aventura dos falcões norte-americanos mas que exprime uma realidade global. O Estado intervencionista permitiu controlar as crises capitalistas verificadas desde os princípios do século XX, sua ascensão esteve sempre associada à do militarismo, às vezes de maneira visível e outras, após a Segunda Guerra Mundial, sob disfarce democrático (se observarmos a evolução dos Estados Unidos desde os anos 1930 comprovaremos que o "keynesianismo militar" constituiu até hoje a espinha dorsal do seu sistema).
Mas finalmente o desenvolvimento das forças produtivas universais, até chegar à sua actual degeneração parasitária-financeira, acabou por ultrpassar os seus reguladores estatais submergindo-os na maior das suas crises. O neoliberalismo aparentou ser a expressão de uma globalização superadora dos estreitos capitalismos nacionais. Na realidade tratava-se do vigoroso monstro financeiro a devorar o seu pai estatal-produtivo-keynesiano. Agora, encurralados pela crise, os dirigentes das grandes potências retornam ao intervencionismo estatal que resulta ser impotente perante a maré financeira.
Esta decadência estatal inclui a do militarismo moderno evidenciado pelo atolamento militar do Império no Iraque e do conjunto do Ocidente no Afeganistão. Trata-se de um fenómeno duplo. Por um lado, a ineficácia técnica desses super aparelhos militares para ganhar as guerras coloniais. Por outro, o seu gigantismo parasitário a operar como acelerados da crise. O caso norte-americano é exemplar (e sobre determinante): a hipertrofia bélica surge como um factor decisivo para os défices fiscais e a corrupção generalizada do Estado.
Um quinto indicador de senilidade é a crise urbana desencadeada na era neoliberal e que se agravará exponencialmente ao ritmo da crise actual. Desde princípios dos anos 1980, quando o desemprego e o emprego precário nos países centrais tornaram-se crónicos e quando a exclusão e a pobreza urbana expandiu-se na periferia, o crescimento das grandes cidades foi cada vez mais o equivalente de involução das condições de vida das maiorias. A decomposição das cidades é claramente visível na periferia, mas não é exclusividade sua. Trata-se de um fenómeno global ainda que seja no mundo subdesenvolvido que se sucedam os primeiros colapsos, expressões mais agudas de uma onda multiforme, irresistível.
Desde a sua origem o capitalismo industrial experimentou uma longa sucessão de crises de superprodução. No século XIX tratou-se de crises cíclicas de crescimento uma civilização jovem. Após cada grande turbulência o sistema expandia-se, mas deixando sequelas negativas que se foram acumulando até finalmente engendrar uma força parasitária-financeira que nos princípios do século XX tornou-se dominante. Nesse momento o capitalismo entrou na sua era de "maturidade". A intervenção estatal junto aos parasitismos militar e financeiro conseguiu controlar as crises, das quais emergiram fenómenos de decadência que deram um salto qualitativo ao desencadear da crise de superprodução dos fins dos anos 1960. Esta última foi amortecida, o sistema global continuou a crescer mas sobre a base da expansão exponencial da depredação ambiental e do parasitismo, principalmente financeiro. Este passou a controlar por completo o conjunto do mundo burguês, inaugurando a era senil do capitalismo.
Neste novo contexto foi-se preparando a grande explosão que hoje presenciamos, cujo disparador foi o colapso financeiro de 2008. A partir do mesmo o capital global vai passando (rapidamente) da condição de um sistema velho a crescer cada vez menos e com maiores custos sociais para se tornar abertamente uma força destruidora das forças produtivas e do seu contexto ambiental (da "destruição criadora" schumpeteriana do século XIX à destruição depredadora do século XXI).
As civilizações anteriores ao capitalismo não liquidadas por factores exógenos (invasões, catástrofes naturais, etc) foram-no por devastadoras e prolongadas crises de sub-produção em que a sua rigidez técnica (produto do envelhecimento cultural) bloqueava o desenvolvimento produtivo e desencadeava uma catástrofe ecológica. O motor dessas tragédias foi sempre o predomínio paralisante do parasitismo acumulado durante o longo ciclo civilizacional.
