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Como já vimos anteriormente, a primeira Revolução alemã de 1510 a 1536 foi uma revolução camponesa. As reivindicações comunistas dos artesãos das cidades desempenharam certo papel. A de 1848-1849, pelo contrário, foi uma Revolução burguesa, na qual os elementos proletários agiram independentemente.
Nos dois principais Estados da Federação germânica, a Áustria e a Prússia, a burguesia desde 1830 procurava aniquilar o absolutismo e a divisão nacional, a fim de instaurar um regime liberal e a unidade alemã.
O movimento era particularmente forte nos pequenos Estados, principalmente na Alemanha do sul. Em virtude das dificuldades financeiras dos governos, a burguesia pode expressar suas reivindicações de maneira mais concreta. Nos fins do ano de 1847, o movimento insurrecional já era muito forte. Quando a notícia da Revolução de Fevereiro chegou a Alemanha, a tempestade estalou a 13 de Março em Viena, e a 18 de Março em Berlim. Nos pequenos Estados, ela já havia começado nos últimos dias de Fevereiro. Os príncipes e a nobreza a princípio curvavam as cabeças diante da tormenta. Mas logo depois, talvez em consequência do conservadorismo nato da burguesia alemã, talvez por medo do proletariado que, como iremos ver, entrava em cena com suas reivindicações próprias, as ondas da Revolução começaram a baixar. Os ministros burgueses entraram então em negociações com a Coroa. Desejavam, com a sua aprovação, organizar um governo de coalisão feudal-burguês. Em Viena, a burguesia fez todo o possível para restaurar a Corte imperial e restabelecer a ordem necessária à boa marcha de seus negócios. A Assembleia Nacional alemã, eleita por sufrágio universal, que se reuniu em Frankfurt a 18 de Maio, na igreja de São Paulo, perdeu tempo em discussões intermináveis e nada fez para restabelecer a soberania do povo alemão. Manifestou, no entanto, sua oposição às reivindicações sociais do proletariado.
Enquanto isso, os príncipes recobravam o sangue frio. E quando, em fins de Junho de 1848, chegou a notícia da derrota do proletariado parisiense, a reação levantou a cabeça e começou a preparar-se para o restabelecimento do antigo regime. Em Outubro, Windischgoetz marchou contra Viena, e dela se apoderou, depois de três dias de combate. Dois dias depois, o general Wrangel dissolvia a Assembleia prussiana. A 1.° de Março de 1849 o antigo regime havia sido restabelecido em Viena.
Em fins de Março de 1849, a Assembleia Nacional de Frankfurt ofereceu a Corôa ao rei da Prússia e ao povo alemão a Constituição que, nesse intervalo, fora elaborada. O rei da Prússia recusou. O povo alemão aceitou a Constituição que se lhe oferecia. Mas os governos dissolveram as Câmaras populares. Em Frankfurt, a direita abandonou a Assembleia Nacional. Reduzida ao estado de Parlamento-tronco, a esquerda transferiu-se para Stuttgart. A supressão da Constituição provocou, em Maio, uma insurreição em Dresden. No ducado de Baden e no Palatinado bávaro, ela ocasionou a campanha chamada da Constituição, que terminou a 23 de Julho de 1849 pela capitulação de Rastatt e todas as insurreições locais foram esmagadas pelas tropas prussianas.
Terminou, assim, a segunda Revolução alemã. Terminou, como a primeira, pela vitória dos príncipes e da nobreza. Os vencedores tiveram, entretanto, que firmar compromissos com os vencidos, porque eles possuíam o poder econômico.
Esses compromissos transformavam os príncipes e a nobreza em executores testamentários da Revolução. Eles evidentemente não eram capazes de terminar a obra à maneira de 1848. Eis porque, apesar dos esforços feitos no correr dos cinco anos seguintes, não foi possível realizar senão uma insignificante parcela dessa obra, que só seria completada, 70 anos mais tarde, pela Revolução de 1918.
Nos anos de revolução apareceram muitos jornais e revistas de tendências mais ou menos socialistas. Mencionamos alguns: A Nova Gazeta Renana em Colônia, dirigida por Marx, na qual colaboravam Engels, Guilherme Wolff, Freiligrath; A Gazeta de Berlim diretor: G. Julius; O Amigo do Povo, de Berlim, diretor: Gustavo Adolpho Schloeffel; O Povo, de Berlim, diretor: Stefan Born; A Fraternização, Berlim-Leipzig, diretores: Born e Schwenninger; O Eleitor, Berlim, diretor: Weitling; As folhas soltas, Breslau, diretor: F. Beherend, etc... Além disso, ligados à formação da Fraternização Operária, apareceram órgãos sindicais como o Prometeu e Concórdia.
