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É do ano de 1825 que data o primeiro movimento operário revolucionário na Inglaterra. Nele podemos distinguir três fases principais.
A primeira foi a luta pela conquista do sufrágio universal, que o proletariado empreendeu em colaboração com a burguesia. A revolução industrial, no período que medeou entre 1760 a 1825, havia transformado radicalmente a vida social da Grã-Bretanha, determinando o aparecimento de grandes centros industriais, particularmente no norte da Inglaterra e na Escócia. Essas transformações fizeram nascer na burguesia e no proletariado o desejo de terminar com sua situação de impotência política e de lutar pela conquista do sufrágio universal. As ideias democráticas, que tinham surgido durante a primeira revolução inglesa (1642-1649) e durante os primeiros anos da Revolução Francesa, foram reforçadas no decorrer do primeiro terço do século XIX, dando origem ao movimento em prol da reforma eleitoral. Para a conquista do sufrágio universal uniram-se a burguesia e o proletariado; mas os antagonismos que os dividiam já eram suficientes para não permitirem uma aliança de longa duração. Os setores mais avançados da classe operária já haviam assimilado os ensinamentos de Owen, dos owenistas e de outros escritores adversários do capitalismo, consideravam o trabalho assalariado como única forma de trabalho produtivo, mas não se sentiam ainda suficientemente fortes para empreenderem a luta de um modo independente. Por isso, aliaram-se a burguesia que, nessa época, ainda estava em grande parte privada do direito eleitoral. A luta tornou-se particularmente violenta depois da revolução parisiense de Julho (1830), e manteve-se intensa até o momento em que o governo tory (conservador) foi obrigado a ceder, apresentando um novo projeto de lei eleitoral. Esse projeto, adotado pelo Parlamento em 1832, atendia às aspirações da burguesia, mas recusava todos os direitos políticos aos operários.
A decepção causada pelo resultado da campanha em comum com a burguesia fez surgir no seio das massas operárias forte tendência sindicalista e antiparlamentarista. A partir desse momento, as massas começaram a julgar toda luta política parlamentar como uma mistificação, como uma tática destinada a desviá-las do verdadeiro objetivo, isto é, da luta econômica. Surgiram, então, sindicatos numericamente muito fortes, batendo-se pela entrega de todos os meios de produção à classe operária. Julgavam obter resultado ou pela greve geral ou pela instituição de cooperativas de produção. A partir de 1883, todo o proletariado britânico começou a participar do movimento. Na imprensa operária inglesa da época, já encontramos todas as ideias em voga no começo do século XX relativas ao papel do sindicalismo e dos conselhos operários e a transformação do Parlamento em uma Câmara de Trabalhadores. Registaram-se grandes lutas de classes, manifestações e greves em massa. Realizaram-se numerosos congressos e conferências nos quais foram discutidos os meios de libertar o proletariado do jugo do capitalismo.
Este movimento de enorme importância, talvez o mais interessante da História da classe, operária da Inglaterra, teve logo contra si violenta hostilidade da burguesia, das autoridades e do governo inglês, sendo, afinal, vencido. Um dos fatores da derrota foi o antagonismo existente entre os owenistas e os reformadores sociais partidários da colaboração de classes. A última proclamação deste movimento foi publicada no dia 30 de Setembro de 1834, no Pioneer and Officiat Gazette, órgão central dos sindicatos. Eis as principais passagens desse documento:
“Considerações a respeito do progresso do espírito de associação que se observa entre os operários do mundo inteiro.
