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Em Leipzig, onde as ideias sociais de 1818 a 1849 sempre se conservaram vivas, foi que surgiram as primeiras manifestações do movimento operário independente. Os elementos operários descontentes com a política liberal, desejando uma política independente, fundaram em 1862 um Comitê Central, destinado a convocar um Congresso operário, e dirigiram-se a várias personalidades pedindo-lhes conselhos — inclusive a Lassalle, que se tornara conhecido pela conferência que realizara sobre o tema: Relações entre o período histórico atual e a ideologia da classe operária. Em resposta aos operários, Lassalle publicou a sua famosa Carta aberta, na qual declarava que os operários deviam organizar um partido independente, capaz de encabeçar a luta pelo sufrágio universal e pela criação de cooperativas, com o auxílio do Estado — uma vez que os meios propostos pelos liberais não poderiam de modo algum melhorar a situação da classe operária. Enquanto existir trabalho assalariado, afirmava Lassalle, os operários não poderão sair da miséria, porque a impiedosa lei dos salários aniquila todas as tentativas de melhora.
Fernando Lassalle (1825-1864) descendia de uma família de comerciantes judeus de Breslau. Depois de iniciar os estudos no colégio de sua cidade natal ingressou na escola de comércio de Leipzig. Lá esteve apenas alguns meses. Matriculou-se, em seguida na Universidade de Berlim, onde estudou filosofia e filologia clássica. Lassalle distinguiu-se pelos seus raros dotes intelectuais.
Possuía grande energia e temperamento extremamente fogoso. Era, incontestavelmente, um socialista convicto, embora possuísse tendências nacionais alemãs e inclinações ditatoriais. Em países, como a Inglaterra ou França, quiçá chegasse a desempenhar importantíssimos papéis políticos. Teria sido, talvez, um Disraeli ou um Gambetta. Mas, nas condições da Alemanha do seu tempo, não podia desempenhar senão o papel de agitador socialista e de aventureiro intelectual. Seus discursos e escritos, embora contenham passagens velhas demais para os dias presentes, exercem ainda hoje poderoso efeito de agitação. Lassalle conseguiu facilmente conquistar a admiração de seus contemporâneos, mas nunca lhes inspirou confiança. Estava-lhe o caráter muito aquém de seu nível intelectual. Nascera para o sucesso imediato e não para o martírio. Conquanto em muitos pontos se achasse de acordo com Marx, cuja superioridade intelectual reconhecia, Lassalle sustentava uma concepção do Estado, como Hegel e Fichte. Foi sempre, no fundo, um velho hegeliano. Como Hegel, considerava os fenômenos materiais e os acontecimentos da História manifestações externas do futuro divino. Acreditava, também, na imortalidade da alma. Durante toda a sua vida, procurou conquistar a amizade de Marx, por quem nutria profunda admiração. Nunca, porém, conseguiu manter com ele relações amistosas. Teve mais sorte com Rodbertus, Alexandre de Humboldt e outros sábios prussianos. Bismarck também lhe dedicava grande estima pessoal. Em resumo: Lassalle era um judeu prussiano, na melhor acepção da palavra. Seu drama Franz von Sickingen é um vibrante apelo em prol da unidade alemã.
De suas relações com o Comitê Central de Leipzig nasceu, em 1863, a União Geral dos Trabalhadores Alemães. Lassalle foi eleito seu presidente. Quando morreu, um ano depois, a União já possuía 4.000 membros. Substitue-o J. B. von Schweitzer, jurista e político hábil, com o qual Guilherme Liebknecht (1826-1900) e Augusto Bebel (1840-1913), que defendiam as ideias de Marx, entraram logo em conflito. Como seu predecessor, J. B. von Schweitzer queria manter a União Operária dentro dos quadros prusso-alemães. Os partidários de Marx, pelo contrário, eram, acima de tudo, internacionalistas e inimigos da Prússia. Depois de vários anos de luta, Liebknecht e Bebel criaram, em Eisenach, em 1869, um partido diferente, denominado o partido dos “eisenachianos”, que se apoiou na Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada em Londres, em 1864.
