A trajetória do capitalismo histórico e a vocação tricontinental do marxismo

Samir Amin


Fonte: http://www.ocomuneiro.com/nr12_1_samiramin.html

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


A longa ascensão do capitalismo

A longa história do capitalismo é composta por três distintas fases sucessivas:

  1. Uma longa preparação - a transição do modo tributário, a forma usual de organização das sociedades pré-modernas, que durou oito séculos, de 1000 a 1800;
  2. Um curto período de maturação (século XIX), durante o qual o "Ocidente", afirmou o seu domínio;
  3. O longo declínio, causado pelo "Despertar do Sul" (para usar o título de um livro meu, publicado em 2007), no qual os povos e seus Estados recuperam a iniciativa na transformação do mundo - a primeira vaga tendo ocorrido no século XX. Esta luta contra uma ordem imperialista que é inseparável da expansão global do capitalismo é o próprio agente potencial no longo caminho de transição para além do capitalismo, em direção ao socialismo. No século XXI, há agora o começo de uma segunda vaga de iniciativas independentes por parte dos povos e Estados do Sul.

As contradições internas que eram características de todas as sociedades avançadas no mundo pré-moderno - e não apenas aquelas específicas da Europa "feudal" – são responsáveis pelas sucessivas ondas de inovação sócio-tecnológica que vieram a constituir a modernidade capitalista.

A mais antiga onda veio da China, onde as mudanças começaram pela era de Sung (século XI) e, se desenvolvendo ainda mais nas épocas de Ming e Qing, deram à China um avanço em termos de inventividade tecnológica e de produtividade social do trabalho coletivo, que só viria a ser ultrapassado pela Europa em pleno século XIX. A onda "chinesa" seria seguida por uma do "Médio Oriente", que teve lugar no Califado árabo-persa e, em seguida, através das Cruzadas e suas sequelas, chegou às cidades de Itália.

A última onda diz respeito à longa transição do antigo mundo tributário para o moderno mundo capitalista. Isso começou de fato na parte atlântica da Europa, após a conquista/encontro com as Américas, e durante três séculos (1500-1800) tomou a forma de mercantilismo. O capitalismo, que gradualmente passou a dominar o mundo, é o produto desta última onda de inovação sócio-tecnológica. A forma europeia ("ocidental") de capitalismo histórico, que surgiu na Europa central e atlântica, em sua descendência nos Estados Unidos da América e, posteriormente, no Japão, desenvolveu suas próprias características, nomeadamente um modo de acumulação baseado na expropriação, em primeiro lugar, dos camponeses e dos povos das periferias, que foram integrados como dependências em seu sistema global. Esta forma histórica é, portanto, inseparável da contradição centros/periferias que ela incessantemente constrói, reproduz e aprofunda.

O capitalismo histórico tomou sua forma definitiva no final do século XVIII, com a Revolução Industrial inglesa, que inventou a nova "fábrica de máquinas" (juntamente com a criação do novo proletariado industrial) e a Revolução Francesa, que deu origem à política moderna.

O capitalismo maduro desenvolveu-se durante o curto período que marcou o apogeu desse sistema, no século XIX. A acumulação de capital, em seguida, tomou sua forma definitiva e se tornou a lei básica que rege a sociedade. Desde o início, essa forma de acumulação foi construtiva (permitiu uma aceleração prodigiosa e contínua da produtividade do trabalho social). Mas era, ao mesmo tempo, destrutiva. Marx observou que a acumulação destrói as duas bases de riqueza: o ser humano (vítima da alienação das mercadorias) e a natureza.

Em minhas análises do capitalismo histórico, tenho salientado particularmente uma terceira dimensão da destrutividade da acumulação: a expropriação material e cultural dos povos dominados da periferia - que Marx tinha um pouco passado em claro. Isso se deveu, sem dúvida, a que, no curto período em que Marx estava produzindo seus trabalhos, a Europa parecia quase exclusivamente dedicada às exigências da acumulação interna. Marx, assim, relegou esta desapropriação a uma fase temporária de "acumulação primitiva" que eu, pelo contrário, tenho descrito como sendo permanente.

O fato é que, durante o seu curto período de maturidade, o capitalismo cumpriu inegáveis funções progressivas. Ele criou as condições que tornaram possível e necessário que seja ultrapassado pelo socialismo/comunismo, tanto a nível material, como ao nível de uma nova consciência política e cultural que o acompanha. O socialismo (e ainda mais o comunismo) não é, como alguns têm pensado, para ser concebido como um "modo de produção" superior porque é capaz de acelerar o desenvolvimento das forças de produção e de associá-lo a uma "justa" distribuição de renda. O socialismo é outra coisa: uma etapa superior no desenvolvimento da civilização humana. Não é, portanto, por acaso que o movimento operário se enraizou na população explorada e se comprometeu na luta pelo socialismo, tão evidente na Europa do século XIX, expressa em 1848 em ‘O Manifesto do Partido Comunista’. Também não é por acaso que este desafio tomou a forma da primeira revolução socialista da história: a Comuna de Paris em 1871.

