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Primeira Edição: O original encontra-se em http://www.rebelion.org/docs/44886.pdf
Fonte:Resistir.info - https://www.resistir.info/
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Desde princípio de 2002 o dólar iniciou uma descida que actualmente continua e que, segundo a maior parte dos peritos, agravar-se-á nos próximos meses. O declínio decolou pouco tempo dos atentados (ou auto-atentados) do 11 de Setembro de 2001, ou seja, do lançamento da ofensiva bélica global dos Estados Unidos.
Existe um encadeamento causal claro entre a decadência económica do Império e a tentativa desesperada dos seus dirigentes de travá-la através de uma sucessão de vitórias militares na Ásia Central e no Médio Oriente. Se essa estratégia tivesse tido êxito a superpotência controlaria hoje a maior parte da faixa eurasiática que se estende desde os Balcãs até o Paquistão, atravessando a Turquia, a bacia do Mar Cáspio, o Iraque e o Irão, dominando assim cerca de 70% dos recursos petrolíferos mundiais. Isso lhe teria permitido assegurar sua hegemonia financeira internacional, simbolizada pelo reinado universal do dólar.
Mas a aventura fracassou e hoje os norte-americano estão atolados no Iraque e no Afeganistão, enquanto se reduz a sua influência sobre a Eurásia.
André Gunder Frank sustentava que o poder dos Estados Unidos repousa sobre dois pilares decisivos: o dólar e o Pentágono, o primeiro (a hegemonia financeira) a sustentar o segundo e este último a impor os privilégios económicos do Império. Esta dupla fortaleza predominou desde o fim da Segunda Guerra Mundial e teve seu período de auge entre 1945 e 1971, ano em que a Casa Branca decidiu liquidar a conversão de dólares em ouro, ameaçada pelas reservas dolarizadas em poder das outras potência industriais.
A partir desse momento desenvolveu-se uma etapa monetária turbulenta onde o dólar continuou a reinar no planeta graça a um jogo perverso em que acordaram os países ricos e que culmina agora com um empapelamento global que pode conduzir a uma incontrolável sucessão de crises financeiras.
Depois de 1971 o dólar já não era a moeda de uma superpotência económica ascendente e sim dinheiro-papel emitido por uma economia que ia perdendo competitividade e cuja produção petroleira havia entrado em declínio. Entretanto, o seu consumo continuou a crescer e, em consequência, suas importações — o que a converteu no principal mercado internacional. Europeus, japoneses, sulcoreanos e mais recentemente chineses encontram nos compradores norte-americanos clientes cujo volume geral de procura não pode ser substitutído.
Alguns indicadores ilustram bem a decadência da economia norte-americana.
Em primeiro lugar o défice comercial que foi crescendo: de números relativamente modestos em meados dos anos 70 até ultrapassar os 700 mil milhões de dólares em 2006. Neste último ano, por cada dólar de exportação de bens importavam-se dois.
Numa primeira aproximação ao tema poderiam ser distinguidos dois factores. Por um lado, a espiral ascendente dos gastos públicos e privados onde foram combinados o consumismo próprio de uma sociedade privilegiada com a expansão do aparelho militar e outras dádivas parasitárias. E, por outro lado, a perda de competitividade industrial, o atraso relativo na corrida às inovações produtivas. Mas ambos os processos fazem parte de um fenómeno mais amplo de decadência cultural que inclui também a degradação institucional, a crescente apatia da população perante o sistema de representação política, a ascensão da criminalidade, etc.
Um segundo indicador de deterioração é a redução do saldo dos lucros de negócios de norte-americanos no exterior contra os benefícios de estrangeiros nos Estados Unidos. No passado o mesmo compensava em parte os défices comerciais mas em 2006, e pela primeira em 90 anos, esse número foi negativo.
Em terceiro lugar, e em resultado da evolução dos indicadores anteriores, o défice de transacções correntes cresceu vertiginosamente: 140 mil milhões de dólares em 1997, 389 mil milhões em 2001, 834 mil milhões em 2006.
Um quarto indicador é o crescimento do défice fiscal, que passou de 2800 milhões de dólares em 1970 a 74 mil milhões em 1980, 240 mil milhões em 2000 até atingir em 2005 os 430 mil milhões. A decadência produtiva foi compensada por uma avalancha de défices e dívidas que suportaram a expansão do mercado norte-americano. O resto do mundo abriu-lhe o carretel do crédito indefinido entregando mercadorias e serviços em troca de papéis (dólares, títulos públicos, acções, dívidas empresariais, etc) e no interior de sucessivas ondas de créditos ao consumo e ao investimento alentados, sobretudo desde meados dos anos 90, por bolhas especulativas que ampliaram o poder de compra dos estadunidenses. Ao mesmo tempo, a poupança pessoal descia, a parte dos rendimentos destinada à poupança, que historicamente estava entre 7% e 8%, havia descido para 4,3% em 1998, para cair a 2,4% em 2003, 2% em 2004 e a números negativos em 2005 e 2006 (respectivamente -0,4% e -1%).
Ao começar a década actual, quando foi desinflada a bolha bursátil, era evidente que a hegemonia financeira dos Estados Unidos havia chegado a um ponto crítico. A enorme desproporção existente entre o seu potencial produtivo declinante e a massa de papeis-dólar a circular pelo mundo (dólares reais e toda classe de papéis dolarizados) começou a provocar os primeiros estalidos da moeda norte-americana, que rapidamente converteu-se em descida irresistível do seu valor em relação ao ouro e a outras divisas fortes, o euro e o yen.