Quando a guerra franco-alemã de 1870 estalou, esses dois partidos adotaram atitudes opostas. No Reichstag, da Alemanha do Norte, os lassallianos Schweitzer, Fritsche e Mende votaram os créditos de guerra, ao passo que os eisenachianos Liebknecht e Bebel se abstiveram. Só depois da vitória de Sedan, quando compreenderam que a Alemanha enveredava por uma política de conquistas, é que os representantes de ambos os partidos resolveram votar contra os créditos. Em virtude de sua atitude contra a guerra e de sua adesão à Associação Internacional dos Trabalhadores, Bebel e Liebknecht foram processados e condenados à prisão em fortaleza. O terceiro acusado, Adolpho Kepner, foi absolvido.
Assim como na Alemanha, na França e na Inglaterra, de 1861 a 1864, observa-se também o despertar do movimento operário. A visita de uma delegação operária francesa à Exposição de Londres de 1862, que a pôs em contacto com os líderes operários ingleses; a simpatia que o proletariado francês e inglês manifestou pela insurreição polonesa de 1863 e a campanha empreendida pelos operários ingleses em prol do sufrágio universal — foram os fatos que determinaram a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, a 25 de Setembro de 1864. A manifestação pública que devia celebrar-se em comemoração desse acontecimento, realizou-se a 28 de Setembro, com a participação de delegados de organizações operárias inglesas, francesas, italianas e alemãs. Entre os delegados alemães achava-se Carlos Marx. A direção intelectual da Associação foi a ele confiada. Marx redigiu o manifesto (Mensagem inaugural) e os seus estatutos. Eis as ideias fundamentais expostas na Mensagem inaugural: organização do proletariado em partido de classe, luta pela legislação social, criação de cooperativas operárias, luta contra a diplomacia secreta, união dos proletários de todos os países, extinção do domínio de classe, libertação econômica da classe operária.
A sede da Associação era em Londres, e dirigia-a um Conselho Geral composto principalmente de líderes operários ingleses e alemães. A Associação nunca foi verdadeiramente uma organização de massa. Só conseguiu agrupar os chefes e os operários mais ativos. Foi antes uma espécie de academia, onde se procurava elaborar uma concepção comum sobre a tática e o objetivo do movimento operário. Mas nem isso foi possível, porque Marx teve de lutar contra os proudhonianos e os bakuninistas. A Associação celebrou cinco Congressos, nos quais foram debatidas as seguintes questões: legislação operária, cooperativas, questão sindical, guerra, movimento operário e reforma agrária. Estes Congressos reuniram-se em Genebra (1866), Lausanne (1867) Bruxelas (1868), e Basileia (1869). Até 1867, dominou a influência dos proudhonianos, e, de 1867 a 1869, a influência marxista. Adotaram-se resoluções sobre a socialização do solo e dos meios de transporte.
Em 1868, o revolucionário russo Miguel Bakunine aderiu à Associação e logo começou a lutar contra Marx. Dentro da A. I. T., fundou uma organização secreta, a Aliança Internacional, que não foi reconhecida pelos dirigentes da A. I. T. Em virtude do conflito provocado pela atividade de Bakunine, no Congresso de Haia, verificou-se a cisão. A sede da Liga foi transferida para Nova York e, em 1876, a organização dissolvia-se.
A A. I. T. contribuiu consideravelmente para a extensão do movimento sindical e preparou a vitória do marxismo.