Capitalismo monopolista: o início do longo declínio

No final do século XIX, o capitalismo entrou em seu longo período de declínio. Quero dizer com isto que as dimensões destrutivas da acumulação agora começam a prevalecer, de forma crescente, sobre a sua dimensão progressiva e construtiva. Esta transformação qualitativa do capitalismo tomou forma com a criação de novos monopólios de produção (agora não apenas nas áreas do comércio e da conquista colonial, como no período mercantilista) no final do século XIX. Isto foi em resposta à primeira longa crise estrutural do capitalismo, que começou em 1870, logo após a derrota da Comuna de Paris. O surgimento do capitalismo monopolista (como foi notoriamente destacado por Hilferding e Hobson) mostrou que o capitalismo clássico, da livre concorrência, e na verdade o próprio capitalismo, em si mesmo, tinha já “tido o seu dia" e estava a tornar-se "obsoleto". O sino soou para a necessária e possível expropriação dos expropriadores. Este declínio encontrou sua expressão na primeira onda de guerras e revoluções que marcaram a história do século XX. Lênin estava, portanto, certo ao descrever o capitalismo monopolista como a "fase superior do capitalismo".

Mas, de forma otimista, Lenine pensou que esta primeira crise longa seria a última, estando a revolução socialista na agenda. A história, mais tarde, provou que o capitalismo foi capaz de superar essa crise, ao custo de duas guerras mundiais. Foi mesmo capaz de se adaptar aos contratempos que lhe foram impostos pelas revoluções russa e chinesa e pela libertação nacional na Ásia e na África. Todavia, após o curto período de recuperação do capitalismo monopolista (1945-1975), seguiu-se uma segunda longa crise estrutural do sistema, a partir da década de 1970. O capital reagiu a este desafio renovado por uma transformação qualitativa que tomou a forma do que eu descrevi como "capitalismo monopolista generalizado".

Uma série de questões importantes surgem a partir desta interpretação do "longo declínio” do capitalismo, que dizem respeito à natureza da "revolução" que estava na ordem do dia. Poderia o "longo declínio" do capitalismo monopolista histórico ser sinônimo de "longa transição" para o socialismo/comunismo? Em que condições?

De 1500 (início da forma mercantilista, atlântica, da transição ao capitalismo maduro) para 1900 (o início do desafio à lógica unilateral de acumulação), os ocidentais (os europeus, depois os norte-americanos e, mais tarde, os japoneses) mantiveram-se os mestres do jogo. Eles, sozinhos, deram forma às estruturas do mundo novo do capitalismo histórico. Os povos e nações da periferia, que haviam sido conquistados e dominados, resistiram, é claro, tão bem quanto puderam, mas eles sempre acabaram por ser derrotados e foram forçados a se adaptar à sua condição subalterna.

A dominação euro-atlântica do mundo foi acompanhada pela sua explosão demográfica: os europeus, que constituíam 18 por cento da população do planeta em 1500, representavam 36 por cento em 1900 – aumentados pelos seus descendentes que emigraram para as Américas e para a Austrália. Sem esta emigração em massa, o modelo de acumulação do capitalismo histórico, baseado no desaparecimento acelerado do mundo camponês, teria sido simplesmente impossível. É por isso que o modelo não pode ser reproduzido nas periferias do sistema, as quais não têm suas "Américas" para conquistar. Sendo impossível "alcançar" os da frente, no presente sistema, os povos das periferias não têm outra alternativa senão optar por um caminho de desenvolvimento diferente.

A iniciativa passa aos povos e nações da periferia

Em 1871, a Comuna de Paris que, como mencionado, foi a primeira revolução socialista, foi também a última a ter lugar num país que fazia parte do centro capitalista. O século XX inaugurou - com o "despertar dos povos das periferias" - um novo capítulo na história. Suas primeiras manifestações foram as revoluções no Irã (1907), no México (1910-1920), China (1911) e na "semi-periférica" Rússia em 1905. Este despertar dos povos e nações da periferia foi prosseguido ainda com a Revolução de 1917, o Nahda árabo-muçulmano, a constituição do movimento Jovens Turcos (1908), a Revolução Egípcia de 1919 e a formação do Congresso Indiano (1885).

Em reação à primeira longa crise do capitalismo histórico (1875-1950), os povos da periferia começaram a libertar-se, em torno de 1914-1917, mobilizando-se sob as bandeiras do socialismo (Rússia, China, Vietnã, Cuba) ou da libertação nacional (Índia, Argélia), associada a diferentes graus de reformas sociais progressivas. Eles tomaram o caminho para a industrialização, até então proibida pela dominação do (velho) imperialismo "clássico", obrigando este último a "ajustar-se" a esta primeira onda de iniciativas independentes dos povos, nações e Estados das periferias. De 1917 até o momento em que o "projeto de Bandung" (1955-1980) perdeu força e o sovietismo desabou, em 1990, estas foram as iniciativas que dominaram a cena.

Eu não vejo as duas longas crises do capitalismo monopolista envelhecido em termos de ciclos longos de Kondratieff, mas como duas fases no declínio do capitalismo histórico globalizado e na possível transição para o socialismo. Também não vejo o período 1914-1945, exclusivamente como a "guerra de 30 anos" pela sucessão de "hegemonia britânica". Vejo este período também como a longa guerra conduzida pelos centros imperialistas contra o primeiro despertar das periferias (Leste e Sul).

Esta primeira fase do despertar dos povos da periferia desgastou-se por muitas razões, incluindo as suas próprias limitações e contradições internas, e o sucesso do imperialismo em encontrar novas maneiras de dominar o sistema mundial (através do controle da invenção tecnológica, do acesso aos recursos, do sistema financeiro globalizado, da comunicação e tecnologia da informação, das armas de destruição em massa).