“O espírito de associação entre os operários dos mais avançados países da Europa é a expressão de um forte sentimento natural, cujas profundas raízes estão no mais remoto passado. A natureza está em movimento desde tempos imemoriais. Ela sempre marcha para a frente e constantemente age conosco e em nós. As atitudes do indivíduo são indiscutivelmente determinadas pelas condições do meio em que vive, mas a natureza atua na espécie humana de acordo com leis de evolução constante. Desse modo, o homem, como os demais seres orgânicos, de instante a instante se modifica. De fato, nunca se pode determinar ao certo a natureza de um ser vivo, porque sabemos que todos os seres passam incessantemente de uma forma a outra, o mesmo acontece na sociedade; a sociedade está sujeita a idêntico processo de transformação constante. A lei da evolução age, nesse domínio, pelo espírito e pelas lutas em que os homens se empenham, em prol da felicidade da Humanidade... Está em elaboração um novo sistema de trabalho. A nova ordem industrial e as lutas entre as classes são indícios positivos de uma nova ordem social em formação. Os grandes industriais serão substituídos por comitês operários ou ministérios da Indústria. Essas instituições irão, pouco a pouco, eliminando a propriedade privada. A luta prosseguirá e os operários sofrerão. Mas é preciso ter paciência. O espírito dos novos tempos é uma força irresistível. Os sindicatos continuarão a existir. Haverá, também, greves e muitos erros serão cometidos. Os sofrimentos que ainda teremos de suportar em virtude de tudo isso serão bem grandes. Nossas organizações, porém, tornar-se-ão cada vez melhores, porque aprenderemos muito da experiência de nossas lutas, de nossos fracassos e de nossas dificuldades. Surgirá, assim, aos poucos, um novo mundo. As mentiras, as mistificações e os erros capitalistas, que impedem o desenvolvimento da vida social, serão claramente compreendidos por todo o mundo. Surgirá um novo tipo de ciência e uma nova forma de liberdade, pura e simplesmente porque a antiga base do pensamento e da ação se tornará demasiadamente estreita para as conquistas intelectuais e técnicas da época atual”.
O movimento operário inglês, em fins de 1836, entrou numa nova fase de desenvolvimento. Já se havia restabelecido das derrotas dos anos de 1834-1835. A partir desse momento, adquiriu nitidamente o caráter de um movimento politico de classe, orientado no sentido da conquista de sufrágio universal, então julgado indispensável para a implantação do socialismo.
O movimento operário aproveitara-se dos ensinamentos da experiência feita no período anterior. O período compreendido entre 1825 e 1832 mostrou ao proletariado a inutilidade de uma aliança com a burguesia. No período seguinte, isto é, de 1832 a 1835, o proletariado verificou que era impossível vencer rapidamente, se a sua ação se limitasse apenas ao campo econômico. Por isso, ele agora procurava conquistar a democracia para, em seguida, poder, como partido operário, trabalhar para a consecução de suas finalidades, utilizando-se ao mesmo tempo da ação econômica e da ação política.
A Carta, elaborada em 1837-1838, continha seu programa, que abrangia os seis pontos seguintes: 1.º instauração do sufrágio universal; 2.º igualdade dos distritos eleitorais; 3.º supressão do censo exigido dos candidatos ao Parlamento; 4.º eleições anuais; 5.º voto secreto; 6.º indenização aos membros do Parlamento. O movimento recebeu o nome de “cartismo”, em virtude da Carta em que os operários apresentavam suas reivindicações. O cartismo era um movimento social-democrata na mais pura acepção da palavra, porque visava ao mesmo tempo finalidades democráticas e socialistas. A partir de 1837, o cartismo tornou-se um movimento de massas orientado para a conquista do poder. Mas durante toda a sua existência, o seu maior defeito foi não conseguir organizar solidamente as massas. De fato, a legislação das associações proibia a fundação de organizações nacionais que agrupassem secções regionais. Os cartistas, por isso, não puderam criar senão organizações locais, que não mantinham entre si a menor ligação orgânica. Em virtude dessa situação desenvolveram-se as tendências de ilegalidade