A luta entre os elementos marxistas, de um lado, e os bakunistas e proudhonianos, de outro, fez surgir grande número de mal entendidos. As discussões entre os dois grupos frequentemente degeneravam em ataques pessoais contra os seus mais destacados dirigentes — o que sobremodo prejudicou o esclarecimento das questões em litígio. No fundo, as duas tendências eram comunistas. Tanto assim que, logo depois, a doutrina proudhoniana desaparecia da cena histórica. Os marxistas eram pela ação sindical, pela ação política e pela conquista do poder. Por esses meios, esperavam chegar ao comunismo. Os bakuninistas, pelo contrário, achavam que o melhor caminho para o comunismo era o sindicalismo-parlamentar antimilitarista. Dirigidos por Bakunine e Guilherme Ruis, baseavam-se na teoria liberal e, como ela, consideravam o indivíduo uma potência soberana. Para eles, o Estado e, de um modo geral, qualquer direção autoritária e centralizadora, deveria ser combatida. Os bakuninistas só se afastavam da teoria liberal nos dois pontos seguintes:
Os marxistas, pelo contrário, sustentavam que o indivíduo social é o resultado do meio social, de tal modo que ele não pode agir senão dentro das formas políticas e econômicas existentes. Os bakuninistas frisavam energicamente a necessidade de garantir a liberdade individual no seio da comunidade. Marx interessava-se principalmente pela organização da classe operária ao mesmo tempo em partidos e em sindicatos, a fim de levá-la à luta de classe, a conquista do poder e a instauração da ditadura do proletariado, durante o período de transição para o comunismo, no fim do qual o Estado desapareceria, para dar lugar à administração democrática da sociedade organizada em bases cooperativistas. Do mesmo modo que Proudhon e Bakunine, Marx também não era adorador do Estado. Como eles, Marx considerava o Estado um organismo de opressão a serviço das classes dominantes, para a defesa da sua propriedade privada contra os ataques dos que nada possuem. Marx, entretanto, dizia que o Estado, produto da propriedade privada, só poderia desaparecer quando esta última desaparecesse. Proudhon e Bakunine, pelo contrário, viam no Estado um mal evidente, que tornava impossível qualquer transformação social e que, por isso, era mister suprimir quanto antes. Bakunine acreditava que o melhor meio para a supressão do Estado era a conspiração secreta e a insurreição armada.
A Comuna de Paris (1871) é o mais importante acontecimento da História da Primeira Internacional.
O aparecimento da Comuna de Paris teve três causas principais: 1.º a guerra franco-alemã, provocada pela política francesa, orientada no sentido de impedir a formação da unidade alemã; 2.º as tradições da Revolução Francesa, na qual a municipalidade de Paris desempenhou papel de grande importância; 3.º os progressos realizados pela Internacional em Paris e nas principais cidades das províncias, assim como o desenvolvimento das ideias socialistas em geral.
As vitórias militares obtidas pela Prússia em 1864 e 1866, a fundação da Federação germânica do norte, em 1867, a aproximação da Alemanha do sul, em 1848, suscitaram grandes dificuldades à diplomacia francesa. Quando se ofereceu a coroa da Espanha a um príncipe da casa de Hohenzollern-Sigmaringen e este aceitou (1870), a França sentiu-se ameaçada e caiu na cilada que Bismarck lhe armara. De fato, a Prússia estava bem preparada para a guerra, tanto do ponto de vista militar como do ponto de vista diplomático e não esperava senão o momento oportuno para romper as hostilidades com a França. A guerra estalou no dia 19 de Julho de 1870. Durante o mês de Agosto, o exército francês sofreu grande número de reveses e, nos primeiros dias de Setembro, já estava completamente derrotado. A 4 de Setembro de 1870, ao ter notícia do desastre de Sedan, Paris sublevou-se, derrubou o Império, proclamou a República e nomeou um governo provisório de defesa nacional. Neste governo, só Gambetta estava à altura de sua missão. O general Trochu, que acumulava as funções de presidente do Conselho e de governador militar de Paris, e cujo ódio pelo inimigo interno não era menor que pelo inimigo externo, teve, desde logo, uma atitude equívoca. A 31 de Outubro, Blanqui tentou depor o governo republicano para substituí-lo por um governo socialista. Mas sua tentativa fracassou. As circunstâncias eram inteiramente desfavoráveis para qualquer ensaio de reorganização interna. Os exércitos formados por Gambetta foram, um por um, destroçados. A situação tornou-se de tal modo grave que, nos últimos dias de Janeiro de 1871, foi necessário negociar o armistício. A 8 de Fevereiro, realizaram-se as eleições gerais para a Assembleia Nacional.