No entanto, o capitalismo passou por uma segunda crise que começou em 1970, exatamente cem anos após a primeira. As reações do capital a essa crise foram as mesmas que tinha tido com a anterior: a concentração reforçada, que deu origem ao capitalismo monopolista generalizado, à globalização ("liberal") e à financeirização. Mas o momento de triunfo - a segunda "belle époque", de 1990 a 2008, repetindo a primeira "belle époque", de 1890 a 1914 - do novo imperialismo colectivo da tríade (Estados Unidos, Europa e Japão) foi de fato muito breve. Uma nova época de caos, guerras e revoluções emergiu. Nesta situação, a segunda onda do despertar das nações da periferia (que já tinha começado), trouxe agora uma recusa a permitir que o imperialismo colectivo da tríade mantivesse a sua posição dominante, a não ser através do controle militar do planeta. O establishment de Washington, dando prioridade a este objectivo estratégico, prova que está perfeitamente consciente das verdadeiras questões em jogo nas lutas e conflitos decisivos da nossa época, em oposição à visão ingênua das correntes maioritárias no "altermundialismo" ocidental.

É o capitalismo monopolista generalizada a última fase do capitalismo?

Lênin descreveu o imperialismo dos monopólios como a "fase superior do capitalismo". Descrevi o imperialismo como "fase permanente do capitalismo", no sentido de que o capitalismo globalizado histórico foi construído, e não cessou nunca de se reproduzir e aprofundar, na polarização centro/periferia. A primeira onda de constituição de monopólios, no final do século XIX, envolveu certamente uma transformação qualitativa na estrutura fundamental do modo de produção capitalista. Lênin deduziu disto que a revolução socialista estava na ordem do dia, e Rosa Luxemburgo acreditava que as alternativas eram então "socialismo ou barbárie." Lênin era certamente demasiado otimista, tendo subestimado os efeitos devastadores da renda imperialista - e das transferências a ela associadas - sobre a revolução, tanto no Oeste (os centros) como no Leste (as periferias).

A segunda onda de centralização do capital, que teve lugar no último terço do século XX, constituía uma segunda transformação qualitativa do sistema, que eu descrevi como de "monopólios generalizados". De agora em diante, eles não só comandam as alturas da economia moderna, mas também conseguiram impor o seu controle direto sobre todo o sistema de produção. As pequenas e médias empresas (e mesmo as grandes, fora dos monopólios), como os agricultores, foram literalmente despossuídos, reduzidos ao estatuto de subempreiteiros, com as suas actividades, a montante e a jusante, submetidas a um rígido controle por parte dos monopólios.

Nesta fase mais alta da centralização do capital, os seus laços com um corpo orgânico vivo - a burguesia - foram quebrados. Esta é uma mudança extremamente importante: a burguesia histórica, constituída por famílias enraizadas localmente, deu lugar a uma anônima oligarquia plutocrata, que controla os monopólios, apesar da dispersão dos títulos do seu capital social. A série de operações financeiras inventadas nas últimas décadas testemunha esta forma suprema de alienação: o especulador pode agora vender aquilo de que não dispõe sequer, de modo que o princípio da propriedade é reduzido a um estado que é pouco menos que irrisório.

A função de trabalho socialmente produtivo desapareceu. O alto grau de alienação existente tinha já atribuído uma força produtiva ao dinheiro ("o dinheiro faz bébés"). Agora, a alienação atingiu novos cumes: é o tempo ("tempo é dinheiro") que, por sua própria e única virtude, “produz lucro". A nova classe burguesa que provê às exigências da reprodução do sistema foi reduzida ao estatuto de "servos assalariados" (precários, desde logo), mesmo quando são, como membros dos sectores superiores das classes médias, pessoas privilegiadas que são muito bem pagos pelo seu "trabalho".

Assim sendo, não deveremos concluir que o capitalismo cumpriu já o seu tempo? Não há outra resposta possível ao desafio: os monopólios devem ser nacionalizados. Este é um primeiro passo, inevitável, para uma possível socialização da sua gestão por parte dos trabalhadores e dos cidadãos. Apenas isto irá tornar possível a progressão na longa estrada para o socialismo. Ao mesmo tempo, será a única maneira de desenvolver uma nova macroeconomia, que restaure um verdadeiro espaço para as operações das pequenas e médias empresas. Se isso não for feito, a lógica da dominação pelo capital abstrato pode produzir apenas o declínio da democracia e da civilização, até um "apartheid generalizado" a nível mundial.

A vocação tricontinental do marxismo

A minha interpretação do capitalismo histórico enfatiza a polarização do mundo (o contraste centro/periferia), produzido pela forma histórica da acumulação de capital. Esta perspectiva questiona as visões da "revolução socialista" e, mais amplamente, da transição ao socialismo que os marxismos históricos têm desenvolvido. A "revolução" - ou a transição – que temos perante nós não é necessariamente aquela em que essas visões históricas foram baseadas. Nem são as mesmas as estratégias para a superação do capitalismo.

Tem que se reconhecer que, o que as mais importante lutas sociais e políticas do século XX tentaram desafiar, não foi tanto o capitalismo em si mesmo, como a dimensão imperialista permanente do capitalismo realmente existente. A questão é, portanto, saber se esta transferência do centro de gravidade das lutas coloca necessariamente o capitalismo em questão, pelo menos potencialmente.