e, consequentemente, as tendências insurrecionais, que os espiões do governo procuravam por todos os meios estimular. Desse modo, o governo pode instaurar contra os cartistas um processo, acusando-os de alta traição. Esse processo governamental causou numerosas vítimas. Geralmente, os dirigentes e os oradores do movimento eram também intermediários entre as diferentes organizações locais. Desempenhavam, assim, um importante papel. Mas os seus desacordos provocaram a desagregação das organizações locais, a formação de grupinhos e camarilhas e o culto aos indivíduos. Tudo isso impedia que os cartistas preparassem ações de massas bem organizadas. Outra debilidade do movimento foi a inexistência absoluta de unidade. De fato, havia, no seio do cartismo, duas tendências principais em violenta luta. Uma intitulava-se o partido da força física. A outra dizia-se o partido da força moral. A primeira batia-se pela preparação clandestina de uma insurreição armada. A segunda era partidária da educação e do trabalho político e sindical. Estas divergências táticas impediram toda ação comum. Apesar do caráter heróico de que por mais de uma vez se revestiu a luta empreendida pelos cartistas — particularmente durante o período 1839-1842, quando se verificou uma greve de massas, que por pouco se transformava em greve geral, — o movimento não obteve nenhum êxito direto. Ressentiu-se, também, da falta de teóricos. Seu principal dirigente foi o irlandês Feargus O’Connor (1798-1855). Feargus, apenas um democrata partidário da reforma agrária, era proprietário e diretor de um jornalzinho The Northern Star (A Estrela do Norte), que foi o órgão central dos cartistas de 1838 a 1852. Sua notável eloquência valeu-lhe imensa popularidade entre as massas operárias. Infelizmente, seus dotes intelectuais eram bem menores que o seu talento oratório.
A partir de 1848, extinguiu-se o movimento cartista, sem ter na aparência alcançado a meta desejada. Mas deixou atrás de si um preciosíssimo tesouro de ideias, de reformas e de conquistas proletárias.
Esse período foi, na verdade, uma época de grandes reformas, de rejuvenescimento e de democratização da Inglaterra. No decorrer desse período, foi adotada a primeira lei de proteção ao trabalho das crianças (1833), a primeira lei relativa ao trabalho de mulheres e crianças nas fábricas (1842), a lei da jornada de dez horas (1847), a lei da imprensa (1836), a lei da reforma do Código Penal (1837), a lei da supressão dos direitos sobre os cereais (1846) e a lei de associações políticas (1846). Todas essas conquistas destruíram o poder da aristocracia rural e abalaram o domínio do capital. Daí por diante, a questão do sufrágio universal não saiu mais da ordem do dia na vida política inglesa; até que, em 1918, foi definitivamente instaurado. O cartismo legou ao proletariado inglês um vasto sistema de cooperativas, fortes sindicatos e um vigoroso espírito internacionalista. Além disso obrigou-o a estudar a literatura e a economia política. Sua experiência também contribuiu imensamente para a formação da doutrina marxista e exerceu indelével influência em homens como John Stuart Mill, Disraeli, Carlyle, Kingsley, Maurice Ruskin e, de maneira geral, sobre todos os socialistas conservadores ou cristãos da época.
O movimento owenista e cartista deixou uma herança formidável. E ninguém melhor a caracterizou que Marx no Manifesto Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada mais de dez anos depois da extinção desse movimento.
“Depois de uma luta sustentada durante treze anos com admirável tenacidade, os operários ingleses conquistaram, afinal, a jornada de dez horas... A lei da jornada de dez horas não foi somente um sucesso prático, foi a vitória de um princípio. Pela primeira vez, na História, a economia política da burguesia foi vencida pela economia política da classe operária. Mas a economia política do trabalho iria infligir uma derrota ainda maior à economia política das classes dominantes. Queremos referir-nos ao movimento cooperativo e, particularmente, ao movimento das cooperativas de produção”.
As lutas que o proletariado sustenta nunca são inúteis. Quando não atingem diretamente o fim visado, preparam o caminho para a vitória definitiva.