A burguesia proclamava haver terminado com as crises sub-produção das antigas civilizações graças ao excepcional dinamismo tecnológico do sistema, o qual só podia sofrer crises de super-produção – sempre controladas graças ao crescente refinamento dos seus instrumentos de intervenção (que o neoliberalismo não eliminou e sim potenciou ao pô-los ao serviço da depredação financeira). Ridicularizavam os catastrofistas, especialmente os marxistas, que aguardavam a crise geral e final de superprodução que nunca chegou. Contudo, as referidas crises foram acumulando um potencial parasitário que agora começa a gerar uma crise de superprodução planetária, a maior da história humana. Se neste caso quiséssemos continuar a utilizar o conceito de crise cíclica, teríamos de fazê-lo com referência ao ciclo quase bicentenário do capitalismo — que acaba de entrar no período de aceleração da senilidade, de multiplicação de enfermidades e de colapsos.
Tendo presente este contexto de crise sistémica, civilizacional, que fazer referência a quatro esperas inúteis que florescem nos círculos de poder e nas suas periferias cortesãs.
A primeira delas, que sobre determina as outras três, é a da chegada de um quinto ciclo de Kondratieff, de uma nova prosperidade produtiva do capitalismo, aguardado durante a década passada e a actual. Não pode chegar porque a estrutura económica que engendrava esse tipo de ciclos no passado desapareceu vítima do parasitismo financeiro.
A segunda refere-se à chegada milagrosa de um novo keynesianismo que, empunhando a espada do intervencionismo estatal, cortaria a cabeça aos malvados especuladores financeiros e instalaria no centro do palco os bons capitalistas produtivos. O novo herói keynesiano não chegará porque o seu instrumento decisivo, o Estado, é impotente frente à maré financeira e muito mais ainda frente ao oceano da crise sistémica, além de a longa festa neoliberal tê-lo degradado profundamente. Por outro lado os bons capitalistas produtivos não aparecem em lado nenhum, o que realmente aparecem por todos os lados são os génios da especulação financeira.
A terceira espera inútil é a do renascimento do Império depois de quase quatro décadas de decadência, sobrecarregado de dívidas, enlouquecido pelo consumismo, com uma cultura produtiva seriamente deteriorada. Não existe nenhum indício sério desse suposto renascimento.
Finalmente, a quarta espera inútil é a de um novo Império capitalista ou uma nova aliança imperial, um novo centro do mundo burguês. A junção total entre as grandes potências descarta totalmente essa expectativa (a referida junção é o resultado de um longo processo de integração que acabou por conformar um sistema global fortemente inter-relacionado).
Notas de rodapé:
(1) DeDefensa.org, 17/12/2008 - Faits et comentaires- "Notre temps de la Terra Incognita" ( www.dedefensa.org ). (retornar ao texto)
(2) Eamon Javers, "Four really, really bad scenarios", Politico.com, 17 de diciembre de 2008, ( www.politico.com/news/stories/1208/16663.html ). (retornar ao texto)
(3) Jorge Beinstein, "Los rostros de la crisis. Reflexiones sobre el colapso de la civilización burguesa", Rebelión: http://www.rebelion.org/docs/75463.pdf , Espai Marx: www.moviments.net/espaimarx (retornar ao texto)
(4) Carlos Marx, "El Capital", Libro III, Capítulo 30, nota 3, páginas 458 e 459, Fondo de Cultura Económica, México, D.F, 1966. (retornar ao texto)
(5) Pode-se discutir a existência real dos referidos Ciclos de Kondratieff e a sua validade científica. Muitos consideram que tal teorização é sobretudo especulação. Grande parte dos economistas marxistas nega a existência de ciclos de Kondratieff. [N.T.] (retornar ao texto)
(6) Ernest Mandel, "Las ondas largas del desarrollo capitalista", Ediciones Siglo XXI de España, Madrid, 1986. (retornar ao texto)
(7) Ian Gordon, The Long Wave Analyst ( http://www.thelongwaveanalyst.ca/cycle.html ). (retornar ao texto)
(8) O conceito de capitalismo senil foi elaborado nos anos 1970 por Roger Dangeville (Roger Dangeville, "Marx-Engels. La crise", editions 10/18, Paris 1978) e retomado por vários autores na presente década (Jorge Beinstein, "Capitalismo Senil", Edições Record, Rio de Janeiro, 2001), Samir Amin , "Au delà du capitalisme senile", Actuel Marx -PUF, Paris 2002). (retornar ao texto)
(9) "Histoire des techniques", sous la direction de Bartrand Gille, La Pléiade, Paris, 1978. (retornar ao texto)