História do Socialismo e das Lutas Sociais
Quarta Parte: As Lutas Sociais na Época Contemporânea

Max Beer


Capítulo III - A Alemanha de 1840 a 1848


1. Os poetas revolucionários

capa

Depois de reinar na Prússia durante 43 anos, Frederico Guilherme III morreu em 1840. Seu sucessor, Frederico Guilherme IV, possuía grandes qualidades. Era, entretanto, um homem sem decisão: procurava estar sempre bem com todo o mundo, com todas as correntes. Mas acabava conseguindo apenas a hostilidade de todos, pela sua falta de perseverança e por não compreender suficientemente a situação do país. Talvez isso também fosse o resultado de sua incapacidade de livrar-se da influência dos preconceitos no meio dos quais havia nascido e fora criado. Em homens desse tipo, as ideias novas acabam sendo sempre dominadas pelos preconceitos tradicionais.

Na esperança de uma nova era, os Jovens-Hegelianos e o Grupo da Jovem Alemanha haviam redobrado o ânimo. Mas essa esperança foi logo substituída pela mais amarga das desilusões. Os poemas de Herwegh, de Prutz, de Sallet, de Heine e de Freiligrath são expressões desse estado de espírito.

A poesia política alemã atingiu o apogeu por volta de 1840. Toda sua força — mais ainda que a período clássico do fim do século XVIII, — nasceu do contraste que nesse momento existe entre o progresso material da Alemanha, de um lado, e a opressão política e intelectual de outro.

“Também na Alemanha — escrevia Carlos Grün em 1845, — a questão social está, cada vez mais, na ordem do dia. Jornais que até o presente nunca trataram desse assunto, encontram-se hoje, repentinamente, cheios de palavras de conteúdo violento, como sejam: supressão do salariato, organização do trabalho, socialização, etc.”. O desenvolvimento industrial, com maravilhosa rapidez, refletiu-se na poesia, que começou a cantar as vantagens e os inconvenientes do novo regime econômico.

Quanto às vantagens, verdadeiramente bem pouca coisa era possível dizer, na Alemanha. Eis porque os poetas, que estavam mais ou menos influenciados pela crítica social, se ocuparam cada vez mais da miséria moderna. Foi mais uma vez da França que veio o impulso. As cartas que Henrique Heine dirigiu de Paris ao Augsburger Allgemeine Zeitung (1841-1843) sobre as condições políticas e sociais da França, despertaram interesse pelo estudo pormenorizado do socialismo francês. Henrique Heine foi, antes de tudo, um artista e um aristocrata. Mas, assim mesmo, sua consciência social era tão desenvolvida que o levou a examinar com grande atenção o comunismo francês.

Muitos emigrados alemães que moravam em Paris começaram também a estudar a literatura e o movimento socialista. Em 1842, apareceu o livro de Lorenz von Stein, intitulado: O Socialismo e o Comunismo na França contemporânea. Nesse livro, o antagonismo entre a burguesia e o povo, que se manifestara abertamente em França a partir de 1831, é apresentado de maneira bem clara. A obra de Lorenz von Stein não é homogênea. Certas partes são escritas magistralmente. Outras — particularmente as que se referem ao comunismo — são dignas da pena de um policial. Assim mesmo, Stein contribuiu bastante para a difusão das ideias socialistas na Alemanha. Ainda mais eficaz foi a propaganda de Moses Hess que, como iremos ver no capítulo seguinte, a partir de 1839 procurou ligar o movimento dos jovens-hegelianos ao socialismo. Em 1844 a revolta dos tecelões da Silésia deu à poesia social, da Alemanha, caráter de atualidade.

Nas suas traduções da poesia social inglesa, Jorge Weerth e Ferdinando Freiligrath mostraram ao público alemão os lados sombrios da indústria, “a deusa dos nossos dias”.

Na Áustria, o pensamento social foi despertado pelos poetas Alfredo Meissner e Carlos Beck.

Na sua Ziska, Meissner faz magnífica exposição das ideias sociais dos taboritas. Ao mesmo tempo, manifesta sua fé inabalável na libertação definitiva da Humanidade.

