MIA> Biblioteca> Fúlvio Abramo > Novidades
Primeira Edição: A Luta de Classe, no. 11, abril de 1933
Fonte: http://www.ler-qi.org/ - Na Contracorrente da História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista 1930 – 1933. Fúlvio Abramo e Dainis Karepovs (orgs.)
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Camaradas:
A luta pela Constituinte entrou numa nova fase: a campanha eleitoral. O Partido apresentará, certamente, os seus candidatos(1), muito embora só possam. estes contar com um número muito reduzido de votos, uma vez que milhões de proletários (maiores de 18 anos, estrangeiros, soldados e marinheiros) não podem votar; a não ser a Oposição de Esquerda, que é ainda um pequeno grupo entre nós, não houve quem reivindicasse esse direito. Ao Partido Comunista, como partido do proletariado — já o mostramos inúmeras vezes — é que incumbiria a tarefa de, numa luta revolucionária pela Constituinte, reivindicar o direito do voto para as grandes camadas exploradas e oprimidas da população. Não o fez. Não vamos discutir aqui as conseqüências desse erro, coisa que temos feito nas colunas do nosso órgão — A LUTA DE CLASSE. De resto, não queremos dar a esta carta senão um cunho essencialmente prático.
Como comunistas, como fração do Partido, se bem que não nos reconheçais essa qualidade, não vamos discutir agora — vimos propor-vos a formação de um comitê eleitoral proletário, de existência provisória e destinado a realizar todo o trabalho prático relacionado com as eleições: inscrição de eleitores, propaganda de candidatura do Partido etc. Para esse fim, a Liga Comunista (seção brasileira da Oposição Internacional de Esquerda) põe os seus aderentes à inteira disposição do Partido. Não só apoiaremos, como é nosso dever, os candidatos do comunismo apresentados pelo P. C., como queremos contribuir praticamente com a nossa atividade.
A necessidade da formação de um comitê eleitoral DE FUNÇÕES EXCLUSIVAMENTE TÉCNICAS é indicada no momento pela conveniência de coordenação do ... [ilegível] ... e de sua centralização ... [ilegível] '"a campanha eleitoral... [ilegível] ... outro lado, a sua ... [ilegível] ... poderem reunir debaixo da mesma bandeira — a bandeira do comunismo — não só os membros do Partido e da Oposição de Esquerda, como os operários sem partido e os simpatizantes. O número de elementos que deverão constituir esse comitê ficará ao vosso critério. Também não fazemos questão de que não desejeis, por qualquer motivo incluir no mesmo camaradas nossos. O que nos interessa é a necessidade política de .nos apresentarmos unidos, em frente única, não só nos comícios de propaganda como durante as eleições. Estamos certos de que, diante do inimigo de classe, não fugireis ao cumprimento desse dever elementar.
Para a aceitação da nossa proposta, não vos apresentamos nenhuma condição. Mas nos comprometemos a defender até o fim os candidatos do Partido, pois consideramos que este, apesar de todos os seus erros e desvios da linha revolucionária, ainda representa em seu conjunto as idéias do comunismo. Parece que não pode haver, a esse respeito, nenhuma dúvida.
Queremos propor-vos, agora — NÃO COMO CONDIÇÃO para aceitardes a idéia geral de comitê eleitoral, mas como UMA PROPOSTA INDEPENDENTE, se bem que paralela — a defesa, nos comícios de propaganda dos candidatos do Partido, do programa que vos enviamos em separado.
Aguardamos, sobre as duas propostas que vos fazemos nesta carta, uma resposta tão urgente quanto possível, por intermédio do camarada portador.
Saudações comunistas.
Pela Comissão Executiva da Liga Comunista (Seção Brasileira da Oposição Internacional de Esquerda).
Os deputados comunistas à Assembléia Constituinte servir-se-ão da tribuna do parlamento burguês como de uma tribuna de agitação e propaganda das idéias do comunismo e da Revolução Proletária, que instituirá, como período de transição da sociedade capitalista à sociedade socialista, a ditadura do proletariado [134], baseado nos conselhos (sovietes) de operários, soldados e marinheiros. Colocarão no primeiro plano de sua ação parlamentar, como tarefa geral e permanente, a crítica implacável do regime capitalista e do parlamento burguês, demonstrando ser este, por mais democrático que pareça nas suas formas exteriores, um aparelho para defesa e garantia dos interesses da classe possuidora e por isso mesmo já superado historicamente pelo PARLAMENTO DA CLASSE REVOLUCIONÁRIA — os conselhos (sovietes) de operários, soldados, marinheiros e camponeses.
