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De regresso a Berlim, tive um encontro com dois-dirigentes do Comité Nacional da Federação dos Sindicatos — Gense e Helfer. Esta conversa foi para mim de uma grande importância, porque certos aspectos sociais da RDA só então me foram esclarecidos. Embora alguns dos aspectos focados estejam largamente divulgados entre nós, julgo que vale a pena referi-los.
Os sindicatos englobam 7,8 milhões, ou seja 95,5% de todos os homens e mulheres que trabalham. Compõe-se de 16 Federações sindicais industriais e outras. Os sindicatos baseiam-se no principio de que para cada empresa há um sindicato. O princípio dominante é o centralismo democrático. Além disso, a estrutura desenvolve-se sobre o plano territorial.
Ao nível de cada um dos 240 concelhos administrativos há uma confederação e ao nível de cada um dos 15 distritos há igualmente um organismo directivo.
Em relação às 16 federações sindicais industriais existentes na RDA, cada uma defende os interesses desse ramo profissional com uma direcção própria central, uma direcção a nível distrital e uma direcção a nível concelhio.
O órgão superior é o Congresso Federal. Reúne-se de 5 em 5 anos. A próxima reunião será em 1977. Os órgãos superiores dos distritos são as Conferências Centrais de Delegados. Reúnem-se igualmente todos os 5 anos.
Quanto aos camponeses, só os trabalhadores das explorações agrícolas do Estado têm sindicatos.
As populações mais activas organizam-se no seio das próprias cooperativas.
Os empregados do comércio também são membros dos sindicatos, mas não têm uma célula própria sindical. Estão organizados em sindicatos colectivos. Desta forma estão organizados somente 230 000.
Em seguida, estabeleceu-se entre nós o diálogo que vou procurar reproduzir o mais possível, na íntegra:
P.: — O que há na legislação da RDA sobre o direito à greve?. É evidente que eu sei que a greve é uma arma das classes.' trabalhadoras a usar contra os patrões, portanto numa sociedade onde existem classes e a luta histórica entre elas. Eliminada essa luta de classes, não se entende que as classes trabalhadoras usem da greve como arma contra a sua própria classe. Mas poderão surgir situações, por exemplo em relação a resíduos de economia privada, onde esse direito se justifique?
R.: — Os operários não têm necessidade de fazer uma greve. Quando surge qualquer problema ou conflito, dirígem-se aos sindicatos.
Estão promulgadas leis que defendem todos os que trabalham e, portanto, os operários servem-se delas. Na nossa sociedade esse problema não se põe. A verdade, porém, é que a greve não é permitida nem proibida. A sua necessidade não existe, todo o seu condicionalismo foi ultrapassado. Mesmo em relação a pequenos proprietários individuais. Para com esses houve e há uma boa e inteligente política. São sobretudo artesãos e a sua acção, quando da nacionalização dos grandes monopólios e empresas, foi muito importante e eles asseguraram uma parte do comércio em certos sectores.
Há pequenas e médias empresas a trabalhar segundo o princípio capitalista. Mas foram promulgadas leis no sentido de estas empresas não poderem ter uma projecção capitalista. Isto foi permitido para que as necessidades da população fossem satisfeitas.
Foi proposto aos seus proprietários a participação do Estado. Quer dizer, as novas instalações e maquinaria ali colocada, ficaram a ser propriedade do Estado.
Os proprietários podiam aceitar ou recusar esta proposta, mas as vantagens oferecidas eram tais que a maioria aceitou.
Havia leis limitativas do lucro ou através de impostos ou de outras formas, mas após a participação do Estado, com entrada de capital ou de maquinaria, tudo foi facilitado. Por exemplo, numa empresa a quota do proprietário era de 30% e a do Estado de 70%. O proprietário era obrigado a entregar uma parte do lucro para investimentos.
Depois do VIII Congresso, o desenvolvimento atingiu uma fase em que toda a propriedade privada foi nacionalizada e a parte dos proprietários privados foi comprada pelo Estado.
Pode afirmar-se que presentemente não há empresas individuais.
P.: — Mas o artesanato individual continua ou não a existir?
R.: — Numa quantidade insignificante. Há uma lei que permite a um artesão ter 10 operários.
P.: — Qual é hoje, a nível nacional, o sector privado?