“Chegará então o dia prometido. Nesse dia, todas as forças más ruirão diante do espírito... O espírito já se propaga entre os pobres e oprimidos. Aproxima-se o dia da salvação, que aniquilara a herança do pecado e da miséria, e repartirá com igualdade o trabalho entre todos os filhos da terra. E então surgirás radiante, coroada de rosas, com mais esplendor que a fé cristã”.

No seu poema Porque somos pobres, Carlos Beck coloca na boca dos pobres as seguintes palavras:

Acumulamos dívidas, enquanto acumulais florins.
Enchemos as igrejas e oramos, e sofremos com resignação.
Essa paciência é o nosso grande erro.
E é por isso que nós somos pobres.

Mas Henrique Heine, esse gênio imortal, grego pela sensibilidade artística, judeu pela sensibilidade moral, é mil vezes superior a todos eles:

“Se eu vivesse em Roma no tempo de Nero — escrevia Heine a 15 de Junho de 1843, no Augsburger Allgemeine Zeitung — e se de lá escrevesse, por exemplo, para o jornal dos Postos da Beócia, meus colegas com toda a certeza zombariam de mim. Porque, em vez de entretê-los com as intrigas da Corte e as aventuras amorosas da imperatriz, eu falar-lhes-ia continuamente daqueles galileus... Se eu lhes contasse a respeito das festas da Corte apenas a seguinte bagatela: Que lá, alguns daqueles galileus foram untados de breu e em seguida transformados em archotes para iluminar os jardins do palácio imperial... — esses meus colegas certamente achariam o fato divertidíssimo... Mas logo teriam de se arrepender de seus gracejos, porque essas tochas espalharam em torno de si tantas centelhas que todo o Império romano, com a sua imensa magnificência podre, foi consumido pelas chamas”.

Heine, com isso, queria referir-se a importância de suas informações sobre o movimento comunista francês.

2. A crítica social

Enquanto os companheiros artesãos alemães tentavam introduzir na Alemanha as doutrinas dos fourieristas e dos saint-simonistas, os escritores alemães procuravam deduzir o socialismo da filosofia de Hegel e Feuerbach e criar um socialismo alemão de caráter independente. O maior de todos os escritores — até o aparecimento de Marx — foi Moses Hess, o pioneiro do socialismo na Renânia.

Hess nasceu em Bonn, a 21 de Janeiro de 1812. Educou-se numa atmosfera de religiosidade e erudição judaica. Seu pai pretendia encaminhá-lo no comércio Mas o jovem Moses preferiu estudar. Conheceu logo as obras de Spinoza, leitura habitual dos jovens judeus que começavam a perder a fé. Em 1830, estudou durante algum tempo na Universidade de Bonn, onde se dedicou particularmente aos problemas religiosos. Leu com assiduidade o Evangelho e a História da Igreja e repeliu as crenças judias ortodoxas, tendo por isso sérios conflitos com a família. Foi então para o estrangeiro, de onde logo foi obrigado a voltar por falta de recursos. Terá sido nessa primeira viagem ao estrangeiro que Hess foi iniciado nas teorias socialistas? Nada se sabe de certo a esse respeito, senão que, a partir de 1837, Hess começou a demonstrar profundo interesse pelos estudos religiosos, filosóficos e sociais. A História sagrada da Humanidade (1837) é o fruto desses estudos. Nela, Hess estuda, com espírito místico, os diferentes períodos da História, considerando-os como etapas evolutivas da Humanidade no sentido da unidade material e intelectual. Quatro anos mais tarde, publicou a Triarquia europeia (1831). Nesse livro, procura demonstrar que a salvação da Humanidade depende da fusão da filosofia alemã com o espírito revolucionário francês e a prática social inglesa. No mesmo ano apareceu a obra de Feuerbach, A essência do Cristianismo, que exerceu sobre Hess profunda influência. Essa obra permitiu-lhe lançar uma ponte entre a filosofia alemã e o socialismo. Essa ponte era evidentemente muto frágil e não iria durar muito tempo. De fato existiu apenas até o momento em que Marx, utilizando a dialética hegeliana, elaborou a sua própria doutrina. Hess mostrou, a seguir, como, partindo das ideias de Feuerbach a essência transcendente do homem, o verdadeiro ensinamento da essência divina é o ensinamento da essência humana. Em outras palavras: a teologia reduz-se à antropologia. Isto é exato, mas o é parcialmente. É preciso acrescentar que a essência do homem é o ser social, a ação em comum dos diferentes indivíduos em prol de um objetivo comum, e o verdadeiro estudo do homem, o verdadeiro humanismo, e o estudo da sociedade humana, isto é, a antropologia, é o socialismo”. Ou, em outros termos: Feuerbach afirmava que a religião é apenas a deificação do espírito humano, e que o verdadeiro conhecimento de Deus é o verdadeiro homem. A isso Hess acrescenta: não o conhecimento do homem como indivíduo, porém do homem social. A verdadeira teologia é o amor à Humanidade e a ação em comum dos homens. Ou resumindo, toda religião é ética social.