Ao lado da propaganda dos objetivos ulteriores do proletariado — a conquista revolucionária do poder político — ,os deputados comunistas defenderão um . programa mínimo de reivindicações, assim discriminadas:
1 — Autocracia do povo: a integridade do poder supremo deve pertencer ao Estado, não a um presidente, mas aos representantes do povo, eleitos pelo ... [ilegível] '" a qualquer ... [ilegível] ....
2 — Eleição da Assembléia Legislativa, assim como de todos os órgãos de administração autônoma, pelo sufrágio universal, igual e direto, com extensão do direito de voto aos cidadãos e cidadãs maiores de 18 anos, sem distinção de nacionalidade e aos soldados e marinheiros sufrágio secreto, elegibilidade de qualquer eleitor em todas as instituições eletivas. Neste sentido, o Código Eleitoral do Governo Provisório deve ser revogado, pura e simplesmente, e substituído por outro, a cargo da Assembléia Constituinte e que atenda a todas essas reivindicações democráticas. O mandato parlamentar deve ser fixado em 2 anos com remuneração aos representantes do povo.
3 — Representação proporcional em todas as eleições; destituibilidade de todos os eleitos, de acordo com a vontade da maioria dos eleitores.
4 — Larga autonomia local (dos estados, dos municípios e distritos). Autonomia do Distrito Federal e do Território do Acre, que devem ser considerados estados autônomos, com representação e governos próprios, como os demais.
5 — Supressão de todas as autoridades locais e regionais designadas pelo poder central.
6 — Inviolabilidade da pessoa e do domicílio.
7 — Liberdade ilimitada de consciência, de palavra, de reunião, de greve e de associação. Proibição de lock-outs.
8 — Liberdade de locomoção e igualdade completa de todos os cidadãos, sem distinção de sexo, religião, raça, convicções políticas e nacionalidades.
9 — Substituição da polícia e do exército permanente pelo armamento geral do povo numa milícia em que os operários e os empregados recebam de seus patrões o salário habitual pelo tempo consagrado ao serviço cívico.
10 — Eleição, pelo povo, de todos os juízes, funcionários civis e chefes militares. Destituibilidade de todos os eleitos a qualquer momento, segundo a vontade da maioria dos eleitores. Justiça gratuita.
11 — Reconhecimento, a todo cidadão, do direito de processar, pelas vias normais, perante o júri, qualquer funcionário.
12 — Separação efetiva e absoluta da religião e do Estado; separação efetiva e absoluta da escola e da religião, contra o ensino religioso nas escolas.
a) Abolição, em conseqüência, da representação diplomática junto ao Vaticano
b) Revogação de todas as concessões, contratos e privilégios concedidos em todo o país às congregações e outras associações religiosas; abolição da mão morta, dízimas, congruas e outras sinecuras eclesiásticas.
13 — Ensino gratuito e leigo em todos os seus graus. Escola Única. Ensino primário e profissional obrigatório, até aos 16 anos, para as crianças dos dois sexos; alimentação, vestimentas e distribuição de materiais escolares às crianças pobres, às expensas do Estado.
14 — Instituição do divórcio absoluto e revogação das leis civis que estabelecem a inferioridade da mulher e dos filhos naturais. Abolição do "pátrio poder".
15 — Revogação de todas as leis reacionárias, como a lei fascista de "sindicalização" e os decretos de deportação de militantes operários, nacionais ou estrangeiros, por questões de luta de classe. Negação ao Estado do direito de envolver-se na administração dos sindicatos operários, cuja independência deve ser garantida, nos termos do Código Civil(2).
