Neuza Brizola

Vania Bambirra

1993


Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. 1993

HTML: Fernando Araújo.


Lembro-me, como se fosse hoje, de quando conheci Neuza. Foi no México. Éramos exilados e ela acompanhava o seu esposo em uma viagem de contatos políticos. Estivemos três dias reunidos em Cuernavaca, discutindo uma proposta programática para o Brasil. Ela não participava das reuniões, discretamente ocupava-se de sua neta Laila, então com apenas quatro anos, e a quem dedicava um carinho especial. Mas sua figura de mulher esbelta e frágil apenas ocultava a de mulher firme e vivida que refletia toda uma época da história do País.

Lembro-me também, já na cidade do México, quando fomos com Beatriz Bissio visitar lojas de artesanatos. Neuza encantava-se com as preciosidades mexicanas, coisas que poderiam adornar seu futuro apartamento no Brasil, mas conformava-se em não poder adquirir nada, pois vivia em hotéis, desdobrando-se por várias capitais do mundo.

Nas conversas que tivemos, apesar de sua discrição, deixava, às vezes, transbordar algumas mágoas. A maior delas, talvez, dissesse respeito à morte de seu irmão João Goulart. Estava convencida de que o mesmo, quando morreu, dispunha de uma saúde íntegra e pensava que havia sido assassinado por mãos misteriosas que também haviam ceifado a vida do Presidente Juscelino Kubitschek e do Governador Carlos Lacerda, todos articuladores da “Frente Ampla”.

Recordo-me, ainda, quando, certa vez, conversamos sobre Cuba. Ela demonstrava grande curiosidade sobre esse país. Eu então falava-lhe, com o meu entusiasmo costumeiro, das grandes conquistas da revolução cubana nos campos da educação e da cultura, da saúde pública, habitação, emprego, alimentação, do resgate da soberania nacional, etc. Ela escutava e me dizia: “se é assim, eu quero ver para crer”. Já no Brasil voltamos a falar do mesmo tema e o seu ponto de vista permanecia inalterado refletindo o pragmatismo e a firmeza do seu raciocínio. Não sei se o tempo e uma informação mais próxima a fez mudar de opinião.

No encontro de Lisboa, onde foram lançados os fundamentos programáticos para a organização do novo trabalhismo, Neuza estava presente. Sua preocupação centrava-se em um ponto: na necessidade de uma definição correta e precisa do compromisso prioritário do partido para com a mulher, vítima da dupla exploração do seu trabalho.

No Rio de Janeiro tivemos oportunidade de conversar algumas vezes, especialmente antes da eleição de Brizola para Governador. Eu sempre fui avessa às cortes, esperava assim que ela tomasse a iniciativa. Mas uma vez tinha de ir ao Rio a trabalho e Neuza, sabendo disso, insistiu para que ficasse em seu apartamento. Foi uma nova oportunidade para que proseássemos, e ela queria isso. Senti-me, no entanto, um pouco intrusa por violar a privacidade do casal, se bem que ela parecia bem acostumada com isso. Afinal, Neuza dedicou sua vida, em primeira instância, à causa do trabalhismo, que era a causa do seu padrinho – Getúlio Vargas de quem mostrou-me com carinho a foto que haviam tirado com ele no dia do seu casamento – do seu irmão, do seu esposo. Mas, a causa do trabalhismo era também a sua causa, a sua convicção, pois ela não era uma mulher-espelho do padrinho, do irmão, do marido, porém, uma pessoa consciente e determinada. Essa foi a imagem que transmitiu-me e da qual recordo.

Mas, lembro-me sobretudo, de como Neuza amava Brizola. Era uma paixão bonita e rara para uma união que já durava tantos anos. O seu Leonel refletia-se em cada um dos seus gestos, de suas palavras, de suas intenções. Parecia que seu amor superava o tempo, renovando-se no cotidiano. Quiçá isso explicasse porque ela sentia tanta saudade do Uruguai: foi a época que ela mais pôde tê-lo só para si. Não importava o inusual, as precariedades, a insegurança e o desenraizamento que caracterizam a vida no exílio. Neuza era feliz.

Dona Neuza, mulher requintada e simples, corajosa, altiva, desprendida, sofrida e solidária. Neuza Brizola, sobrenome ao qual optou ser chamada por razões políticas e, por que não, sentimentais.

Diz o ditado sabiamente que, por trás de todo grande homem há sempre uma grande mulher. Eu sempre pensei, ademais, que cada homem e cada mulher têm os companheiros que merecem. Neuza e Brizola se mereceram mutuamente.


Inclusão: 16/11/2021