O pensamento de Marx associa clareza "científica" na análise da realidade com a ação social e política (a luta de classes no seu mais amplo sentido), destinada a "mudar o mundo". Confrontar o básico - ou seja, a descoberta da verdadeira fonte de valor excedente, produzido pela exploração do trabalho social pelo capital - é indispensável para esta luta. Se esta contribuição fundamental e lúcida de Marx for abandonada, o resultado é, inevitavelmente, uma falha dupla. Um tal abandono da teoria da exploração (lei do valor) reduz a análise da realidade a apenas aparências, uma forma de pensar que é limitada por sua abjeta submissão às exigências da mercantilização, engendrada pelo sistema. Da mesma forma, um tal abandono da crítica do sistema baseada no valor-trabalho, anula a eficácia das estratégias e lutas para mudar o mundo, que são, assim, concebidas no interior deste quadro alienante, cujas proclamações de "cientificidade" não têm nenhuma base real.

No entanto, não é suficiente agarrarmo-nos apenas às análises lúcidas formuladas por Marx. Isto não é assim apenas porque a "realidade", em si própria, é mudança, havendo sempre "novas" coisas a ter em conta no desenvolvimento da crítica do mundo real que começou com Marx. Mais importante ainda que isto é o facto de que, como sabemos, a análise que Marx apresentou em ‘O Capital’ foi deixada incompleta. No sexto volume planejado para este trabalho (que nunca foi escrito), Marx propunha-se tratar da globalização do capitalismo. Isso agora tem de ser feito por outros, sendo por isso que ousei defender a formulação da "lei do valor globalizado", restaurando o lugar do desenvolvimento desigual (através da polarização centro/periferia), que é inseparável da expansão global do capitalismo histórico. Nesta formulação, "a renda imperialista" é integrada no processo total de produção e circulação do capital e de distribuição da mais-valia. Esta renda está na origem do desafio: ela explica por que as lutas pelo socialismo nos centros imperialistas se desvaneceram, e destaca as dimensões anti-imperialistas das lutas nas periferias contra o sistema da globalização capitalista/imperialista.

Não vou voltar aqui à discussão sobre o que uma exegese dos textos de Marx sobre esta questão nos pode sugerir. Marx, que é nada menos que um gigante, com toda a sua capacidade crítica e a incrível sutileza de seu pensamento, deve ter tido pelo menos uma intuição de que estava aqui confrontado com uma séria questão. Isto é sugerido pelas suas observações sobre os efeitos desastrosos do alinhamento da classe operária inglesa com o chauvinismo associado à exploração colonial da Irlanda. Marx, portanto, não ficou surpreendido de que fosse na França - menos desenvolvida do que a Inglaterra economicamente, mas mais avançada em consciência política - que ocorreu a primeira revolução socialista. Tal como Engels, também ele chegou a esperar que o "atraso" da Alemanha lhe permitiria desenvolver uma forma original de avanço, com uma fusão entre as revoluções burguesa e socialista.

Lênin foi ainda mais longe. Ele enfatizou a transformação qualitativa envolvida na passagem para o capitalismo monopolista, e tirou daí as conclusões necessárias: que o capitalismo tinha deixado de ser uma necessária etapa progressiva na história e que agora estava "putrefacto" (termo do próprio Lênin). Em outras palavras, ele havia se tornado "obsoleto" e "senil" (termos meus), de modo que a passagem para o socialismo estava na agenda, sendo a um tempo necessária e possível. Ele concebeu e implementou, neste quadro, uma revolução que começou na periferia (Rússia, o "elo fraco"). Então, vendo o fracasso de suas esperanças em uma revolução européia, ele concebeu a transferência da revolução para o Oriente, onde viu que se tornara possível a fusão dos objectivos da luta anti-imperialista com os da luta contra o capitalismo.

Mas foi Mao quem rigorosamente formulou a natureza complexa e contraditória dos objectivos na transição para o socialismo, que deveriam ser prosseguidos nessas condições. O "Marxismo" (ou, mais exatamente, os marxismos históricos) foi confrontado por um novo desafio - um desafio que não existia ainda na mais lúcida consciência política do século XIX, mas que surgiu por causa da transferência da iniciativa de transformação do mundo para os povos, nações e Estados da periferia.

A renda imperialista não beneficiou “apenas” os monopólios no centro dominante (na forma de super lucros), foi também a base da reprodução da sua sociedade como um todo, apesar de sua evidente estruturação em classes e da exploração dos seus trabalhadores. Isto é aquilo que Perry Anderson analisou de forma tão clara como "marxismo ocidental", que ele descreveu como "o produto da derrota" (o abandono da perspectiva socialista) - e que é relevante aqui. Este marxismo estava portanto condenado, tendo renunciado a "mudar o mundo" e comprometendo-se apenas com estudos "acadêmicos", sem impacto político. A deriva liberal da social-democracia - e o seu alinhamento, tanto com a ideologia de "consenso" dos E.U.A., como com o atlantismo ao serviço da dominação imperialista do mundo - foi a conseqüência.