16 — Destruição dos presídios que, como o Gabinete de Investigação em S. Paulo e a 4:'- Delegacia Auxiliar do Rio, aberram de todo o sistema penitenciário comum aos países medianamente civilizados e que, no Brasil, se especializaram na repressão do movimento operário. Reforma do regime penitenciário brasileiro, de acordo com as conquistas mais modernas e liberais.
17 — Legalização do Partido Comunista e de todas as organizações revolucionárias do proletariado.
18 — Combate ao imperialismo e às guerras imperialistas; Direito de todos os povos e países de disporem livremente de seus destinos e escolherem livremente a sua forma de governo, inclusive o direito de separar-se.
19 — Reconhecimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com a qual o Brasil deverá, desde então, entrar em relações diplomáticas e comerciais.
★ ★ ★
1 — Limitação da jornada de trabalho de todos os assalariados a 7 horas em 24 horas. Jornada de 4 a 6 horas nas indústrias perigosas e insalubres.
2 — Repouso semanal legal de 24 horas, pago pelos patrões, para os operários assalariados dos dois sexos, em todos os ramos da economia.
3 — Interdição completa das horas suplementares de trabalho.
4 — Interdição do trabalho noturno, das 20 às 6 horas da manhã, em todos os ramos da economia, com exceção daqueles em que o trabalho for absolutamente necessário por motivos técnicos aprovados pelas organizações operárias, e com a condição, entretanto, de que o trabalho noturno não vá além de 4 horas para cada pessoa.
5 — Proibição aos patrões de empregar o trabalho das crianças em idade escolar (até 16 anos); limitação da jornada de trabalho dos jovens (de 16 a 20 anos) a quatro horas, sendo proibido o seu trabalho à noite nas usinas e nas indústrias insalubres.
6 — Proibição do trabalho das mulheres nas indústrias em que este trabalho for insalubre para o organismo feminino; proibição do trabalho noturno das mulheres; dispensa do trabalho às mulheres, com o salário integral, 8 semanas antes e 8 semanas depois do parto, sendo-lhes dado tratamento médico e medicamentos gratuitos.
7 — Criação em todas as usinas, fábricas ou empresas que empreguem o trabalho das mulheres, de creches maternais e de locais próprios para a amamentação; toda a operária, durante este período, deve dispor, no mínimo, de uma meia hora de liberdade em cada três horas, no máximo, receber um cômodo e só trabalhar 6 horas diárias.
8 — Completo seguro social dos operários:
a) Para todo trabalho assalariado;
b) Contra toda espécie de invalidez, temporária ou outra; doença, acidente, velhice, enfermidade profissional, maternidade, viuvez e orfandade, desemprego etc.;
c) Administração inteiramente autônoma, pelos próprios segurados, dos seus interesses, em todas as instituições de previdência social;
d) Pagamento das despesas de seguro pelos capitalistas;
e) Tratamento médico e medicamentos gratuitos, sendo os serviços respectivos dirigidos pelos conselhos autônomos (eleitos pelos operários) das caixas de assistência.
9 — Extensão a todos operários, industriais e rurais, e a todas as dispensas, sem causa justificada, da indenização correspondente a seis meses de salário;
10 — Inspeção do trabalho, eleita pelos operários, em todas as empresas que empreguem a mão-de-obra assalariada, sem excluir os que empreguem os domésticos; designação de inspetoras nos ramos que empreguem a .mão-de-obra feminina.
11 — Legislação sanitária, visando o melhoramento das condições higiênicas do trabalho e a defesa da vida e saúde dos operários em todas as empresas que empreguem a mão-de-obra assalariada, devendo esse serviço sanitário ser dirigido por uma inspeção eleita pelos operários.
12 — Legislação sobre casas operárias, assegurando-se o estado sanitário dos locais habitados por inspeções operárias especiais, constituídas por meio de eleição. A questão da habitação operária, entretanto, só pode ser resolvida pela abolição da propriedade privada do solo e a construção de casas higiênicas e baratas.
13 — Instituição de bolsas de trabalho para colocação e auxílio de desempregados. Essas bolsas devem ser instituições proletárias de classe (e não fundadas na representação paritária de operários e patrões), e ser estreitamente ligadas aos sindicatos e às outras organizações operárias e receber os seus subsídios das administrações locais do Estado.