R.: — Vou-lhe dizer. Em 1950, o sector nacional era de 50,5% em relação ao rendimento nacional produzido. E o sector privado de 43,2%. O sector cooperativo era de 6,3%. Em 1970, o quadro era diferente: sector nacional 68,6%; sector privado com participação do Estado, 8,9%; sector privado, 5,6%; e sector cooperativo, 16,9%. Em 1973: sector nacional, 81,2%; sector misto, 0,9%; sector privado, 3,9%; e sector cooperativo, 14%.
Fora da agricultura, existiam nos outros domínios cooperativas criadas pelos artesãos. Embora camufladas, elas eram efectivamente empresas de produção industrial, mas foram nacionalizadas. As que ainda existem e que representam 3,9% do Produto Nacional Bruto, são empresas sem quaisquer perspectivas. O Estado não tem interesse em investir ali capitais e adquiri-las depois porque não têm viabilidade económica, com um tipo de produção antiquado, instalações velhas, etc. Por outro lado. não estão em posição de influenciar negativamente a nossa produção.
P.: — Há uma estreita ligação entre o Partido Socialista Unificado e os sindicatos?
R.: — Sim. Essa ligação é feita a todos os níveis. A ligação entre o Partido e as massas é feita através dos sindicatos.
P.: — No Ocidente acusam os sindicatos de serem principalmente órgãos fomentadores da produtividade. Basta vermos a amplitude da actuação dos sindicatos na RDA (e noutros países socialistas), em relação ao seguro social, etc. para sabermos a falsidade que tal acusação representa. Mas gostaria que me falasse de outras formas de actuação dos sindicatos.
R.: — É evidente que a produtividade, a melhoria da produção, são factores essenciais numa sociedade socialista, mas o nosso objectivo fundamental é lutar para que as condições de trabalho dos operários sejam cada vez melhores. Lutamos até contra certas formas de monotonia no trabalho que venham a reflectir-se psicologicamente nos operários e pretendemos modificar todos esses sectores.
Por outro lado, nós ajudámos a emulação socialista e o Movimento Inovador e, depois do VIII Congresso, tivemos, neste aspecto, resultados brilhantes. Outro ponto é a solidariedade do internacionalismo proletário. Para nós a solidariedade é tão importante como a melhoria das condições de vida e de trabalho. Nós temos estado sempre ao lado da luta do povo do Vietnam, do Chile e de todos os que lutam pela independência e a liberdade. Certamente já reparou como todo o nosso povo acompanha a luta do povo português pela sua emancipação e reconstrução. E nós, sindicatos, ajudamos essa solidariedade.
Também nos não pode ser indiferente a preparação militar da nossa República. Damo-nos conta de que não é possível falar de uma vitória enquanto não tivermos força suficiente para manter o inimigo no seu lugar. O imperialismo não mudou. Só a força o obriga a encolher as garras.
Os nossos operários sabem que os gastos imensos com o exército seriam melhor aplicados noutros campos, mas não ignoram que, para já, antes da destruição do imperialismo, isso não é possível.
Os nossos homens, que hoje têm 30 anos, não conheceram a guerra, e nós temos de lhes lembrar os horrores do passado.
P.: — O sindicato tem um papel activo na preparação ideológica?
R.: — É esse o-principal papel do sindicato — o trabalho ideológico. Quanto mais os operários conheçam o conjunto político, melhor trabalham e compreendem os seus verdadeiros objectivos.
Mas não é só isso. Nós temos problemas. Nada se passa sem conflitos. Somos obrigados a contactar diariamente com todos os pequenos problemas dos nossos sindicalizados. Sucede também que alguns dirigentes pensam apenas nos resultados sem se lembrarem das condições de vida dos operários.
É, então, o momento em que o sindicato lembra as leis existentes e as directivas do VIII Congresso. Pode dizer-se que em geral há uma cooperação muito ampla entre os dirigentes sindicais e os dirigentes económicos.
Os dirigentes económicos são chamados pelo Estado a dirigir a nossa economia e a resolverem os objectivos fundamentais. Ora, na edificação do Socialismo, estamos na frente que é comum.
Nesta manhã, o Freitas Branco não me pode acompanhar e enviaram-me uma intérprete de francês. Foi ela quem me acompanhou a este encontro com os dirigentes sindicais e também a outro com os dirigentes do F. D. J.
Almoçámos juntos com o Manfred, representante do «Panorama» que andou comigo cerca de duas semanas e o «chauffeur», também bom companheiro desta digressão.
Depois, fomos só os dois tomar café. Lembro-se que em certo momento me disse que o pai tinha estado no Brasil, por volta dos anos 30 e que, mais tarde, na prisão, fazia exercícios de gramática portuguesa, compunha frases, estudava «de lembrança» a nossa língua. Era uma forma também de suportar a clausura. Disse-me que havia de trazer-me esses papéis, o que depois não chegou a fazer. Mal a tornei a ver.