Um "outro mundo" (uma frase muito vaga para indicar um mundo comprometido com o longo caminho rumo ao socialismo) será obviamente impossível, a menos que forneça uma solução para os problemas dos povos da periferia - apenas 80 por cento da população mundial! "Mudar o mundo" significa, portanto, alterar as condições de vida desta maioria. O marxismo, que analisa a realidade do mundo a fim de tornar as forças que atuam para a mudança tão eficazes quanto possível, adquire necessariamente uma decisiva vocação tricontinental (África, Ásia, América Latina).

Como está isto relacionado com o terreno de luta com que nos confrontamos? O que eu proponho, em resposta a esta pergunta, é uma análise da transformação do capitalismo imperialista monopolista ("senil") em capitalismo monopolista generalizado (ainda mais senil, por essa razão). Esta é uma transformação qualitativa, em resposta à segunda longa crise do do sistema, que começou na década de 1970 e que ainda não foi resolvida. A partir desta análise, eu tiro duas conclusões principais: (1) O sistema imperialista é transformado no imperialismo colectivo da tríade, em reação à industrialização das periferias, imposta pelas vitórias da primeira onda de seu "despertar". Isto ocorre juntamente com a implementação pelo novo imperialismo dos novos meios de controle do sistema mundial, baseados no controle militar do planeta e seus recursos, na super-proteção da apropriação exclusiva da tecnologia pelos oligopólios e no seu controle sobre o sistema financeiro mundial. A acompanhar isto dá-se uma transformação das estruturas de classes do capitalismo contemporâneo, com o surgimento de uma exclusiva oligarquia dominante.

O "marxismo ocidental" tem ignorado a transformação decisiva representada pela emergência do capitalismo monopolista generalizado. Os intelectuais da nova esquerda radical ocidental se recusam a medir os efeitos decisivos da concentração dos oligopólios que agora dominam o sistema produtivo como um todo, da mesma forma que dominam toda a vida política, social, cultural e ideológica. Tendo eliminado o termo "socialismo" (e, a fortiori, o "comunismo") de sua linguagem, já não prevêm a necessária expropriação dos expropriadores, mas apenas um impossível "outro capitalismo", com o que eles chamam de "rosto humano". O desvio dos discursos "post" (pós-moderno, pós-marxista, etc.) é disso o resultado inevitável. Toni Negri, por exemplo, não diz uma única palavra sobre esta transformação decisiva que, para mim, está no centro das questões do nosso tempo.

A novilíngua (“newspeak”) destes delírios loucos deve ser encarada, no sentido literal do termo, como um imaginário ilusório afastado de toda a realidade. Em francês, le peuple (e melhor ainda, les classes populaires), como em espanhol el pueblo (las clases populares), não é sinônimo de "todos". Refere-se às classes dominadas, exploradas e, portanto, também enfatiza a sua diversidade (e a diversidade dos tipos de relação que mantêm com o capital), o que torna possível a construção de estratégias eficazes e concretas para torná-las em ativos agentes de mudança. Isto está em contraste com o equivalente em inglês: people não tem esse significado, sendo sinônimo do francês les gens (todos) e do espanhol la gente. A novilíngua ignora estes conceitos (marcados pelo marxismo e formulados em francês ou espanhol), substituindo-os por algumas palavras vagas como a "multidão" de Negri. É um delírio filosófico atribuir a essa palavra (que não acrescenta nada, mas subtrai muito) uma assim dito poder analítico, invocando para isso a sua utilização por Spinoza, que viveu em um tempo e em condições que nada têm a ver com os nossos.

O pensamento político da moda dos novos esquerdistas radicais ocidentais também ignora o caráter imperialista da dominação dos monopólios generalizados, substituindo-o pela expressão vazia de "Império" (Negri). Este ocidentocentrismo, levada ao extremo, omite qualquer reflexão sobre a renda imperialista, sem a qual nem os mecanismos da reprodução social, nem os desafios por eles assim constituídos, podem ser entendidos.

Em contraste com isto, Mao apresentou uma visão que era, ao mesmo tempo, profundamente revolucionária e "realista" (científica, lúcida) sobre os termos em que o desafio deve ser analisado, tornando possível deduzir estratégias eficazes para sucessivos avanços no longo caminho da transição para o socialismo. Por esta razão, ele distingue e liga as três dimensões da realidade: povos, nações, Estados.

Os povos (classes populares) "querem a revolução". Isto significa que é possível construir um bloco hegemônico que reúna as diferentes classes dominadas e exploradas, em oposição àquele que permite a reprodução do sistema de dominação do capitalismo imperialista, que é o bloco hegemônico comprador, com o Estado ao seu serviço.

A menção feita às nações se refere ao fato de que a dominação imperialista nega a dignidade das "nações" (chame-se-lhes o que se quiser), forjada pela história das sociedades das periferias. Essa dominação tem sistematicamente destruído tudo o que dá às nações a sua originalidade - em nome da "ocidentalização" e da proliferação de lixo barato. A libertação dos povos é, pois, inseparável da das nações a que eles pertencem. E esta é a razão pela qual o maoísmo substituíu o curto slogan "Proletários de todos os países, uni-vos!" por um mais abrangente "Proletários de todos os países, povos oprimidos, uni-vos!" As nações querem a sua "libertação", vendo-a como complementar à luta dos povos e não conflitual com ela. A libertação em questão não é, portanto, a restauração do passado - a ilusão fomentada por um apego culturalista ao passado - mas a invenção do futuro. Esta baseia-se na transformação radical do património histórico do país, ao invés da importação artificial de uma falsa “modernidade". A cultura que é herdada e submetida ao teste da transformação é entendida aqui como cultura política - cuidados sendo tomados para não usar o termo indiferenciado "cultura" (incluindo a "religiosa" e inúmeras outras formas), que em si mesmo nada significa, pois que a cultura genuína não é abstrata, nem é uma invariante histórica.