14 — Aumento geral dos salários, de acordo com as tabelas apresentadas pelos sindicatos operários. Instituição do salário mínimo.
15 — Cumprimento integral e generalizado da Lei de Férias, com multas progressivas e pena de infração aos infratores, e de outras leis existentes. Promulgação de novas leis de defesa e assistência social, com a sua execução fiscalizada pelos sindicatos operários.
★ ★ ★
1 — Confiscação dos domínios, dos mosteiros e das terras do Estado, que devem ser transmitidos às administrações locais (municípios e distritos) eleitas democraticamente, as quais disporão desses bens, assim como das águas e florestas de interesse público, como propriedade do Estado democrático.
2 — Nacionalização de todas as terras, com exceção da pequena propriedade rural, entendendo-se por nacionalização a transmissão ao Estado da propriedade e cabendo às instituições locais (municípios e distritos) o direito de dispor desses bens. Revogação das hipotecas e outros ônus que pesem sobre a pequena propriedade rural.
3 — Abolição de todos os impostos indiretos (impostos sobre objetos de consumo de primeira necessidade).
4 — Limitação do direito de sucessão pelo imposto expropriativo sobre a herança.
5 — Nacionalização das estradas de ferro, companhias de transporte, minas, companhias de seguros e todos os bancos do país, que devem ser fundidos num banco central único.
6 — Imposto progressivo e proporcional sobre a renda e aplicação do produto em empreendimentos que contribuam para melhorar efetivamente a situação da classe trabalhadora.
7 — Organização do crédito pelo Estado, visando auxiliar os pequenos agricultores. Organização de grandes fazendas modelos geridas por sindicatos dos operários rurais.
8 — Proibição do monopólio das vendas e estabelecimentos comerciais no interior das propriedades rurais.
9 — Liberdade para os trabalhadores rurais de morarem fora da sede da fazenda; abolição do privilégio "feudal" de "fechamento das porteiras" por parte do proprietário de fazendas e outros estabelecimentos rurais.
Notas de rodapé:
(1) Em 29.4.1933, constatando que o PCB não havia lançado candidatos às eleições à Assembléia Constituinte, a Liga Comunista apresenta o nome de Aristides da Silveira Lobo como "candidato do comunismo à Assembléia Constituinte". No mesmo dia a legenda impulsionada pelo PCB, União Operária e Camponesa, lança os nomes de lonas Trombini e Attila Borges Dias, fazendo com que a Liga Comunista, coerente com sua postura de fração do PCB, retirasse a candidatura de Aristides Lobo e passasse a apoiar os candidatos do partido, fato tornado público no dia seguinte. (retornar ao texto)
(2) O Decreto n? 19.770, de 19.3.1931, que ficou conhecido como a "Lei de Sindicalização", foi o primeiro passo na construção do edifício do sindicalísmo corporativista aínda hoje em vígor no país. Apresentando-a como "uma simples adaptação e aplicação dos princípios da celebérrima 'carta do trabalho' que Mussolini impôs aos trabalhadores da Itália", a Liga Comunista alerta, no documento "Contra o decreto fascista de oficialização sindical", de 30.3.1931, para os objetivos do decreto: o controle direto do Estado sobre os sindicatos, a transformação dos sindicatos em apenas entidades de beneficência, a colaboração de classes entre operários e patrões, a arbitragem governamental dos conflitos entre operários e patrões, com vistas a suprimir o direito de greve. Ao fim, formulava um apelo para que os operários resistissem à sua aplicação. No entanto, a concessão de certas vantagens na justiça do trabalho, férias, a criação da figura do deputado classista, entre outros "incentivos" à sindicalizaçào, fez com que houvesse cada vez mais "sindicatos oficiais". A Liga Comunista, percebendo o sério risco do ísolamento na manutençào de sua postura, mas, de outro lado, constatando que, ao invés de conseguir controlar o movimento operário, esta nova estrutura era "um poderoso canaliz'ador de descontentamentos de classe", resolve impulsionar a sindicalizaçào dos sindicatos sob seu controle, mas jamais perdendo de vista a luta pela autonomia dos sindicatos em face do Estado. Para maiores detalhes ver o número 20, de maio de 1934, de A Luta de Classe. (retornar ao texto)