O governo Bush respondeu impulsionando uma nova bolha especulativa baseada nos negócios imobiliários, a maior da história: inundou a economia com créditos baratos e reduziu os impostos dos ricos; o consumo e o Produto Interno Bruto cresceram a taxas elevadas. Voltava a prosperidade… mas por quanto tempo?
Ao mesmo tempo a Casa Branca exacerbou a tendência à militarização, os gastos militares que ascendiam desde o fim da era Clinton tomaram um forte impulso, em consequência aumentaram o défice fiscal e o endividamento público.
Os Estados Unidos haviam tentado deter o seu declínio por meio de uma louca fuga para a frente, expandindo o consumismo sem retaguarda produtiva interna e desencadeando uma desmedida agressão imperialista na Ásia. Mas essa dupla aposta viu-se rapidamente encurralada pela sua própria debilidade estrutural, a aventura apoiava-se numa montanha de papel, na acumulação de dívidas de todo tipo e de reservas em dólares de chineses, japoneses e europeus, ou seja, em créditos concedidos ao Império pelos referidos países. Enquanto na superfície a festa militar e consumista aturdia o planeta, na profundidade do sistema global o reinando financeiro norte-americano declinava.
E meados da presente década os dois pilares do Império começaram a cambalear ao mesmo tempo: desastre no Iraque e degradação do dólar.
O argumento habitual é que os Estados Unidos parasitam sobre a economia mundial entregando dólares com valor futuro incerto em troca de bens e serviços. Mas a pergunta chave é porque japoneses, europeus, chineses, sulcoreanos e outros aceitam esse roubo?
A minha resposta é que tal "roubo" não existe e que na realidade o gigante enfermo vem sendo engordado por esses países porque é o seu cliente decisivo. Sem ele, sem o seu consumo, sem o seu espaço de negócios, a crise de super-produção crónica que o capitalismo mundial sofre há mais de três décadas converter-se-ia numa derrocada imparável. Um terço das exportações chinesas vão para os Estados Unidos e outro tanto para países asiáticos cuja capacidade de pagamento depende estreitamente das suas exportações para a superpotência. Os outros países industriais ou emergentes da Ásia, como por exemplo o Japão ou a Coreia do Sul, têm uma dependência semelhante. A União Europeia, especialmente seus países líderes, apresenta uma inter-penetração industrial, comercial e financeira com o Império de tal magnitude que o seu destino está absolutamente ligado ao mesmo.
Em síntese, o parasita é na realidade um enorme depósito de lixo para bens, serviços e fundos e a decadência norte-americana não é outra coisa senão a face visível da decadência global do capitalismo.
O dólar, ou seja o instrumento de "pagamento" da economia (deficitária) norte-americana, é a peça essencial de toda a trama. Sua queda demasiado rápida provocaria uma contracção geral das importações dos Estados Unidos e do seu nível de rentabilidade interna (medido segundo as outras divisas) comprimindo directamente tanto as vendas como os investimentos desses países no Império. Mas além disso a referida derrocada provocaria a hiper revalorização do yen e do euro, o que reduziria de maneira significativa as exportações da União Europeia e do Japão com fortes impactos recessivos em ambas as potências. A China também seria negativamente afectada.
Todos estes países tentar então escorar o dólar. Entretanto, à media que a economia estadunidense se vai enfraquecendo (processo irresistível no médio e longo prazo) devem tomar algumas precauções ainda que não seja muito o que possam fazer. Os europeus tratam apenas de prolongar a agonia porque sabem que o desenlace os golpeará duramente, algo semelhante fazem os japoneses, e os chineses tentam timidamente diversificar (desdolarizar) suas mega-reservas dolarizadas sabendo que se desdolarizarem demasiado rápido podem chegar a provocar uma catástrofe financeira global que também os atingirá. Todos chegaram à conclusão de que não podem manter-se indefinidamente no reino do dólar mas também sabem que não podem ir embora de um dia para o outro. Onde está a "solução"? Em parte alguma (alguns esperam, sem o dizer, que a passagem do tempo abra algum caminho de saída).
Por isso avaliam com extrema prudência cada movimento, intensificam as consultas entre si, extorsionam-se mutuamente, dão-se golpes baixos, ajudam-se…
Contudo, para além dos truques das grandes potências existem fenómenos que determinam a conjuntura e sobre os quais os estados dos países ricos têm uma influência limitada. Trata-se sobretudo do processo de financeirização, que foi avançando nas última três décadas e que a qualquer momento pode produzir efeitos catastróficos.
Pense-se por exemplo na especulação com "derivados", complexas articulações de negócios que se expandem vertiginosamente e que segundo o Banco da Basileia, que contabiliza o seu volume global, estaria a aproximar-se dos 400 milhões de milhões de dólares (o equivalente a cerca de dez vezes o Produto Bruto Mundial). Atente-se à sobreacumulação de reservas (quase totalmente dolarizadas) nos países periféricos que já ultrapassa os 3200 milhões de dólares, mas observemos também o tamanho da bolha imobiliária global equivalente ao Produto Bruto dos países ricos.
Algumas destas massas financeiras são relativamente controláveis, como por exemplo as reservas. Mas outros são-no muito menos, como é o caso dos negócios com "derivados" ou a especulação imobiliária.
Decai (gradualmente por enquanto) o dólar e surgem os primeiros sinais de desconfiança em direcção a outras moedas "fortes" como o yen e o euro cujas economias de suporte, Japão e União Europeia, estão estreitamente ligadas à dos Estados Unidos. Isto incita os especuladores a diversificarem seus negócios e a um curtoprazismo maior…