A referência ao Estado é baseada no necessário reconhecimento da autonomia relativa do seu poder, nas suas relações com o bloco hegemônico que é a base de sua legitimidade, mesmo que este seja popular e nacional. Esta autonomia relativa não pode ser ignorada, enquanto o Estado existe, isto é, pelo menos, por toda a duração da transição para o comunismo. É só depois disso que poderemos pensar em uma "sociedade sem Estado", não antes. Isto não é assim apenas porque os avanços populares e nacionais devem ser protegidos contra a permanente agressão do imperialismo, que ainda domina o mundo, mas também, e talvez acima de tudo, porque "para avançar na longa transição" é também necessário "desenvolver as forças produtivas". Em outras palavras, o objetivo é conseguir aquilo que o imperialismo tem impedido nos países da periferia, obliterando o legado de polarização no mundo, que é inseparável da expansão mundial do capitalismo histórico. O programa não é o mesmo que “alcançar” ("catching up") através da imitação do capitalismo central - um alcançar que é, aliás, impossível e, acima de tudo, indesejável. Ele impõe uma concepção diferente de "modernização/industrialização", baseada na participação real das classes populares no seu processo de implementação, com benefícios imediatos para elas em cada nova fase de avanço. Devemos, portanto, rejeitar o raciocínio dominante, que exige que as pessoas esperem indefinidamente até que o desenvolvimento das forças produtivas tenha, finalmente, criado as condições para uma passagem "necessária" ao socialismo. Estas forças devem ser desenvolvidas desde o início com a perspectiva de construir o socialismo. O poder do Estado está, evidentemente, no centro dos conflitos entre essas exigências contraditórias de "desenvolvimento" e "socialismo".

"Os Estados querem a independência". Isto deve ser visto como um duplo objectivo: independência (forma extrema de autonomia) em relação às classes populares, independência das pressões do sistema capitalista mundial. A "burguesia" (em termos gerais, a classe governante, colocada em cargos de direção do Estado, cujas ambições sempre tendem para uma evolução burguesa) é tanto nacional como compradora. Se as circunstâncias lhe permitirem reforçar a sua autonomia em relação ao imperialismo dominante, ela opta por "defender o interesse nacional". Mas se as circunstâncias não lho permitirem, ela optará pela submissão "compradora" às exigências do imperialismo. A "nova classe governante" (ou "grupo governante") ainda está numa posição ambígua, mesmo quando se baseia num bloco popular, pelo fato de que é animada por uma tendência "burguesa", ao menos parcialmente.

A correta articulação da realidade a estes três níveis - povos, nações e Estados – condiciona o sucesso da progressão no longo caminho da transição. É uma questão de reforçar a complementaridade dos avanços do povo, da libertação da nação e das realizações do poder do Estado. Mas se for permitido o desenvolvimento das contradições entre o agente popular e o agente do Estado, quaisquer avanços estarão finalmente condenados.

Haverá um impasse se um destes níveis não estiver preocupado com a sua articulação com os outros. A noção abstrata de "povo" como sendo a única entidade que conta, e a tese do "movimento" abstracto, capaz de transformar o mundo sem se preocupar com a tomada do poder, são simplesmente ingênuas. A idéia de libertação nacional "a todo o custo" - vista como independente do conteúdo social do bloco hegemônico - leva à ilusão cultural do apego irrecuperável ao passado (o islamismo político, hinduísmo e budismo são exemplos) sendo, na verdade, impotente. Isso gera uma noção de poder concebido como sendo capaz de "alcançar conquistas" para o povo, mas que é, de fato, destinado a ser exercido sem ele. Conduz, portanto, à deriva para o autoritarismo e à cristalização de uma nova burguesia. O desvio do sovietismo, que evoluiu de um "capitalismo sem capitalistas" (capitalismo de Estado) para um "capitalismo com capitalistas" é o exemplo mais trágico disso mesmo.

Uma vez que os povos, nações e Estados da periferia não aceitam o sistema imperialista, o "Sul" é a "zona de tempestade", onde ocorrem levantes e revoltas permanentes. Começando em 1917, a história tem consistido principalmente nessas revoltas e iniciativas independentes (no sentido de independentes das tendências que dominam o sistema capitalista imperialista existente) dos povos, nações e Estados das periferias. São estas iniciativas, apesar de seus limites e contradições, que moldaram as transformações mais decisivas do mundo contemporâneo, muito mais do que os progressos das forças produtivas e as adaptações sociais relativamente fáceis que os acompanharam nas áreas centrais do sistema.

A segunda onda de iniciativas independentes dos países do Sul já começou. Os países "emergentes" e outros, assim como os seus povos, estão lutando contra as formas com que o imperialismo colectivo da tríade tenta perpetuar a sua dominação. As intervenções militares de Washington e seus aliados subalternos da NATO também se revelaram um fracasso. O sistema financeiro mundial está entrando em colapso e, em seu lugar, os sistemas autónomos regionais estão em processo de constituição. O monopólio tecnológico dos oligopólios foi frustrado.