No caos geral das aspirações e reivindicações das camadas laboriosas do povo, podiam-se distinguir claramente duas correntes principais: uma, representada por Marlo, preconizava a organização da economia baseada nas corporações; outra, representada por Stefan Born, afirmava a existência de um antagonismo de classe fundamental entre o capital e o trabalho, e preconizava a organização da classe operária e a criação de cooperativas de produção, com a ajuda do Estado. Marlo tinha ao seu lado, os companheiros artesãos e Born os operários das fábricas.
As forças numéricas deses dois campos podem ser representadas pelos seguintes algarismos: em 1846, havia na Prússia uns 457.000 mestres artesãos, em cujas oficinas trabalhavam 385.000 companheiros e aprendizes, e 79.000 fábricas e empresas industriais agrupando 551.000 operários. No resto da Alemanha, na Áustria inclusive, a proporção devia ser ainda mais favorável às empresas artesãs.
A mentalidade artesã reinava por toda a parte: apego ao sistema das corporações, oposição à liberdade profissional mesclada à ideia da necessidade de rever o regime corporativo, porque, nas novas condições de vida econômica, era impossível voltar pura e simplesmente à Idade Média. Essa tendência foi apoiada pelo professor Marlo, que participou, como delegado da Assembleia popular de Cassel, no congresso dos artesãos, em Hamburgo (Junho de 1848) e em Frankfurt (Julho, Agosto de 1848), onde teve atuação preponderante. O congresso de Frankfurt, com a presença de 116 delegados, resolveu elaborar um regulamento profissional e um plano para a solução da questão social. Os companheiros também enviaram seus delegados que, entretanto, não foram admitidos no congresso.
Diante de seus enérgicos protestos, o congresso resolveu admitir 10 delegados, mas apenas com voz consultiva. Os companheiros não aceitaram essa proposta e convocaram, por sua vez, em Frankfurt, outro congresso, que se reuniu ao mesmo tempo que o dos mestres. Por proposta de Marlo, os artesãos reclamaram um regime de corporações modernizado, uma federação corporativa, a instituição de câmaras profissionais e a constituição de um Parlamento social.
Os resultados dos debates do congresso dos mestres-artesãos foram consignados em uma mensagem dirigida à comissão econômica da Assembleia Nacional. Mas esta comissão, como a própria Assembleia, na sua maioria constituída de liberais, rejeitou as propostas da mensagem.
O congresso dos companheiros, também por influência de Marlo, pronunciou-se igualmente a favor de uma modernização do regime corporativo e pela instituirão de câmaras profissionais e de um ministério do Trabalho. Reclamou, além disso, o sufrágio universal, o ensino escolar obrigatório geral, a fundação de escolas profissionais, a jornada de trabalho de 12 horas abrangendo os intervalos destinados às refeições, a instituição do salário-mínimo, de caixas para assistência aos inválidos, a criação de impostos progressivos sobre o capital e o lucro, direitos aduaneiros protecionistas taxando a importação de artigos manufaturados, divisão das propriedades da Corôa e seu arrendamento ou sua distribuição entre os camponeses pobres e os assalariados agrícolas, e a fundação de colônias para o excesso de população.
Neste ponto é necessário não esquecer que naquela época todos receavam o crescimento excessivo da população. Marlo também o temia. Por isso propunha a limitação dos casamentos das pessoas pobres – e outras medidas mais — como remédio contra a superpopulação.
Mas o estado de espírito dos que viviam nos grandes centros era bem diferente. No começo da Revolução, já se ouvia falar no antagonismo de classe entre o capital e o trabalho. A 23 de Maio de 1848, a Gazeta de Berlim escrevia: “A verdade é que, entre nós, do mesmo modo que na França e na Inglaterra, também já se consumou a ruptura entre a classe operária e a classe burguesa”. No dia 25 de Maio de 1848, o primeiro número de O Povo, jornal dirigido por Stefan Born, declarava o seguinte: “Quando se fala de povo, todo mundo acredita dele fazer parte. Mas este jornal propõe-se sobretudo a defender os interesses de uma classe bem determinada: da classe operária, classe oprimida que vive do salário”. Os comícios operários animaram-se cada vez mais. Pouco depois surgiram várias organizações operárias e, sob a direção de Stefan Born, foi fundada uma União Operária Geral, com o objetivo de organizar a classe operária alemã no terreno político e cooperativista. A Fraternidade, órgão da União Operária, apareceu em Leipzig, em 1818, dirigida a princípio por Stefan Born. Nesse jornal, Born dizia que não pensava em fabricar utopias ou em criar sociedades ideais elaboradas nos seus mais insignificantes detalhes pelos cérebros dos filósofos. Seu objetivo era desenvolver a luta de classe até as transferências de todos os meios de produção para as mãos da coletividade.