Foi eleita uma maioria reacionária. Essa maioria levou ao governo um ministério reacionário, dirigido por Thiers. A Assembleia Nacional reuniu-se, primeiro em Bordéus, depois em Versalhes. Foi dali que empreendeu a luta contra o proletariado parisiense.
No dia 26 de Fevereiro, começaram as negociações preliminares para a conclusão da paz. O tratado de paz que entregava a Alsácia-Lorena à Prússia foi considerado por todo o país como uma humilhação inaudita. Esse tratado indignou profundamente todo o povo de França, especialmente o parisiense. A guarda nacional, que havia sido organizada para manter a ordem em Paris, nos últimos dias de Fevereiro elegeu um Comitê Central que, depois de repelir as tentativas do governo de Thiers, que procurava apoderar-se da artilharia da guarda nacional assestada nos arredores de Montmartre, tomou posição contra ele, e, a 18 de Março de 1871, proclamou a Comuna de Paris. O Comitê Central transformou-se em governo provisório, isto é, numa ditadura. Mas, oito dias depois, ele apelou para o sufrágio universal de Paris, depondo assim o poder nas mãos da população parisiense. A Comuna de Paris, eleita a 26 de Março de 1871, funcionou até a sua derrota definitiva, em fins de Maio.
Ela não foi, evidentemente, uma ditadura, porque havia sido o resultado de uma eleição regular. Era um governo de coalisão, que englobava membros da Internacional, blanquistas, proudhonianos, republicanos burgueses e patriotas exaltados. A Comuna teria sido uma ditadura se o Comitê Central da guarda nacional se tivesse conservado no poder até o último momento, sem apelar para o sufrágio universal. Na realidade foi, portanto, um governo de coalisão, no qual os principais elementos estavam em completo desacordo em quase todos os pontos. Sustentavam opiniões opostas sobre a tática a adotar e o objetivo a atingir. A censura que Marx dirigiu ao Comitê Central da guarda nacional foi moderada, mas justíssima. Marx criticou-lhe o excessivo respeito pelas formas democráticas, respeito que o levou a apelar para o sufrágio universal.
“Em vez de marchar contra os versalheses que naquele momento se encontravam completamente desamparados — diz Marx — eles, promovendo as eleições da Comuna no dia 26 de Março, permitiram que o partido da Ordem exibisse, ainda uma vez, as suas forças. Nesse dia, nos postos eleitorais, os homens da Ordem trocaram benévolas palavras de reconciliação com os seus magnânimos vencedores. Mas, nesse mesmo momento, eles estavam prometendo solenemente a si mesmos praticar a mais espetacular das vinganças no momento oportuno”.
Em carta ao seu amigo Kugelmann, Marx diz que o Comitê Central cometera erros gravíssimos, tão graves que deveriam fatalmente levá-lo à derrota. O primeiro erro — diz Marx — foi não ter feito a guarda nacional marchar contra Versalhes para se apoderar do governo, logo depois do malogrado ataque das tropas versalheses contra Montmartre. O segundo, foi abandonar o poder para entregá-lo à Comuna de Paris. Sempre por excesso de escrúpulos.
Esses mesmos erros já haviam sido cometidos pelo proletariado em 1848. O proletariado alemão iria, por sua vez, cometê-los em 1918-19. De fato, em ambos os casos, a insurreição vitoriosa abandonou a ditadura depressa demais e apelou para o sufrágio universal. E, ainda em ambos os casos, o socialismo acabou sendo vencido. Pelo que dissemos, vê-se que Engels não tem razão quando diz que a Comuna de Paris foi uma ditadura proletária.
Os projetos de espetacular vingança que os partidários da Ordem faziam intimamente, a 16 de Março de 1871, quando exerciam o direito de voto que lhes havia sido concedido pelos vencedores, foram realizados, de maneira terrível, no fim do mês de Maio. Depois da derrota da Comuna, os comunardos foram implacavelmente massacrados e todos os elementos suspeitos deportados. A burguesia francesa conseguiu, assim, livrar-se do espectro socialista por uma dezena de anos. Só por volta de 1880 é que o socialismo despertou em França. Em 1889, fundava-se em Paris a Segunda Internacional.