Recuperar o controle sobre os recursos naturais está na ordem do dia. Os países andinos, vítimas do colonialismo interno que sucedeu à colonização estrangeira, fazem-se sentir no nível político.

As organizações populares e partidos da esquerda radical em luta já derrotaram alguns programas liberais (na América Latina) ou estão em vias de fazê-lo. Estas iniciativas, que são, em primeiro lugar, fundamentalmente anti-imperialistas, são potencialmente capazes de abrir compromissos no longo caminho para a transição socialista.

Como se relacionam entre si estes dois futuros possíveis? O "outro mundo" que está sendo construído é sempre ambíguo: ele carrega em si o pior e o melhor, ambos eles "possíveis" (não há leis na história, anteriores à própria história, para nos dar uma indicação). Uma primeira onda de iniciativas por parte dos povos, nações e Estados da periferia teve lugar no século XX, até 1980. Qualquer análise de seus componentes não fará sentido, a menos que sejam consideradas as complementaridades e conflitos sobre a forma como os três níveis se relacionam entre si. Uma segunda onda de iniciativas na periferia já começou. Será que vai ser mais eficaz? Poderá ir mais longe do que a anterior?

Acabar com a crise do capitalismo?

As oligarquias no poder dentro do sistema capitalista contemporâneo estão tentando restaurar o sistema como ele era antes da crise financeira de 2008. Para isso, elas precisam convencer as pessoas através de um "consenso" que não ponha em causa o seu poder supremo. Para conseguir isso, elas estão dispostas a fazer algumas concessões retóricas sobre os desafios ecológicos (em particular sobre a questão do clima), pintando de verde a sua dominação, e até mesmo insinuando que vão levar a cabo reformas sociais (a guerra "contra a pobreza") e reformas políticas ("boa governança").

Participar neste jogo de convencer as pessoas da necessidade de forjar um novo consenso - mesmo definido em termos que serão claramente melhores - vai acabar em fracasso. Pior ainda, irá prolongar ilusões fatais. Isso ocorre porque a resposta ao desafio criado pela crise do sistema global exige primeiro a transformação das relações de poder em benefício dos trabalhadores, bem como das relações internacionais em benefício dos povos das periferias. As Nações Unidas têm organizado uma série de conferências mundiais que não resultaram em nada - tal como seria de esperar.

A história provou que este é um requisito necessário. A resposta à primeira crise longa do capitalismo envelhecido ocorreu entre 1914 e 1950, principalmente através dos conflitos que opuseram os povos das periferias à dominação dos poderes imperiais e, em graus diversos, através de relações sociais internas que beneficiaram as classes populares. Desta forma, eles prepararam o caminho para os três sistemas do período pós-Segunda Guerra Mundial: os socialismos realmente existentes da época, os regimes nacionais e populares de Bandung, e os do compromisso social-democrata nos países do Norte, o qual se tinha tornado especialmente necessário por causa das iniciativas independentes dos povos das periferias.

Em 2008, a segunda crise longa do capitalismo passou para uma nova fase. Violentos conflitos internacionais já começaram e são bem visíveis: irão eles desafiar a dominação dos monopólios generalizados, com base em posições anti-imperialistas? Como se relacionam eles com as lutas sociais das vítimas das políticas de austeridade prosseguidas pelas classes dominantes, em resposta à crise? Em outras palavras, será que os povos vão empregar uma estratégia de livrar-se de um capitalismo em crise, em vez da estratégia para livrar o sistema da sua crise, seguida pelos poderes constituídos?

Os ideólogos serventuários do poder estão a perder vapor, fazendo comentários fúteis sobre "o mundo após a crise". A CIA só pode prever a restauração do sistema, atribuindo uma maior participação dos "mercados emergentes" no contexto da globalização liberal, isto em detrimento apenas da Europa, não dos Estados Unidos. É incapaz de reconhecer que esta crise aprofundada não será "superada", senão através de violentos conflitos internacionais e sociais. Ninguém sabe o que daí resultará: pode se inclinar para o melhor (o progresso na direção do socialismo) ou para o pior (o mundo do apartheid).

A radicalização política das lutas sociais é a condição para superar a fragmentação interna e sua estratégia exclusivamente defensiva ("salvaguardar os benefícios sociais"). Somente desta forma é possível identificar os objetivos necessários para a realização do longo caminho para o socialismo. Só isso vai permitir aos "movimentos" tomar uma parcela real de poder.

O fortalecimento dos movimentos exige um conjunto de condições macro-políticas e macro-econômicas que tornam viáveis os seus projectos concretos. Como criar estas condições? Aqui chegamos à questão central do poder do Estado. Um Estado renovado, verdadeiramente popular e democrático, será capaz de levar a cabo políticas efetivas nas condições de globalização do mundo contemporâneo? Uma resposta imediata negativa, da parte da esquerda, levou a pedidos de iniciativas para alcançar um consenso mínimo global, como base para a mudança política universal, contornando o Estado. Essa resposta e seu corolário estão se mostrando infrutíferos. Não há outra solução a não ser gerar avanços a nível nacional, talvez reforçados por uma acção adequada a nível regional. Eles devem ter por objectivo o desmantelamento do sistema mundial ("dissociação") antes de uma eventual reconstrução, numa base social diferente, com a perspectiva de ir além do capitalismo. O princípio é tão válido para os países do Sul - que, aliás, já começaram a avançar nesse sentido, na Ásia e América Latina - como o é para os países do Norte, onde, infelizmente, a necessidade de desmantelar as instituições europeias (e a do euro) não está ainda prevista, nem mesmo pela esquerda radical.