O congresso operário de Berlim, que se reuniu durante a última semana de Agosto de 1848, foi a mais importante manifestação organizada pela União Operária. Compareceram ao congresso 40 delegados representando os operários das principais cidades da Alemanha (Berlim, Breslau, Chemnitz, Dresden, Hamburgo, Königsberg, Leipzig, Munique). O congresso dos companheiros de Frankfurt enviou também um delegado. Presidiu os trabalhos o velho professor Nees von Esembeck. A Stefan Born coube a vice-presidencia. L. Bishy, operário joalheiro de Berlim que gozava, na época, de grande popularidade, foi indicado para secretário. O congresso preconizou a criação de organizações políticas, sindicais e cooperativas da classe operária — e a fundação de bancos de crédito para sustentar as cooperativas de produção. Reclamou-se, também, o direito ao trabalho, o sufrágio universal, a redução do serviço militar a um ano, a supressão dos impostos indiretos, a jornada de dez horas, a redução do número de aprendizes, a proibição do trabalho a menores de 14 anos, a instrução obrigatória geral, a criação de escolas profissionais obrigatórias para os aprendizes, a participação dos operários na escolha dos contramestres das fábricas e oficinas, etc.
A União Operária deu origem a organização da Fraternidade Operária, dirigida por Stefan Born, pelo arquiteto Schwenninger e pelo operário joalheiro L. Bishy, que convocaram conferências e congressos, dirigiram a agitação, entretiveram relações com Marx, Wolff, Schapper, etc., e desenvolveram intensa atividade até o momento em que, com o declínio geral da Revolução, a organização cessou de existir.
Assim que a Revolução estalou na Alemanha, a maior parte dos membros da Liga dos Comunistas regressaram ao seu país para dar uma orientação comunista ao movimento.
Em todos os momentos, eles se destacaram pela coragem e pela atividade, não só na imprensa e nas assembleias populares, como nos combates de rua. Entretanto, nunca se pronunciaram abertamente a favor da Revolução proletária, porque Marx e seus partidários achavam que a situação da Alemanha não estava ainda madura para uma revolução dessa natureza.
Marx, Engels, Freiligrath, Wolff, Weerth, colaboravam na Nova Gazeta Renana, que era então o órgão central do movimento revolucionário. Born orientava o movimento em Berlim e Leipzig. Mais tarde esteve a frente da insurreição de Dresden, e, em Maio de 1859, dirigiu de maneira admirável a retirada de Friburgo. Engels, Willich e Moll participaram da campanha da Constituição em Baden. Schapper trabalhava para Wiesbaden. Outros, enfim, dirigiam o movimento nas capitais das províncias. Depois da derrota da Revolução, quase todos eles se refugiaram em Londres, onde procuraram reorganizar a Liga que, durante certo tempo, se tornou o centro do movimento internacionalista. Vários cartistas ingleses, blanquistas, revolucionários polacos e húngaros refugiados em Londres aderiram à Liga. Até meados de 1850, quase todos esperavam para breve o novo despertar da Revolução e se preparavam para acontecimentos que acreditavam iminentes. Marx e Engels, pelo contrário, nos fins de Maio de 1850, aproximadamente, compreenderam que essas esperanças eram vãs e que o proletariado só depois de longo período de propaganda e organização poderia estar de certo modo em condições de desempenhar seu papel revolucionário. Esse ponto de vista foi violentamente combalido no seio da Liga pelo grupo comunista de esquerda, chefiado por Willich e Schapper. Verificou-se então a cisão. Marx transferiu a sede da Liga para Colônia e a 1.° de Dezembro de 1850 mandou proceder a revisão dos estatutos. O objetivo principal da Liga passou a ser: “Por todos os meios da propaganda e da ação política destruir a antiga sociedade e libertar o proletariado intelectual, política e economicamente”.