Estas deduções de Hess, que ligam o socialismo a filosofia dos Jovens-Hegelianos, alcançaram na época grande sucesso.

Foi notadamente Hess quem, em fins de 1842, levou o jovem Frederico Engels para o socialismo. Hess e Engels encontraram-se em Colônia. Ambos colaboravam naquele tempo na Gazeta Renana, dirigida por Carlos Marx. Durante o inverno de 1842-43. Hess foi para Paris, onde se relacionou com os membros da Liga dos Justos. Colaborou, depois, em diversas revistas socialistas alemãs. Em 1846-47, aderiu às ideias de Marx e escreveu na Gazeta Alemã de Bruxelas uma série de excelentes artigos sob o título: Consequências da revolução do proletariado. Provavelmente, estes artigos inspiravam-se nas conferências feitas por Marx no outono de 1847 no Clube Operário de Bruxelas e nas discussões que elas provocavam.

Durante as últimas décadas de sua vida, Hess consagrou quase toda a sua atividade ao estudo das questões judaicas, do socialismo e das ciências naturais.

Era um socialista de sentimento, tolerante, pacífico, verdadeiro nazareno. Casou-se com uma prostituta com a qual viveu na maior felicidade, manifestando-lhe sempre grande respeito e sincera amizade. Morreu em Paris a 6 de Abril de 1875.

Carlos Grün (1813-1884) era discípulo de Hess. Após ter feito estudos filosóficos, tornou-se jornalista e filiou-se ao socialismo. Em Paris, onde se refugiara fez Proudhon conhecer a filosofia alemã e frequentou Considerant e Cabet. De volta à Renânia, exerceu considerável influência no movimento intelectual da região. Seu socialismo mesclava-se ao amor à Humanidade e à justiça. Ele também inspirava-se em Feuerbach. “A conclusão de A essência do Cristianismo — escreveu Grün — estabeleceu que o amor deve substituir a fé... A essência do cristianismo é o amor”.

Oto Lüning foi mais influenciado pelos socialistas franceses do que pelos filósofos alemães. Na sua revista intitulada Este livro pertence ao povo (1845), Lüning defendeu as ideias de Luis Blanc. Para ele, o mal principal era a concorrência, assim como a “separação do operário, que produz a mercadoria, e do fabricante, que a transformou num valor do qual o operário só recebe uma insignificante parcela”. Como Luis Blanc, ele também considerava que o remédio seria a instituição de cooperativas de produção com auxílio do Estado. Preconizava ainda várias reformas sociais.

Mencionaremos, por último, Hermann Th. Oelckers (1816-1869), que em 1844 publicou um livro intitulado: O Movimento Socialista e Comunista, no qual se pronunciava a favor da organização do trabalho baseado no socialismo de Estado.

Oelckers participou da Revolução de 1848-1849, tendo sido por isso condenado a dez anos de degredo.


Inclusão: 16/10/2021