O indispensável internacionalismo dos trabalhadores e dos povos

Os limites dos avanços feitos pelo despertar do Sul no século XX, e a exacerbação das contradições que daí resultaram foram as causas da primeira onda de libertação ter perdido o seu ímpeto. Isso foi grandemente reforçado pela hostilidade permanente dos Estados do centro imperialista, que chegaram ao ponto de travar uma guerra aberta que - isto tem de ser dito - foi apoiada, ou pelo menos aceite, pelos povos do Norte. Os benefícios da renda imperialista foram certamente um factor importante para esta rejeição do internacionalismo palas forças populares do Norte. As minorias comunistas, que adotaram outra atitude, por vezes com grande convicção, não conseguiram, no entanto, construir blocos alternativos eficazes em torno de si. E a passagem dos partidos socialistas, em massa, para o campo "anticomunista", contribuiu largamente para o sucesso das potências capitalistas no campo imperialista. Estes partidos não foram, no entanto, "premiados", pois que logo no dia seguinte ao colapso da primeira onda de lutas do século XX, o capitalismo monopolista sacudiu a aliança que mantinha com eles. Eles não aprenderam a lição da derrota, radicalizando-se. Pelo contrário, escolheram antes capitular, resvalando para as posições "social-liberais" com as quais estamos agora familiarizados. Esta é a prova, se tal fosse necessário, do papel determinante da renda imperialista na reprodução das sociedades do Norte. Assim, esta segunda capitulação não foi tanto uma tragédia como uma farsa.

A derrota do internacionalismo partilha parte da responsabilidade pelas derivas autoritárias para autocracia nas experiências socialistas do século passado. A explosão de expressões inventivas de democracia, durante o curso das revoluções russa e chinesa, desmente o lugar-comum de que estes países não estavam "maduros" para a democracia. A hostilidade dos países imperialistas, facilitada pelo apoio dos seus povos, contribuiu largamente para tornar ainda mais difícil a busca por um socialismo democrático, em condições que já eram de si difíceis, como conseqüência da herança do capitalismo periférico.

A segunda onda do despertar dos povos, nações e Estados das periferias, no século XXI, começa em condições que dificilmente serão melhores. Na verdade, são ainda mais difíceis. A característica ideologia do "consenso" dos E.U.A. (que significa submissão às exigências do poder do capitalismo monopolista generalizado); a adoção de regimes políticos "presidenciais" que destroem a eficácia do potencial contestatário da democracia; o elogio indiscriminado de um individualismo falso, manipulado, juntamente com a desigualdade (vista como uma virtude); a mobilização dos países subalternos da NATO para as estratégias implementadas pelo establishment de Washington - todas estas tendências estão a fazer progressos rápidos na União Europeia, que não pode ser, nessas condições, nada mais do que aquilo que é: um bloco constitutivo da globalização imperialista.

Nesta situação, o colapso deste projeto militar se torna a primeira prioridade e condição preliminar para o sucesso da segunda onda de libertação a ser realizada através das lutas dos povos, nações e Estados dos três continentes. Até que isso aconteça, seus avanços presentes e futuros permanecerão vulneráveis. Um possível remake do século XX não deve, portanto, ser excluído, mesmo que, obviamente, as condições de nossa época sejam bastante diferentes daquelas do século passado.

Esse cenário trágico não é, contudo, o único possível. A ofensiva do capital contra os trabalhadores já está em curso no próprio coração do sistema. Esta é a prova, caso fosse necessária, de que o capital, quando é reforçado por suas vitórias contra os povos da periferia, é então capaz de atacar frontalmente as posições das classes trabalhadoras nos centros do sistema. Nesta situação, já não é impossível visualizar uma radicalização das lutas. A herança de culturas políticas europeias ainda não está perdida, devendo facilitar o renascimento de uma consciência internacional que responda aos requisitos da sua globalização. Uma evolução nesse sentido, no entanto, esbarra no obstáculo constituído pela renda imperialista.

Esta não é apenas uma enorme fonte de lucros extraordinários para os monopólios; ela também condiciona a reprodução da sociedade como um todo. E, com o apoio indireto desses elementos populares que procuram preservar a todo o custo o actual modelo eleitoral de "democracia" (por mais antidemocrático que ele seja na realidade), o peso das classes médias, com toda a probabilidade, pode destruir a força potencial decorrente da radicalização das classes populares. Devido a isto, é provável que o progresso no Sul tricontinental continue a estar na vanguarda da cena, como no século passado. No entanto, logo que os primeiros avanços aí tenham tido os seus efeitos, restringido seriamente a extensão da renda imperialista, os povos do Norte deverão estar em melhor posição para compreender o fracasso das estratégias que se submetem às exigências dos monopólios imperialistas generalizados. As forças políticas e ideológicas da esquerda radical deverão então tomar o seu lugar neste grande movimento de libertação, construído sobre a solidariedade entre povos e trabalhadores.

A batalha ideológica e cultural é determinante para esse renascimento - que eu tenho resumido como o objetivo estratégico de construção de uma Quinta Internacional dos trabalhadores e dos povos.


Inclusão: 28/03/2021