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Fonte: Arquivo Vania Bambirra - https://www.ufrgs.br/vaniabambirra/ - Datilog. 1991 (acompanha adendos manuscritos da autora)
HTML: Fernando Araújo.
Em seu Manifesto de Fundação, lançado em maio de 1980, o PDT precisou assim a sua concepção estratégica :
“Somos um Partido que defende a Democracia, o Nacionalismo, o Socialismo, um partido nacional e popular (…). A democracia, aspiração das grandes maiorias populares de nosso País que propugnam pela construção de uma sociedade democrática e pluralista, é para o trabalhismo democrático um ativo e crescente processo de auto-organização, em todos os níveis, de tal modo que a nossa sociedade venha a ser cada dia mais livre, mais fraterna e igualitária. Eis porque o trabalhismo é o caminho brasileiro para a construção de uma sociedade democrática e socialista.
(…) A experiência histórica demonstra que nenhum partido popular pode chegar a se manter no governo sem contar com o povo organizado e, também, que as organizações da sociedade não conseguem realizar suas aspirações sem partidos que se transformem em realidade política, através do poder de um Estado democrático (…) É (…) da essência do Trabalhismo Democrático promover a diversificação e democratização das relações produtivas na direção do socialismo (…).
(…) a democracia trabalhista não exclui mas condiciona aos interesses sociais a propriedade privada dos meios de produção, a livre iniciativa nas atividades econômicas, o capital privado, ou seja, a chamada economia de mercado”.
“O Trabalhismo Democrático afirma que o nosso relacionamento econômico e financeiro internacional é a causa principal do nosso subdesenvolvimento, atraso e pobreza. As estruturas internas do País têm sido moldadas, ao longo de sua história, para manter e perpetuar nossa situação de espoliação e dependência na relação com o mundo exterior, situação que se implantou e se perpetuou porque corresponde a interesses de poderosos grupos internos. Tocar nas estruturas internas é, portanto interferir no relacionamento externo. As transformações das estruturas internas de produção e poder se relacionam, intimamente, com nossa independência e soberania, frente às economias e governos estrangeiros. A alternativa democrática trabalhista é a de, firme e sistematicamente, através de políticas e decisões democráticas, promover e realizar a eliminação dos privilégios internos e todos os fatores de nossa dependência externa”.
Esta concepção estratégica foi e continua sendo até hoje a mais avançada entre a dos demais partidos políticos brasileiros.
Que fatores nos levam a rediscutir, no III Congresso Nacional do PDT, a perspectiva programática até agora vigente, particularmente no que diz respeito ao conceito de socialismo? Sem dúvida alguma sua razão reside no fasto de que as experiências históricas concretas de socialismo no Leste Europeu e na URSS fracassaram. Diante destes fatos, vários partidos comunistas e socialistas, a nível internacional, revisaram ou estão revisando, com maior ou menor profundidade, o conteúdo de suas propostas socialistas. Porém, isso ocorreu nos casos de partidos que consagravam aquelas experiências como a encarnação máxima do socialismo real.
Este não é o caso do PDT.
Nosso Partido jamais tratou de erigir uma fórmula rígida ou um pretenso “modelo” de socialismo. Ao contrário, como um partido de massas, nacional e popular, abrigou em seu seio vertentes das mais diversas correntes de pensamento e de ação que se formaram no curso das lutas pelas grandes causas sociais e pelas profundas reformas de base. Assim, convergiram em função de objetivos maiores, trabalhistas, nacionalistas, progressistas, socialistas, comunistas, eurocomunistas, social-democratas, marxistas, brizolistas, etc. (até mesmo oportunistas que pronto foram ou serão expurgados pela sua incompatibilidade congênita de conviver em nosso meio).
Apesar dessas diferenças, inevitáveis e naturais em um partido como o PDT, jamais existiu – pelo que se saiba – nenhuma fração ou tendência organizada que atuasse na sombra, contra as orientações fundamentais do mesmo.
Devido a estas considerações e aplaudindo o debate que [ilegível] feito durante o Congresso que se estenderá até abril sobre a questão do socialismo, pensamos que a formulação da concepção estratégica do partido deve permanecer a mesma contida no Manifesto de Fundação. Quando esse documento foi elaborado, havia a preocupação de não se entrar na definição do conteúdo do socialismo que almejamos. Entendia-se que, em última instância, seria a experiência prática do povo brasileiro a fonte de tal definição. Além disso, tal pretensão só serviria para dividir as nossas forças e desgastar-nos em discussões acadêmicas.
Definir-nos como social-democratas? Não! Essa corrente, a partir da I Grande Guerra, sempre serviu de força intermediária entre as pressões dos movimentos sociais organizados e o Estado, buscando imprimir a esse um conteúdo social mais acentuado. Historicamente, em todas as oportunidades em que chegou ao governo, serviu de força estabilizadora do capitalismo.
Hoje, o fracasso de parte das experiências socialistas deve levar-nos a uma reflexão muito profunda sobre a situação internacional. O neoliberalismo trata, como sempre, de apresentar o capitalismo como a única saída. Para isso, dispõe, mais do que nunca, do monopólio dos grandes e modernos sistemas de comunicação. Trata de convencer a todos que não existe mais nenhuma alternativa ao capitalismo.
Porém, junto à crise do socialismo real vive-se a crise do capitalismo real, a sua decadência, a sua impotência para prosseguir fecundando a revolução científico-tecnológica que se processa na nossa época. No capitalismo, tal revolução se apresenta como o feitiço que o mago não pode controlar. É sinônimo de desemprego-estrutural e seus subprodutos tais como a miséria, a marginalização e a violência. Na prática, o capitalismo não pode prosseguir impulsionando essa revolução, tem de freá-la constantemente, e tende a transformar-se num obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas. Portanto, torna-se objetivamente reacionário às conquistas mais amplas do desenvolvimento da humanidade (a atual recessão da economia norte-americana, que persiste de forma porfiada contra todos os prognósticos otimistas, bem como a inglesa; as quedas dos índices de crescimento em vários outros países da C.E.E., como na Alemanha, assim também no Japão e demais Tigres Asiáticos, ilustra bem tais considerações).
É nesse complexo contexto internacional dos nossos dias onde os EUA, a grande potência de um sistema em decadência, se afirmam não apenas como o seu centro hegemônico, mas como o centro de todo o mundo.
O paradoxal é que, quanto mais a experiência socialista parece estar indo para o museu da história, tanto mais o socialismo se apresenta como a alternativa para o destino do homem. Se o sistema de planificação burocrático resultou em um fracasso, esse fracasso não resgata a anarquia do mercado e a “livre iniciativa” monopólica, mas a planificação democrática e participativa; se o estatismo burocrático se mostrou a partir de um certo ponto ineficaz, tal comprovação não resgata a privatização imperialista mas a autogestão; se a opressão burocrática está sendo definitivamente questionada, isso não resulta em um resgate da opressão do capital, mas num questionamento mais profundo de todo e qualquer tipo de opressão.
Assim, ao contrário do que as aparências estão a indicar, o socialismo, por ser não apenas um ideal, mas uma necessidade histórica, voltará a reverdecer, não tão pronto quanto desejamos mas, em todo caso, muito antes do que os liberais esperam.