Mas, não sei como, relatou-me a história dela e do pai, que eu não esqueci e que julgo vale a pena contar aqui.
Em 1932 o pai entrou para o Partido Comunista e começou a trabalhar activamente. Em 1933 foi preso a primeira vez. Dois ou três anos depois foi posto em liberdade e continuou a sua luta na clandestinidade. Em 1940 é novamente preso, julgado e condenado â morte. Porém, dias antes da execução, escrevia à mulher e pedia-lhe que mandasse a filha para uma fábrica, não a metesse em escritórios. «É necessário que ela contacte e conheça a classe operária e lute por ela.»
Ela fugiu. O fim da guerra encontra-a algures na Alemanha Ocidental. Lá, conhece um francês, um anti-fascista com quem casa. Segue com ele para França. Uns anos em Paris, depois numa pequena aldeia da Alsácia.
Nasceram dois filhos, um rapaz e uma rapariga. A vida melhorou muito e, com a abastança, o marido começou a transformar-se. Passados anos nada tinha a ver com o homem com quem casara. Desinteressado da luta política, uma vida de vazio, de desencanto. Até que, sentindo como era irreversível a situação, se divorciou. Não sem dificuldades nem lutas.
«Conheci então bem a liberdade da França e a sua justiça. Ao cabo de trabalhos e amarguras consegui o divórcio e a companhia da minha filha. O meu filho continua em França, educado pelo pai, seguindo as suas pisadas.»
Vem para a Alemanha Ocidental, para Berlim, e durante dois anos sabe o que é a luta pela vida de uma mulher só com uma filha, não disposta a prostituir-se, num desenvolvido país capitalista. A busca de empregos, os pequenos quartos alugados, a insegurança constante, a mudança de ofícios.
Um dia contacta com um antigo amigo do pai e consegue regressar à RDA
O desejo do pai realiza-se. Faz a aprendizagem durante dois anos numa fábrica e obtém o seu diploma de mecânica especializada. Continua ali a trabalhar. Mais tarde, como sabe francês, convidam-na para tradutora. Assim chegou até onde está.
«A minha filha está na Universidade e em breve termina o seu curso. Eu vivo bem. Desde que cheguei aqui, tudo mudou. Tenho estabilidade, segurança, não há que pensar no futuro. Eu posso compreender melhor que muitos dos meus compatriotas a felicidade que temos.
Porque eu sei o que foi o nazismo e sei o que passei em duas democracias capitalistas. Eu posso fazer o confronto. Sabe, os nossos dirigentes são muito bons. O que me impressiona é a inteligência, a sensatez e ao mesmo tempo o seu arrojo.»
Perguntei-lhe, assim à queima-roupa: — Vocês são livres? Livres, mesmo no sentido burguês? Eu tenho essa impressão desde que aqui cheguei e mantive-a sempre. Mas a verdade é que não vivo aqui...
Respondeu-me com uma sincera exaltação: — «Sim. Pode acreditar. Somos profundamente livres. Nós podemos criticar livremente o que estiver errado e a liberdade é isto, é esta satisfação de viver, de ter dignidade humana, de ser gente. Pode haver quem diga o contrário. Mas são poucos. E mentem. Não podemos sabotar o que conquistámos. E isso é justo.
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Tenho, neste momento, na minha frente, um artigo de Jaime Serra onde esta verdade cristalina transparece.
«Acreditamos e lutamos pelo socialismo como a forma de organização superior da sociedade sem classes, sem explorados onde existam as mais amplas liberdades para o povo trabalhador, liberto para sempre da exploração capitalista.»
«Porém esta forma de organização da sociedade implica a tomada de medidas que impeçam na prática os inimigos da liberdade, os exploradores e reaccionários desapossados do Poder, de disporem da liberdade para se organizarem e conspirarem para voltar ao poder.»
Sim, neste momento, contemplando este país onde um novo homem surge mais são e mais feliz, numa sociedade donde definitivamente foi banida a exploração do homem pelo homem, penso como é importante para as forças efectivamente progressistas e democráticas do meu país, analisarem a experiência aqui realizada. Pensarem que para isto se realizar foi necessário eliminar as raízes do fascismo, do imperialismo, do racismo, do militarismo e de toda a reacção.
A liberdade não existe para os inimigos da liberdade e quem o inimigo poupa nas mãos lhe morre.
Inclusão | 16/02/2015 |